Conforme são anunciados os ministros, o governo Bolsonaro vai ganhando feição. Três principais correntes compuseram sua articulação na campanha: as Forças Armadas do general Mourão, os Chicago Boys ultraliberais de Paulo Guedes e a difusa bancada evangélica, fragmentada por concorrências empresariais da indústria da fé, mas unificadas na pauta moral. Na montagem do ministério emergiu um quarto setor que fora ocultado: o dos políticos corruptos, liderado por Onyx Lorenzoni, que trouxe à base governista o DEM e alguns quadros do centrão, oriundos inclusive do governo Temer.
Num primeiro momento, pareceu que a camarilha de Guedes viria a se sobressair, mas a eles foram entregues apenas os cargos econômicos, onde reinam em absoluto. A grande novidade foi a incorporação dos militares a vários cargos-chave no primeiro escalão do governo. Tudo parece indicar que os crentes estão sendo preteridos, provavelmente por pressão dos militares como na célebre frase de Mourão, que associou Magno Malta a um elefante na sala, um camelo que precisa de um deserto. Quanto ao setor político, ele ficou espremido nos poucos cargos que restaram com o enxugamento dos ministérios, sem contemplar nem de longe a demanda dos deputados e senadores acostumados ao “toma lá dá cá” do presidencialismo de coalizão.
O governo Bolsonaro não será coeso. Apesar de prevalecer uma visão neoliberal entre os militares, haverá choque de interesse com o entreguismo dos Chicago Boys em setores estratégicos que ferem a soberania nacional, principalmente no âmbito da segurança. Da mesma forma, a bancada evangélica pode começar a demonstrar na prática a sua insatisfação. O núcleo político terá dificuldade em negociar com um congresso fragmentado e não representado na Esplanada.
Além disso, há uma nítida disputa entre o capitão presidente e o general vice Mourão que deixou claro em entrevista à Folha que não chancela totalmente a política externa de submissão de Bolsonaro aos Estados Unidos, preferindo uma equidistância entre eles e a China. Corre ainda por fora, o ego inflado de Sérgio Moro, que pode vir a chocar com o presidente eleito por quem não tem o menor apreço. Por fim, os dois “templários” no Itamaraty e no MEC, tendem a causar muitos desastres nas áreas onde os governos Lula e Dilma mais se destacaram: educação e diplomacia.
A oposição ainda está em formação, mas chama a atenção a construção do bloco PDT, PSB e PCdoB na câmara, que pode ter a adesão de PV, Rede e PPS no senado. O PT, na sanha de clamar a liderança oposicionista a todo custo, tende a caminhar sozinho. O PSDB vive uma crise de identidade, uma vez que seus velhos caciques foram derrotados e no lugar ficou o oportunista João Dória, sem identidade partidária. Aqueles pertencentes ao “centrão” podem rebelar-se ao não verem seus interesses contemplados, como ocorreu durante o governo Lula com a ascensão do baixo clero que elegeu Severino Cavalcante. Vale lembrar que é o Congresso que tem a chave do impeachment.
Como se pode observar, o governo Bolsonaro é composto por forças contraditórias. Um governo de ares messiânicos depende muito do apoio popular, que só será mantido até a agenda Paulo Guedes começar a pauperizar a população. A oposição terá dificuldade num primeiro momento, inclusive porque a cruzada ideológica terá como alvo partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais, universidades e escolas. Ela precisará sobreviver a este primeiro furacão para estar preparada para o segundo momento, quando a popularidade do governo começar a cair e a indignação aflorar. Será aí que a repressão virá e o arroubo autoritário apresentar-se-á.
Por isto, é fundamental desde já trabalhar as contradições deste governo. Não é hora de se dar ao luxo de impor hegemonismos artificiais ou forçar a liderança de quem se acha estrela. Muito cuidado com as bandeiras fragmentárias. Vencerá quem de fato mostrar que o Brasil está acima de tudo, o contrário do que faz Bolsonaro ao prestar continência ao sub do sub da Casa Branca.
Agora é hora de somar forças e unir a civilização contra a barbárie. O que salvará o Brasil de uma Idade das Trevas será a firme defesa dos valores iluministas, modernos e democráticos, mas principalmente da nação. A oposição precisa deixar claro que ela melhor representa os interesses do Brasil.
*Thomas de Toledo é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e doutorando em Arqueologia pela USP.
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