Os tempos são recrudescimento da intolerância e a sanha dos reacionários e fascistas ganha espaço em todo o mundo. Para nós, mulheres negras, resta a luta e a revolução para acabar com o sistema opressor e excludente”.
Aprendi muito cedo que o racismo é uma grande ferida aberta no mundo inteiro. Me recordo da primeira vez que me reconheci uma mulher negra e das dores que senti. A sociedade tentou me convencer que a minha cor de pele clara me tornava uma mulher “socialmente branca” ou “moreninha” e que isso me faria ser aceita nos espaços. Reconhecer-se como um sujeito político, capaz de entender e mudar a sociedade, nos faz abrir os olhos para as opressões do mundo, por vezes veladas e naturalizadas. Lembro da minha transição capilar, que foi que a expressão no campo da estética daquilo que eu assumia por dentro.
Carregamos a tradição de um Brasil escravocrata e colonialista que segue enfrentando as mazelas do racismo estrutural e estruturante na sociedade. A lei áurea não nos libertou! A independência proclamada na Bahia e em todo o país, não libertou verdadeiramente o nosso povo. Tiraram de nós o peso do chicote da chibata e jogaram nas nossas costas o peso do desemprego, da falta de salário digno, a falta de moradia, nos negaram o acesso à saúde, à educação e tantos outros direitos básicos. O nosso povo, mesmo sendo 53% da população, foi inviabilizado pela mídia, pela história e sente todos os dias as consequências de uma sociedade racista.
No entanto, a nossa força organizativa foi capaz de impulsionar conquistas importantes no Brasil como a SPM, SEPPIR, SECADI e o Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde, que são políticas públicas relacionadas ao combate ao racismo e ao machismo. Por outro lado, o desmonte dessas políticas, iniciado em 2016, relevam o descompromisso do governo golpista com as pautas antirracistas e nos fazem entender que ainda estamos distantes da superação do racismo. Nós, mulheres negras, seguimos na base da pirâmide, pois sofremos dois tipos de opressão: o machismo e o racismo. Um exemplo expresso, são os dados do Mapa da Violência de 2016, apontando que o feminicídio de mulheres negras aumentou 54% em dez anos. Quando se trata de violência doméstica, o número de mulheres negras corresponde a 58,68%.
Mas os nossos passos vêm de longe e ainda temos muito o que caminhar. Me orgulho de saber que nunca fomos passivas, diferente do que tentaram nos convencer. Se negaram a registrar nos livros e na história que fomos Dandara, Carolina de Jesus, Luiza Mahin, Tereza de Benguela, Angela Davis e tantas outras heroínas negras. Fomos nós quem primeiro lutamos pelo direito ao trabalho digno e impulsionamos as grandes revoluções por liberdade no Brasil. Os tempos são recrudescimento da intolerância e a sanha dos reacionários e fascistas ganha espaço em todo o mundo. Para nós, mulheres negras, resta a luta e a revolução para acabar com o sistema opressor e excludente. Marielle, presente!
Queremos existir e sair das altas estatísticas de feminicídio. Queremos mudar os números revelados recentemente pelo IBGE que aponta que apenas 10% das mulheres negras que entram na universidade conseguem concluir o seu curso. Queremos ser pesquisadoras, psicólogas, médicas, juízas, professoras, formadoras de opinião. Queremos ocupar os centros de decisões poíticas. Queremos construir uma sociedade que não mais nos coloque no papel de subalternidade ou exotização. Queremos ser protagonistas nos grandes programas televisivos, mas, principalmente, na vida social, política e econômica do país. Por isso, pretas, o nosso desafio primeiro é romper com o silêncio!
*Nágila Maria é diretora de Comunicação da UNE e estudante de Psicologia da UFBA.
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