Em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx desenvolve as teses centrais do materialismo histórico. Ele parte da segunda Revolução Francesa (1848-1851) e, através da análise da luta de classes, conclui que as revoluções acabam aperfeiçoando o Estado burguês em vez de destruí-lo. É nesta obra que Marx diz que a “história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” Ou seja, os movimentos da história são cíclicos e, para o autor, movidos pela luta de classes em circunstâncias que nos são impostas por nossa materialidade. No Brasil, em 2016, o golpe político-jurídico-financeiro-midiático virou o jogo da luta de classes e inaugurou um novo ciclo. Agora, em 2017, assistimos a trágica história do desemprego e da precarização do trabalho se repetir, tal qual nos governos liberais de 20 anos atrás.
Na década de 1990, o projeto neoliberal implantado no Brasil por Fernando Collor de Mello e aprofundado por Fernando Henrique Cardoso, repercutiu negativamente sobre a economia e sobre os mercados de trabalho no país. O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, por exemplo, apresentou crescimento inferior ao apresentado durante a década de 1980 (afinal, a década designada pelos economistas como “a década perdida” para o capitalismo no Brasil): em média, a economia brasileira cresceu 1,9% ao ano durante a década de 1990, contra os 2,2% alcançados durante a década de 1980.
A política de estabilização econômica, a redefinição da atuação do Estado e o baixo crescimento da economia contribuíram para a desestruturação do mercado de trabalho, no final da década de 1990, o desemprego, o alto índice de trabalhadores atuando no mercado informal, o comprometimento dos salários, o distanciamento dos trabalhadores em relação a leis de proteção social e trabalhista apontavam para uma situação histórica de precarização das condições de trabalho.
A desregulação do mercado de trabalho abriu caminho para a flexibilização dos contratos, para a redução do poder sindical, para a retirada de direitos e para o corte de salários. Como consequência houve um enfraquecimento da capacidade de negociação da classe trabalhadora e um salto nas taxas de desemprego. A título de exemplo, nos quatro anos do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso o desemprego cresceu 38% e os brasileiros desempregados chegaram a 6,6 milhões. Em oito anos de governo FHC, de forma geral, houve aumento de mais de 50% no nível de desocupação. O Brasil chegou a ser o 2º colocado no ranking mundial do desemprego, com 11,4 milhões de desempregados, ficando atrás apenas da Índia.
Em 8 anos de governo FHC, houve aumento de mais de 50% no nível de desocupação. O Brasil chegou a ser o 2º colocado no ranking mundial do desemprego, com 11,4 milhões de desempregados, ficando atrás apenas da Índia
Naquele período, os índices de desemprego nas regiões metropolitanas de Salvador e Recife chegaram a 27,7% e 22,1% respectivamente. O menor índice era na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com 17,9%, conforme os dados do Dieese. A taxa de desemprego atingiu os 12,2% e eram gerados 627 mil empregos por ano. Os trabalhadores em empregos vulneráveis (sem carteira) superavam os 50% do total de ocupados e, em 1993, este número chegou aos 62%.
Na década de 2000, em que pese a (relativa) manutenção da política econômica pelo governo Lula, foram alcançados importantes avanços: com uma conjuntura internacional favorável, valorização do salário mínimo, o estancamento na política de reforma trabalhista e de retirada de direitos implantada por FHC (na sua maioria via Medidas Provisórias) e a implantação de programas de distribuição de renda, o Brasil voltou a se desenvolver. Entre 2004 e 2008 a indústria cresceu, em média, 4,3% ao ano e o setor de serviços, em média, 4,8%. Durante o governo Lula, o PIB chegou a crescer 4,1% ao ano, o que favoreceu a geração de empregos. Foram 22 milhões de postos assalariados gerados entre 2003 e 2016, uma média de 1,7 milhão de novos empregos por ano contra os 627 mil do governo FHC. Em 2013, pela primeira vez, o número de trabalhadores informais ficou abaixo dos 50%.
No último dia 30, o IBGE divulgou os dados da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílio (PNAD), que revela a volta do aumento da informalidade no Brasil. Segundo os dados da pesquisa, quase 70% dos empregos gerados no último trimestre são informais. Já são 10,8 milhões de pessoas trabalhando sem carteira no setor privado e 22 milhões de trabalhadores atuando por conta própria. Além disso, o rendimento médio real do trabalhador caiu de 2.116 reais para 2.105 reais.
No governo Lula, o PIB chegou a crescer 4,1% ao ano, o que favoreceu a geração de empregos. Foram 22 milhões de postos assalariados gerados, uma média de 1,7 milhão de novos empregos por ano contra os 627 mil de FHC. Mais uma vez, os dados revelam os reflexos da política neoliberal sobre o emprego no Brasil, com a desestruturação do mercado de trabalho, desintegração da indústria nacional, flexibilização das leis trabalhistas e retirada de direitos dos trabalhadores. A estagnação econômica, além do desemprego, impede o enfrentamento dos problemas sociais.
O aprofundamento da agenda neoliberal, tal como nos anos 1990, tem levado milhares de trabalhadores de volta ao desemprego, à precarização e à pobreza, situação que deve ser agravada pela falta de investimentos em educação e de oportunidades para os jovens. Um retrocesso que deve se aprofundar como efeito da reforma trabalhista e que levará, pelo menos, duas décadas para ser superado.
Manu Mantovani é jornalista e mestranda em Desenvolvimento Regional.
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