Em 2008-2009, as maiores economias do Ocidente enfrentaram recessões acentuadas. Elas decorreram da crise americana que ficou conhecida como a crise do subprime. Inicialmente, houve fortes reações de governos para impedir quedas mais profundas das suas economias. Posteriormente, não foram aplicadas políticas eficazes de recuperação.
Os Estados Unidos, a Zona do Euro e o Japão ficaram mergulhados na escuridão de algo muito semelhante ao ocorrido nos anos 1930, durante a Grande Depressão. Na Europa, a crise foi realimentada, no início desta década, pela desconfiança de calote devido às elevadas dívidas de governos.
A depressão dos anos 1930, além de ter sido um fenômeno internacional, teve como principais marcas: (i) queda abruta do produto, (ii) elevação drástica do desemprego e (iii) prolongada insuficiência de demanda. Tudo isso ocorreu nas economias atingidas pela crise de 2008.
Segundo dados do Banco Mundial, até 2016 somente o Japão tinha recuperado, ainda que com pouquíssima folga, a taxa de desemprego, que voltou ao patamar de 2007. Por quase dez anos, nem os EUA nem a Zona do Euro conseguiram alcançar o desemprego daquele período. Em 2017, essas economias progrediram para situações bem menos desfavoráveis.
Para impedir um mergulho econômico em queda livre no ano de 2009, o governo brasileiro adotou inúmeras medidas. Do ponto de vista das políticas monetária e fiscal, reduziu a taxa de juros básica da economia e aumentou os investimentos (das três esferas de governo) e das estatais federais. A recessão brasileira foi de apenas 0,1% em 2009.
Em 2010, o ano da recuperação, o crescimento econômico foi de 7,6% e a taxa de crescimento dos investimentos foi de 22%. Contudo, posteriormente, diversos vetores empurram a economia brasileira para uma situação bastante parecida com aquela dos países que estão mergulhados na depressão iniciada em 2008.
O Brasil também teve queda acentuada do produto, de 8,6% (entre o primeiro trimestre de 2014 e o primeiro de 2017), uma elevação aguda da taxa de desemprego, de 7,2% para 13,1% (no mesmo período) e sofre de uma prolongada insuficiência de demanda expressa, por exemplo, em taxas negativas de crescimento do investimento desde 2014 aos dias de hoje.
Os vetores da depressão brasileira foram: (i) a troca do mix de políticas econômicas a partir de 2011. O governo adotou políticas em busca de uma consolidação fiscal e promoveu políticas pelo lado da redução de custos empresariais.
Entre elas, a redução da taxa média de crescimento dos investimentos públicos (governo central e estatais) de 2011 a 2014 e as extraordinárias desonerações tributárias para as empresas (talvez na expectativa de que elas aumentassem seus investimentos); (ii) a queda dos preços das commodities de 2014 a 2016.
O preço da soja caiu mais de 37% entre março de 2014 e março de 2016 e o do petróleo, mais de 60% no mesmo período; (iii) as políticas de austeridades adotadas em 2015. Entre as políticas aplicadas estava o corte dos investimentos do governo central, que caíram, em relação ao ano anterior, 37,9%, e das suas estatais, reduzidos em 25,2%; (iv) os efeitos econômicos da Operação Lava Jato.
A Consultoria GO e a Tendências Consultoria estimaram que 2,5 pontos porcentuais da recessão de 2015 (que foi de 3,8%) resultaram dos efeitos da paralisia causada pelas investigações; e (v) a crise política iniciada no fim de 2014.
A oposição não reconheceu a vitória de Dilma Rousseff. Fez oposição no Congresso com as chamadas pautas-bomba. A crise política aprofundou-se com a abertura do processo de impeachment.
E como bem disse J. M. Keynes: “A prosperidade econômica dependente excessivamente de uma atmosfera política e social que seja satisfatória (…). Na estimativa de investimentos futuros, temos de considerar, portanto, os nervos e a histeria e até mesmo as digestões e reações … (dos empresários)”.
O Brasil está mergulhado na anormalidade da depressão e não apresenta sinais de recuperação, apesar do crescimento de 2017 e das previsões de crescimento para 2018. O gráfico mostra as taxas de crescimento nas duas maiores recessões que ocorreram nas últimas décadas (1981-1983 e 1990-1992) e nas suas repsectivas recuperações, assim como na depressão atual.
Cabe destacar que, nas recessões, os anos de recuperação apresentaram taxas admiráveis de crescimento, possivelmente porque estavam associadas a taxas vigorosas de elevação dos investimentos. Nos três anos posteriores à primeira recessão, a taxa média de crescimento dos investimentos foi de 10,5% ao ano e na segunda, de 9,3%.
A taxa de crescimento de 2017 não conformou uma trajetória de recuperação. A expansão do ano passado não configurou uma recuperação não somente porque foi uma taxa pífia. Foi pífia por ser resultado da depressão e não de uma reação à depressão.
A taxa de crescimento dos investimentos foi negativa, de 1,8%, e os impulsos positivos que ocorreram em 2017 foram episódicos, espasmódicos. O ano passado foi um suspiro que pode ocorrer dentro de uma depressão.
Para confirmar, no primeiro trimestre de 2018, a taxa de desemprego voltou a crescer rapidamente, de 11,8% para 13,1%, o equivalente a 1,4 milhão de novos desempregados. Ademais, a indústria tropeça, o comércio está em baixa e os serviços declinam.
Suspiros e tênues recessões são eventos comuns dentro de uma depressão. É uma de suas marcas a ocorrência de taxas, positivas ou negativas, baixas e voláteis. Portanto, o que ocorreu em 2017 não foi simplesmente uma recuperação lenta, apenas um suspiro – não uma recuperação.
Dentro de uma depressão, nem todo crescimento configura uma recuperação. Para haver recuperação é preciso um crescimento econômico forte, associado a taxas elevadas de aumento do investimento. Em referência à saída da Grande Depressão, Keynes disse: “O problema da recuperação é, principalmente, um problema de crescimento do volume de investimentos”.
João Sicsú é professor do Instituto de Economia da UFRJ, foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.
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