A bandeira da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários voltou à ordem do dia no Congresso Nacional. Depois que o parecer do deputado Vicentinho favorável à PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 231/95 foi aprovado por unanimidade na comissão especial instalada na Câmara Federal, dia 30-6, o tema só poderá ser retirado da agenda parlamentar depois que for apreciado e votado em plenário.
A proposta, dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS), reduz a jornada de 44 para 40 horas semanais e eleva o adicional de horas extras de 50% para 75% sobre o valor da hora trabalhada. A votação na comissão especial foi acompanhada por cerca de mil sindicalistas, num ato organizado unitariamente por todas as centrais sindicais.
Aspiração histórica
A diminuição do tempo de trabalho sem prejuízo para os salários é uma aspiração histórica da classe trabalhadora e do movimento sindical em todo o mundo. Assessorados pelo Dieese, representantes das centrais sindicais chegaram a discutir em meados do ano passado a oportunidade de relançar a campanha nacional pelas 40 horas semanais, mas foram atropelados pela emergência da crise mundial do capitalismo.
Imaginava-se que a crise, com a onda de demissões em massa que acompanha o seu caminho, iria constranger a classe trabalhadora e o movimento sindical à defensiva, jogando uma ducha de água fria na campanha. Mas, não foi isto o que ocorreu. Contraditoriamente, a recessão exportada pelos EUA contribuiu para a significativa vitória na comissão especial e pode favorecer a aprovação em plenário. A recessão agravou o quadro do desemprego no país e não restam dúvidas de que a redução da jornada é um remédio poderoso e eficaz contra este mal. Os trabalhadores e trabalhadoras contam também com o precioso apoio do presidente Lula nesta luta.
Mais emprego
O principal argumento levantado hoje pelos sindicalistas a favor da redução do tempo de trabalho relaciona-se ao desemprego. Técnicos do Dieese estimam que a redução de quatro horas na jornada semanal de trabalho, associada à restrição das horas extras, deve gerar em torno de 2,5 milhões de novas vagas no mercado formal. O avanço da produtividade ao longo dos últimos anos também justifica a medida. A jornada no Brasil é uma das mais altas e extenuantes do mundo. Considerando o tempo que o trabalhador ou trabalhadora gasta no transporte da casa ao emprego, a média da carga de trabalho chega a 12 horas diárias.
Naturalmente, o patronato contesta a previsão do Dieese. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou recentemente um “estudo” onde sustenta que “a proposta elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões do país”. Assim, de acordo com a confederação, é de se esperar mais demissões se a PEC for aprovado. O argumento, porém, não parece procedente.
A proposta da Fiesp
A opinião da CNI soa falsa quando é cotejada com a posição adotada pela Fiesp (Federação da Indústria de São Paulo) a respeito da crise. O presidente da entidade que representa os capitalistas paulistas, Paulo Skaf, admitiu publicamente que a redução da jornada é um meio de evitar demissões. A única (e fundamental) diferença em relação aos sindicalistas é que ele defende a redução da jornada acoplada à redução dos salários. Lembremos as declarações que deu ao jornal “Folha de São Paulo” sobre o tema no dia 14 de janeiro deste ano.
“Foi feito um apelo para que tudo seja feito, todas as alternativas sejam esgotadas antes de mexer no emprego. As empresas disseram que se tiver redução de jornada com redução de salário, vamos manter o nível de emprego. Se não, vamos demitir”, sustentou o presidente da Fiesp.
Alguns sindicatos, com a faca no pescoço, acabaram fechando acordos neste sentido, mas a maioria das centrais (com exceção da Força Sindical) repudiou a proposta, o que inviabilizou um pacto mais amplo com o conteúdo proposto por Skaf, que não está em sintonia com os interesses da classe trabalhadora. Os salários no Brasil já são historicamente baixos e o arrocho agravaria os efeitos da crise ao reduzir a renda e a capacidade de consumo dos assalariados, deprimindo o mercado interno, cujo crescimento nos últimos anos contribuiu fortemente para amortecer os impactos da contração do mercado mundial.
O lucro em 1º lugar
A posição dos industriais paulistas tem o mérito de evidenciar os reais interesses que orientam o capital neste debate. As empresas admitem a redução da jornada e inclusive a recomendam como alternativa às demissões, conforme explicou o presidente da Fiesp. Todavia, não concordam absolutamente com a ideia de manter o valor real dos salários, pois isto demandaria uma redução da taxa de exploração dos assalariados e dos lucros.
Está em causa, neste caso, a peleja secular entre o que Karl Marx classificou de tempo de trabalho necessário (salários diretos e indiretos) e tempo de trabalho excedente (mais-valia e lucro), que fornece o combustível básico para a luta de classes moderna entre capital e trabalho. O capitalista é dotado de uma avidez insaciável por trabalho excedente e em nenhum momento da história concordou pacificamente com a redução parcial dos lucros (trabalho excedente) em benefício dos salários (trabalho necessário). Para o capital, o lucro vem em primeiro lugar, tudo o mais é secundário e sacrificável no altar da mais-valia.
Ponte para o futuro
O emprego tem grande relevância especialmente neste momento da história, mas não é o único benefício proveniente da redução da jornada de trabalho, que tem um sentido histórico e estratégico para a classe trabalhadora e a civilização humana. A medida favorece também a saúde dos empregados, reduzindo a incidência de doenças ocupacionais, libera tempo para a educação, formação profissional, convívio familiar e lazer. Tende a promover, enfim, uma sensível e generalizada melhora na qualidade de vida do nosso povo.
Não devemos mirar apenas os seus efeitos imediatos. A redução da jornada é uma bandeira que faz ponte com o futuro, é condição e caminho para a liberdade e a realização plena das potencialidades do ser humano, conforme percebeu o pensador alemão Karl Marx. De um ponto de vista marxista, a liberdade pode ser definida como o livre arbítrio sobre o tempo de vida do indivíduo (supondo satisfeita a necessidade de sobrevivência), o que evidentemente não é possível sob o trabalho heterônomo que caracteriza as relações capitalistas. Cada passo na direção da redução da jornada aponta para a elevação da condição humana do reino da necessidade para o reino da liberdade.
Guerra civil secular
Abordarei o tema de forma mais pormenorizada em outros artigos se conseguir tempo livre para tanto. Agora resta acrescentar (lembrando Marx) que, no capitalismo, a redução da jornada só se concretiza na história como resultado de uma guerra civil secular entre capital e trabalho. Uma guerra que continua, vai atravessar o século XXI e pode durar mil anos. Mas, vale a pena seguir lutando pela liberdade humana.
O movimento sindical, aliado aos partidos e forças progressistas, porta a bandeira do futuro, mas não deve alimentar ilusões. A votação da PEC 231/95 em plenário não será um passeio ou a festa que foi na comissão especial. Exige quórum qualificado e o patronato já está se mexendo. Não vamos alcançar a vitória final nesta batalha sem uma ampla mobilização social. Não há tempo a perder. É hora de relançar a campanha nacional unificada das centrais pelas 40 horas já.
Umberto Martins é jornalista e editor do Portal CTB