Por sugestão da oposição, relator retira capitalização, BPC e rurais da reforma da Previdência

Os partidos de oposição e a classe trabalhadora puderam saborear nesta quinta-feira (13), véspera da greve geral, o agradável sabor da vitória, ainda que parcial, na luta contra a proposta de reforma da Previdência, que está tramitando em uma Comissão Especial da Câmara Federal.

Por pressão dos deputados da esquerda e centro-esquerda, o parecer do relator Samuel Moreira (PSDB/SP) excluiu as mudanças previstas na PEC 06 para trabalhadoras rurais; a capitalização; o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a desconstitucionalização do sistema. Apesar desses recuos, o relatório que está sendo proposto (e ainda demanda votação na Comissão Especial) preserva muitas maldades contra a classe trabalhadora e é considerado inaceitável pela oposição.

Bolsonaro e Guedes derrotado  

Foi mais um revés para o governo Bolsonaro e uma séria derrota sobretudo para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que, ecoando os interesses de banqueiros e rentistas do sistema financeiro, revelou-se um feroz defensor do modelo de capitalização, malgrado o fato de que seja um fracasso anunciado em todo o mundo.

O texto original, de extrema e requintada crueldade, reduzia o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), hoje de um salário mínimo (R$ R$ 998,00), a R$ 400,00. É, como se sabe, um direito dos idosos carentes não aposentados e deficientes físicos em situação de extrema pobreza a partir dos 65 anos. A maldade que Bolsonaro e Paulo Guedes queriam perpetrar contra este segmento mais pobre e vulnerável da sociedade brasileira, que já é campeã mundial em matéria de desigualdade, escandalizou até mesmo alguns parlamentares da direita e do autointitulado Centrão.

Quanto às trabalhadoras rurais, o governo propunha a elevação da idade das mulheres para aposentadoria dos atuais 55 para 60 anos, bem como o aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos. O retrocesso despertou oposição também entre deputados conservadores e foi rejeitado pelo relator, depois de diálogo e acordo com líderes da oposição.

Não à privatização

Conforme o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) “a grande vitória da oposição e do povo” foi a exclusão do modelo de capitalização do relatório proposto por Samuel Moreira. “Isto significa que a nossa Previdência não será destruída pela chamada ‘Nova Previdência’. Não vamos aceitar a privatização”, afirmou, “nem agora nem em agosto”, mês em que provavelmente a PEC 06/2019 será apreciada e votada em plenário.

Com efeito, a ideia de Guedes, se concretizada, conduziria à privatização do sistema previdenciário, que deixaria de ser público e teria sua administração transferida ao sistema financeiro. Este lucraria bilhões ao longo dos próximos anos especulando com a poupança dos trabalhadores, enquanto o empresariado deixaria de contribuir. Ocorre que a mudança de modelos teria um custo de transição estimado em R$ 400 bilhões no primeiro ano pelo presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos (PL-AM). É um valor quatro vezes maor que a economia anual esperada com a reforma, de cerca de R$ 1 trilhão em 10 anos. Isto significa que a mudança aumentaria substancialmente o déficit público primário, cujo combate é o pretexto que embala a reforma.

Além disto, o modelo imaginado por Paulo Guedes é a capitalização imposta aos chilenos pelo ditador Augusto Pinochet, que agora se revela um grande fiasco, com efeitos trágicos para a população idosa, entre eles o aumento do número de suicídios e da pobreza extrema ou miséria entre os idosos. O valor dos benefícios pagos pelos bancos chilenos à grande maioria dos novos aposentados é inferior ao salário mínimo.

“A retirada do sistema de capitalização do texto da reforma da Previdência Social é um tiro de morte na proposta da ‘Nova Previdência’, idealizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que serviu de slogan ao governo Jair Bolsonaro em seus primeiros meses”, observou o jornalista Ribamar Oliveira no site do “Valor”. O tema deve voltar ao debate quando a proposta for a plenário, mas sua aprovação a esta altura é bem mais que improvável.

Desconstitucionalização fora  

Merece igual destaque a retirada da proposta de desconstitucionalização da Previdência, que reduziria para maioria simples o quórum para aprovação de mudanças no sistema (aprovação de propostas de emendas à Constituição requer dois terços dos votos, além de votação em dois turnos, nas duas casas). Outra vitória da oposição foi a reoneração dos bancos e a elevação da alíquota da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) para 20%.

No governo Bolsonaro, provavelmente por generosidade do rentista Paulo Guedes com seus pares, a CSLL deixou de ser cobrada dos banqueiros, apesar do escandaloso aumento dos lucros auferidos no ramo neste tempo de crise e estagnação da economia. A renúncia fiscal levou, neste caso, a uma perda de receita em torno de R$ 5 bilhões somente neste ano. Por sugestão de parlamentares progressistas, o relator incluiu a reoneração do sistema e o acréscimo na alíquota da CSLL.

Estados e municípios também devem ser excluídos da reforma, de acordo com o parecer do relator. Trata-se de um aspecto controvertido, uma vez que a crise fiscal nos estados e municípios é mais dramática quando comparada à da União, mas também revelador do receio dos parlamentares, que temem a reação dos servidores estaduais e municipais diante da perda de direitos e benefícios. Fica implícito o reconhecimento do caráter antipopular da reforma proposta pela dupla Bolsonaro/Guedes.

Pontos polêmicos

Apesar dessas mudanças, o parecer preserva retrocessos considerados inaceitáveis por representantes da classe trabalhadora e não terá o apoio da oposição. O aumento do tempo mínimo de contribuição para 20 anos, por exemplo, “vai excluir milhões de brasileiros da Previdência”, sustentou Molan.

O fim da aposentadoria por tempo de contribuição, aos 35 anos, a fixação da idade mínima (65 anos para homens, 62 para mulheres), o estabelecimento de tempo mínimo de contribuição de 40 anos para adquirir o direito a 100% do valor do benefício e regras draconianas de transição, a redução do universo dos beneficiários do PIS-Pasep, foram alguns dos outros pontos criticados pela esquerda e rejeitados pelo movimento sindical.  

A conta continua sendo cobrada basicamente de trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda.

“É das costas do trabalhador mais pobre que o Guedes quer tirar um trilhão de reais. O trabalhador do sistema geral de Previdência (RGPS), que em média ganha pouco mais de R$ 1 mil, não é privilegiado e é dele que vem o grosso (85%)da economia pretendida”, denunciou a deputada Almeida Perpétua (PCdoB/AC), que cobrou a taxação das grandes fortunas, bem como dos lucros e dividendos.

Veja abaixo os principais pontos do parecer:

Idade mínima para trabalhador urbano

Proposta do governo: a idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 para homens. O tempo mínimo de contribuição passa a ser de 20 anos para ambos os sexos.

Parecer do relator: mantém a idade mínima para a trabalhadora e o trabalhador urbano em 62 anos para mulheres e 65 para homens. O tempo mínimo de contribuição para mulheres fica em 15 anos.

Aposentadoria rural

Proposta do governo: idade mínima de 60 anos para a aposentadoria de homens e mulheres, com 20 anos de tempo de contribuição parta ambos os sexos.

Parecer do relator: mantém a aposentaria aos 55 anos para mulheres e 60 para homens trabalhadores rurais e para quem exerce atividade economia familiar, incluindo garimpeiro e pescador artesanal. O tempo mínimo de contribuição sobe de 15 anos para 20 anos apenas para homens; no caso das mulheres, são mantidos 15 anos.

Professores

Proposta do governo: idade mínima de 60 anos de idade para a aposentadoria de homens e mulheres.

Parecer do relator: idade mínima de 57 anos para a aposentadoria das mulheres professoras e de 60 para homens, até que sejam definidos novos critérios por meio de lei complementar. A regra vale para professores da educação infantil, ensino fundamental e médio.

Capitalização

Proposta do governo: uma lei complementar deveria instituir um novo regime de Previdência Social com regime de capitalização.

Parecer do relator: o relatório rejeita a capitalização.

Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Proposta do governo: idosos pobres passam a receber R$ 400 a partir dos 60 anos, e um salário mínimo a partir dos 70.

Parecer do relator: elimina a mudança na regra e permite que idosos pobres continuem a receber um salário mínimo a partir dos 65 anos.

Abono salarial

Proposta do governo: o pagamento do abono salarial fica restrito aos trabalhadores com renda de até um salário mínimo.

Parecer do relator: define que o pagamento do abono deverá ser feito aos trabalhadores de baixa renda (até R$ 1.364,43). Hoje têm direito quem ganha até dois salários mínimos.

Salário-família e auxílio-reclusão

Proposta do governo: beneficiários do salário-família e auxílio-reclusão devem ter renda de até um salário mínimo.

Parecer do relator: beneficiários do salário-família e do auxílio-reclusão são pessoas de baixa renda (até R$ 1.364,43).

Reajuste dos benefícios

Proposta do governo: o texto enviado pelo governo ao Congresso eliminava o trecho da Constituição que garantia o reajuste dos benefícios para preservar o valor real – ou seja, para compensar as perdas da inflação.

Parecer do relator: A proposta devolve o trecho ao texto, garantindo o reajuste dos benefícios pela inflação.

Pensão por morte

Proposta do governo: pela proposta, o valor da pensão por morte – que hoje é de 100% para segurados do INSS – ficará menor. Tanto para trabalhadores do setor privado quanto do serviço público, o benefício passa a 60% do valor mais 10% por dependente adicional. Assim, se o beneficiário tiver apenas um dependente, receberá os 60%; se tiver dois dependentes, receberá 70% – até o limite de 100% para cinco ou mais dependentes.

Parecer do relator: mantém as mudanças da PEC, mas garante um benefício de pelo menos um salário mínimo nos casos em que o beneficiário não tenha outra fonte de renda.

Estados e municípios fora

Proposta do governo: a PEC valeria para servidores dos estados e municípios.

Parecer do relator: retirada de estados e municípios da PEC. Com isso, se esse ponto não for reinserido durante a tramitação da emenda constitucional, as eventuais alterações nas regras previdenciárias que vierem a ser aprovadas pelos congressistas não terão efeito sobre os regimes de aposentadoria de servidores estaduais e municipais. É outro ponto que deve voltar a debate no plenário da Câmara.

Incorporação de adicionais ao salário

Proposta do governo: a PEC não trata do assunto.

Parecer do relator: o relatório inclui a proibição de que adicionais por cargo de confiança ou cargos em comissão sejam incorporados ao salário de servidores. A proibição, que já existe para servidores federais, busca reduzir os gastos dos estados e municípios.

Limite de acumulação de benefícios

Proposta do governo: o texto prevê limites para a acumulação de benefícios, hoje inexistentes. O beneficiário passará a receber 100% do benefício de maior valor, somado a um percentual da soma dos demais. Esse percentual será de 80% para benefícios até um salário mínimo; 60% para entre um e dois salários; 40% entre dois e três; 20% entre três e quatro; e zero para benefícios acima de 4 salários mínimos. Ficam fora da nova regra as acumulações de aposentadorias previstas em lei: médicos, professores, aposentadorias do regime próprio ou das Forças Armadas com regime geral.

Parecer do relator: admite a nova regra, mas altera para 10% o percentual para benefícios acima de quatro salários mínimos.

Encargos trabalhistas

Proposta do governo: a PEC previa a inclusão da expressão “de qualquer natureza” no artigo que trata da incidência das contribuições patronais sobre a folha de salários. O item abria brecha para que incidissem sobre vale transporte, vale alimentação e outros.

Parecer do relator: a alteração foi retirada da proposta.

Aposentadoria de magistrados

Proposta do governo: a PEC não tratava especificamente do assunto.

Parecer do relator: o texto propõe retirar da constituição a possibilidade da aplicação da pena disciplinar de aposentadoria compulsória.

Bancos

Não eram onerados na proposta do governo, que mantinha a renúncia fiscal do CSLL inaugurada pelo governo Bolsonaro.

Parecer do relator: acaba com a renúncia fiscal e aumenta de 15% para 20% a alíquota sobre o CSLL dos bancos, medida com a qual se espera arrecadar pelo menos R$ 50 bilhões em 10 anos.

Umberto Martins

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.