O governo interino de Honduras, liderado por Roberto Micheletti, pediu ao Brasil que defina a situação do presidente deposto, Manuel Zelaya, que se refugia desde segunda-feira (21) na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Segundo informações do jornal colombiano "El Tiempo", Micheletti quer que o Brasil entregue Zelaya à justiça hondurenha ou conceda asilo.
Zelaya está na embaixada brasileira com cerca de cem pessoas, incluindo apenas quatro funcionários da diplomacia brasileira. Segundo informações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a alimentação está sendo fornecida com regularidade, por representantes da ONU (Organização das Nações Unidas).
Policiais mantêm guarda em torno da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa; Honduras quer definir situação
O fornecimento de água e luz foi restabelecido, mas o funcionamento dos telefones continua intermitente. A organização e limpeza das dependências da embaixada é feita pelas próprias pessoas que lá estão.
De acordo com o 22º artigo da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, os locais das Missões Diplomáticas (embaixadas e edifícios anexos) são invioláveis. Os agentes do estado acreditado (que recebe a embaixada) não podem penetrar neles sem o consentimento do chefe da missão.
O governo brasileiro disse que garantirá a proteção do presidente deposto dentro da embaixada e pediu ao Conselho de Segurança da ONU uma reunião de emergência para discutir a pior crise na América Central em décadas.
Zelaya confirmou em entrevista à Folha publicada nesta quarta-feira que o Brasil "não sabia" de seus planos. "Tomei a decisão de vir direto à embaixada por uma questão de estratégia, uma posição de reserva, para que o plano não corresse risco."
O Ministério de Relações Exteriores do Brasil afirmou nesta terça-feira que o Brasil foi alertado pouco antes da viagem de Zelaya por uma deputada hondurenha favorável ao líder deposto. O encarregado de Negócios da embaixada brasileira, o diplomata Francisco Catunda Rezende, avisou então o chanceler Celso Amorim que conversou com o presidente deposto por telefone quando este já estava na embaixada brasileira.
Segundo o Itamaraty, Zelaya disse ter buscado abrigo na embaixada para voltar para à Presidência por meio do diálogo e de forma pacífica. "Zelaya pode viver ali cinco ou dez anos, nós não temos nenhum inconveniente que ele viva ali", disse Micheletti, aparentemente disposto a arrastar a crise.
Tensão
Centenas de efetivos de segurança, alguns mascarados e outros portando armas automáticas, mantiveram nesta quarta-feira uma área ao redor do prédio da embaixada do Brasil.
O governo interino de Honduras suspendeu por ao menos seis horas o toque de recolher imposto no país desde segunda-feira (21), por causa do retorno do presidente deposto.
A suspensão do toque de recolher na tarde desta quarta-feira –das 10h às 16h (13h às 19h no horário de Brasília)– foi anunciada pelo presidente interino, Roberto Micheletti, em entrevista ao canal de TV 10 de Honduras.
A medida, afirmou, visa a permitir que a população se abasteça de água, alimentos e outros produtos e é reflexo também da condição de segurança no país, apesar dos temores de que a volta de Zelaya ampliassem a violência que marcou a crise política.
Segundo a agência Efe, os hondurenhos fazem filas nos supermercados em busca de suprimentos para a reinstalação da medida que esvaziou as ruas da capital e fechou boa parte do comércio.
Defesa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender Zelaya nesta quarta-feira, no discurso de abertura da 64ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York (EUA). Ele afirmou que toda comunidade internacional "exige que [Manuel] Zelaya reassuma imediatamente a Presidência do país".
Em seu discurso à ONU, Lula pediu que seja garantida a "inviolabilidade da embaixada brasileira na capital hondurenha", arrancando aplausos da plateia de 119 líderes mundiais.
Lula pediu ainda mais comprometimento e "vontade política" da organização para confrontar situações que conspiram contra a paz, o desenvolvimento e a democracia, e citou o golpe de Estado de 28 de junho em Honduras, cujo líder, disse, tem "refúgio garantido" na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Histórico
Zelaya foi deposto nas primeiras horas do dia 28 de junho, dia em que pretendia realizar uma consulta popular sobre mudanças constitucionais que havia sido considerada ilegal pela Justiça. Com apoio da Suprema Corte e do Congresso, militares detiveram Zelaya e o expulsaram do país, sob a alegação de que o presidente pretendia infringir a Constituição ao tentar passar por cima da cláusula pétrea que impede reeleições no país.
O presidente deposto, cujo mandato termina no início do próximo ano, nega que pretendesse continuar no poder e se apoia na rejeição internacional ao que é amplamente considerado um golpe de Estado –e no auxílio financeiro, político e logístico do presidente venezuelano, Hugo Chávez– para desafiar a autoridade do presidente interino e retomar o poder.
Isolado internacionalmente, o presidente interino resiste à pressão externa para que Zelaya seja restituído e governa um país aparentemente dividido em relação à destituição, mas com uma elite política e militar –além da cúpula da Igreja Católica– unida em torno da interpretação de que houve uma sucessão legítima de poder e de que a Presidência será passada de Micheletti apenas ao presidente eleito em novembro. As eleições estavam marcadas antes da deposição, e nem o presidente interino nem o deposto são candidatos.