O cantor, compositor e escritor Martinho José Ferreira – Martinho da Vila – completou 80 anos na segunda feira de Carnaval (12), uma data que não poderia passar em branco. O artista foi homenageado pela escola de samba Unidos do Peruche no desfile do grupo especial de São Paulo no Carnaval 2018, além de receber inúmeras homenagens pelo país afora.
Martinho que nasceu em Duas Barras (RJ) faz jus à Vila Isabel do grande Noel Rosa (1910-1937). Presidente honorário da Unidos da Vila Isabel, o compositor se tornou uma das principais vozes dos morros cariocas na MPB.
Canta, canta minha gente (Martinho da VIla)
As suas canções têm histórias reais como “O Pequeno Burguês” é a vida de um amigo a quem estavam dando um “gelo” porque não os convidou para a festa de sua formatura, da qual souberam depois ele não participou por falta de dinheiro:
“Morei no subúrbio
Andei de trem atrasado
Do trabalho ia prá aula
Sem jantar e bem cansado
Mas lá em casa
À meia-noite
Tinha sempre a me esperar
Um punhado de problemas
E criança prá criar…”
Uma vida inteira dedicada ao samba com mais de 50 anos de carreira e 49 discos solo lançados. Martinho da Vila também se tornou escritor e fez de sua vida uma batalha em defesa da cultura popular e de combate ao racismo.
Tanto que no ano passado, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lhe concedeu o título de doutor Honoris Causa. Porque ele se tornou “um mediador entre a cultura popular e a erudita, por suas qualidades biculturais de mestre popular e de ídolo da indústria cultural, o que potencializou sua atuação na promoção da cultura popular e na militância contra o racismo na sociedade brasileira”, diz trecho da justificativa para o seu justo título.
Madalena do Jucu (Martinho da Vila)
Antenado e atuante, no Carnaval de 1988, a Vila Isabel levou para a avenida o enredo “Kizomba, Festa da Raça”. Detalhe esse era o ano em que se fazia a Constituição Cidadã, promulgada em outubro e a Vila cantava:
“Esta Kizomba é nossa constituição
Que magia
Reza ageum e Orixá
Tem a força da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais”
Kizomba é uma palavra angolana que significa festa popular.
Cidadão do mundo, Martinho da Vila despontou para o grande público no Festival de MPB da TV Record em 1967 com o partido-alto “Menina Moça” (proibida pela censura por falar em desquitar, separar e amigar).
Com muita poesia, faz refletir com suas rimas inusitadas e melodia popular, que faz até o mais sério dos sérios remexer o corpo, nem que seja com a discrição dos pés sambando meio envergonhadamente. Faz também refletir sobre a vida e o que estamos fazendo dela como em “Ciranda de Roda”:
“Ciranda de roda
De samba de roda da vida
Que girou, que gira
Na roda da saia rendada
Da moça que dança a ciranda
Ciranda da vida
Que gira e faz girar a roda
Da vida que gira”
Mas como em “Casa de Bamba” ninguém dá bola para intriga a vida segue com a força do canto na ponta da língua afiada. A força da MPB reluz em Martinho da Vila mostrando a sabedoria popular em superar as pedras no caminho colocadas por uma elite que odeia o povo e o trabalho e permanece com a mentalidade escravista mesmo no século 21.
Quem é do mar não enjôa (Martinho da Vila, interpretada por Paulinho da Viola)
Martinho da Vila vem da escola de grandes nomes da MPB como Noel Rosa – o Poeta da Vila – e muitos outros que desceram o morro para o asfalto cantando suas dores e seus amores – a vida das brasileiras e dos brasileiros, enfim a alma do país, que sonha segurar tudo o que conquistar, desde que não seja demais e falte para as outras pessoas.
Como no enredo da Vila Isabel de 1980, o compositor fez uma homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade ao interpretar o seu poema “Sonho de um Sonho” e levar para a avenida uma letra digna de Drummond:
“Sonhei
Que estava sonhando um sonho sonhado
O sonho de um sonho
Magnetizado
As mentes abertas
Sem bicos calados
Juventude alerta
Os seres alados
Sonho meu
Eu sonhava que sonhava
Sonhei
Que eu era o rei que reinava como um ser comum”
Casa de Bamba (Martilho da Vila, cantando com sua filha Mart’nália)
Para finalmente “Renascer das Cinzas” (de Zé da Catimba), numa interpretação ímpar de Martinho da Vila:
“Vamos renascer das cinzas
Plantar de novo o arvoredo
Bom calor nas mãos unidas
Na cabeça de um grande enredo
Ala de compositores
Mandando o samba no terreiro
Cabrocha sambando
Cuíca roncando
Viola e pandeiro
No meio da quadra
Pela madrugada
Um senhor partideiro”
Desnecessário falar da atualidade dos temas dos sambas de Martinho da Vila presentes nas mentes e nos sonhos de quem ama este país e sonha com uma nação mais feliz, justa e igual.
Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB