“Dívida Pública” é um tema polêmico e carregado de preconceitos ideológicos. A começar pela palavra “dívida” e tudo que ela acarreta no nosso imaginário social coletivo. Quem quer ter dívidas? Quem poderia achar bom aumentar uma dívida?
A dívida pública é simplesmente uma operação que o governo de um país faz quando ele arrecada menos do que ele gasta. Ao invés de imprimir dinheiro na Casa da Moeda, o Estado usa de um instrumento que é a venda de um “papel”, que representa uma parte da dívida pública brasileira. Assim, quando alguém compra esse título (papel), é como se a pessoa estivesse emprestando dinheiro ao governo, e depois ele pagará com uma taxa de juros – que ele mesmo decide quanto, que é a Taxa Básica de Juros da Economia, chamada de SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia).
E por que isso é bom?
Em momentos de recessão econômica, nem as empresas nem as famílias tem condições de aumentar o seu gasto ou de se endividarem. Ora, se ninguém “gasta”, a economia não consegue sair do cíclico vicioso recessivo porque o “gasto” de um é “receita” do outro. Em circunstâncias como essa, apenas o Estado pode contribuir para que a economia saia da crise, aumentando o gasto público e mantendo a economia aquecida. Mas como as receitas do Estado caem muito, ele só pode ampliar seu gasto através do aumento da dívida pública.
Assim, a dívida pública é um instrumento muito importante de financiamento do Estado pois permite que o governo pague salários aos servidores, mantenha o investimento, pague as políticas sociais. Imagina se a gente dependesse somente da flutuação da arrecadação? Um ano teríamos salário e no outro seria cortado pela metade!
Além disso, a dívida também aumenta porque acumulamos reserva em outras moedas, por exemplo, e também por conta da Política Monetária de um país. Se o governo percebe que tem muita liquidez (moeda) no mercado – e muita moeda no mercado afeta a taxa de câmbio de uma economia – ele faz operações no mercado aberto para enxugar essa liquidez, vendendo títulos públicos, por exemplo. Ou seja, não é somente para aumento do gasto que existe dívida pública.
Quem não gosta de dívida pública e insiste em elaborar projetos que limitem o seu teto são a direita e os economistas mais liberais, que seguem a idéia de que o orçamento do Estado é análogo ao das famílias, no qual ninguém pode gastar mais do que arrecada. Esquecem-se, porém, que o Estado brasileiro – ao se endividar – faz isso na nossa própria moeda e com uma taxa de juros que ele mesmo define.
Também se esquecem que o gasto público é fundamental para manter a demanda em uma economia em crise. Portanto, não temos nenhum risco de “quebrar” como foi nos anos 80, em que nos endividamos em dólar (moeda que nós não imprimimos em nossas dependências). Além disso, os Estados Unidos tem dívida pública sistemática desde 1850 e o Japão tem uma dívida pública de 270% do PIB. Vocês ouvem na TV alguém dizer que esses países estão quebrados?
“Mas Juliane, e aquela afirmação de que a dívida pública consome quase metade do orçamento do governo, limitando as possibilidades de gasto em saúde e educação?” Aí é que está a confusão. O problema do Brasil são os juros da dívida. Os 45% do orçamento que o governo paga anualmente são de juros e amortizações da dívida pública. Ou seja, o que torna a dívida pública um problema não é o seu tamanho, e sim a taxa de juros que pagamos anualmente sobre os detentores da dívida.
Dessa forma, nossa reivindicação não deve ser pela diminuição da dívida pública – que seria o mesmo que diminuição do Estado – e sim pela redução na Taxa Básica de Juros da Economia, que no alto patamar que está somente favorece aos bancos e aos detentores dos títulos públicos.
Por isso cuidado ao bradar o discurso de que o problema do Brasil é a alta dívida pública. Você pode estar fazendo coro com o que tem de mais conservador e mais neoliberal na sociedade brasileira.
Juliane Furno é doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.
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