A paisagem mundial é marcada pelo conflito entre os Estados Unidos e a China. Esse conflito vai perdurar pelas próximas décadas. A China, que já tem a maior economia do planeta (em paridade de poder de compra), deve continuar crescendo e ganhando peso relativo vis-à-vis dos EUA e da economia mundial como um todo. Os americanos vêm lidando mal com essa ascensão.
Trump não criou o conflito, que remonta ao período Obama, pelo menos. O cenário de uma ascensão tranquila da China parece pouco provável, mesmo depois de Trump – em parte por causas das reações nacionalistas dos EUA, em parte porque o sucesso dificilmente deixa de subir à cabeça, e os chineses não estão imunes a essa regra geral. Desde o início do governo Xi Jinping, nota-se, eu não diria arrogância, mas uma crescente altivez dos chineses, o que acentua a reação americana.
Como deveria se posicionar o Brasil? Primeiro, o óbvio: o Brasil não deve se alinhar a nenhum dos dois. País que se preza não se alinha automaticamente a ninguém. As nações, como dizia o general de Gaulle, não têm amigos, mas interesses. Para o Brasil, as relações com os EUA e a China são de grande importância econômica e política. O Brasil não tem a mais remota razão para tomar partido ou imiscuir-se nas desavenças entre os dois.
Espero não estar exagerando na homenagem ao Conselheiro Acácio. Mas é que alguns dos integrantes do governo Bolsonaro (inclusive, infelizmente, o próprio presidente), flertam com a ideia de alinhamento aos EUA. Faz parte disso a oferta gratuita e absurda, em seguida abandonada, de sediar uma base americana em solo nacional. Faz parte disso, também, certa hostilidade à China – é verdade que mais antes do que depois da eleição. Escapa à minha compreensão o que exatamente o deputado Bolsonaro pretendia com a visita que fez a Taiwan, em março de 2018.
O exemplo de Getúlio Vargas talvez seja relevante. Na segunda metade das décadas de 1930 e no início dos anos 1940, quando os EUA se defrontavam com a ameaça de uma Alemanha em ascensão, Vargas não se comprometeu com nenhum dos dois. Acabou entrando do lado americano na Segunda Guerra, mas obteve importantes vantagens em troca, inclusive o apoio dos EUA à implantação de Volta Redonda.
Não deveria a postura brasileira ser semelhante agora? Ou seja: não caberia evitar precipitações e verificar, caso-a-caso, quem oferece melhores condições em termos de parcerias econômicas e políticas? Isso inclui, por exemplo, não assumir compromissos com a OCDE, fugindo da linha iniciada pelo governo Temer. A OCDE, recorde-se, é uma organização controlada pelos EUA e outros países desenvolvidos. Estabelece exigências abrangentes, que limitam severamente as políticas de desenvolvimento e defesa da economia nacional.
Em Davos, Bolsonaro afirmou que buscará incorporar “as melhores práticas internacionais, como aquelas que são adotadas e promovidas pela OCDE”. O medíocre presidente do Banco Central do governo Temer, Ilan Goldfajn, que permanece temporariamente no cargo, foi mais longe e especificou há poucos dias que o Brasil está comprometido em aderir ao acordo de liberalização dos fluxos de capital da OCDE. Mais uma bobagem.
Tive longa convivência com americanos e chineses no FMI, no G-20 e nos BRICS. Os chineses têm qualidades, mas a sua agenda é estreita e eles são de um pragmatismo ligeiramente selvagem; não hesitam em sacrificar os outros BRICS quando isso lhes convém.
Mas os americanos mostram-se mais complicados. Comportam-se, em geral, de maneira prepotente e se consideram líderes natos e hereditários. Não sabem trabalhar em aliança. Coisa curiosa: com os americanos é difícil cooperar mesmo quando há concordância de posições. Passei por isso mais de uma vez nos oito anos em que tive contato regular com as delegações americanas no G-20 e a diretoria desse país no FMI.
E um aviso aos navegantes: os americanos desprezam visceralmente comportamentos subservientes. Quantas vezes testemunhei a indiferença e, não raro, os maus-tratos dispensados por americanos a seus satélites, especialmente latino-americanos!
Não se alinhar a nenhum dos dois não significa necessariamente manter equidistância. Se tivermos que pender para um dos lados, é provavelmente preferível pender um pouco para o da China com quem o Brasil tem uma cooperação de caráter estratégico e relativamente equilibrada no âmbito dos BRICS. Em 2019, convém recordar, o Brasil exerce a presidência de turno do grupo. A cúpula dos BRICS se dará em novembro, no Brasil, sob presidência brasileira – oportunidade que não deve ser desperdiçada.
*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.