A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira, de desregulamentar a profissão de jornalista, apesar de pesquisa revelando que a maioria dos brasileiros é a favor da obrigatoriedade do diploma, e da posição de diversas entidades representativas dessa mesma sociedade, para mim não foi surpresa. Nem mesmo o placar de 8 votos favoráveis e um contrário.
Desde quando foi anunciado que o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes (ou Gilmar Dantas, conforme o jornalista Ricardo Noblat), seria o relator da matéria, de pronto afirmei que o resultado seria favorável ao patronato. Isto porque tenho a convicção de que a maioria dos ministros está comprometida com os interesses do seu presidente, e este nunca deixou dúvida de que está do lado das oligarquias. Dos 11 ministros que compões a Corte Suprema brasileira, seis são seus empregados no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
A surpresa foram as argumentações. Para quem tem – ou deveria ter – uma sólida formação jurídica, os argumentos usados foram surpreendentes. Qualquer adjetivo é pouco para qualificar toda argumentação: vergonha, insensatez,decepção, descalabro, truculência, traição, vindita etc, etc, etc. Acredito que pobreza franciscana seja mais adequada.
Dizer que a exigência do diploma para o exercício do jornalismo é incompatível com a Constituição de 1988 é uma verdadeira aberração jurídica. Ninguém mais que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e os sindicatos da categoria defende a liberdade de expressão e comunicação.
A Fenaj e os sindicatos defendem não só o direito, mas também o dever de todo(a) cidadão (ã) de bem manifestar as suas opiniões em todos os veículos de comunicação. E isto, em parte, tem acontecido até agora. Digo em parte porque aqueles que defendem a sociedade nem sempre conseguem o espaço para manifestar as suas opiniões, e os que são contra os interesses das oligarquias nunca conseguem espaço algum. Historicamente as empresas de comunicação usam de dois pesos e duas medidas.
Não é à toa que vem crescendo na sociedade o repúdio ao presidente do STF. Entidades as mais representativas, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, O Conselho Indígena Missionário, a Associação de Juízes e de Procuradores Federais, a Central Única dos Trabalhadores, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiros, o Movimentos Nacional dos Trabalhadores Sem Terra, a União Nacional dos Estudantes, associações de anistiados políticos e muitas outras têm denunciado a parcialidade do ministro, notadamente quando ele criminaliza os movimentos sociais.
A Comissão Pastoral da Terra também não tem poupado críticas. Em documento publicado no último dia 6 de março, o presidente da CPT, dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, denuncia o presidente do STF de perseguir os movimentos sociais, em especial o MST, por ser ele um grande proprietário rural, e indaga: “Alguém já viu, por acaso, este presidente do Supremo se levantar contra a violência que se abate sobre os trabalhadores do campo, denunciar grilagem de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram mão-de-obra escrava?” E conclui afirmando: “Que o Deus de Justiça ilumine nosso País e o livre de juízes como Gilmar Mendes”!
Gilmar Mendes (ou Gilmar Dantas, conforme Ricardo Noblat) considera terroristas os que lutaram contra ditadura militar, notadamente depois do famigerado AI-5 que institucionalizou o terrorismo de Estado, e é contra a punição dos torturadores. Para refrescar a memória do ministro, é oportuno lembrar que exatamente há 15 anos – 23 de junho de 1994 – o mesmo(?) STF que ele hoje preside caracterizou a tortura como delito no sistema penal e, por isso, o militar que tortura deve ser julgado pela Justiça comum.
Por acaso não é inconstitucional um magistrado usar o cargo que ocupa para se locupletar? Ser proprietário de uma empresa e ter como seus empregados seis ministros da Corte Suprema não é inconstitucional? Expandir o número de contratos do seu IDP com órgãos públicos sem licitação por acaso não é inconstitucional?
O movimento “Sai Fora Gilmar Mendes” volta às ruas na noite de hoje em Brasília, Minas Gerais e São Paulo. No Distrito Federal o cartaz anuncia uma vigília por uma nova luz no Judiciário, com apresentação de quadrilha junina na Praça dos Três Poderes, e conclama a todos a levarem uma vela para iluminar o STF.
Na primeira manifestação, no mês passado, que reuniu mais de duas mil pessoas, foram acesas cinco mil velas em frente à sede do Supremo. O terceiro ato já está marcado para o período de 15 a 19 de julho próximo, em Brasília, por ocasião do 51º Congresso da UNE, sendo esperado um público de aproximadamente dez mil pessoas.
A cada dia que passa fica mais atual o artigo publicado na Folha de São Paulo no dia oito de maio de 2002 pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari, quando alertou para o perigo para a democracia a ida do então advogado-geral da União para o STF. “Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional…”
O grande jurista afirma ainda em seu artigo que Gilmar Mendes (ou Gilmar Dantas, conforme Ricardo Noblat) tem praticado ato contrário à ética e à probidade administrativa, “estando muito longe de se enquadrar na ‘reputação ilibada’ exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo”.
E conclui enfatizando: “A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou ‘ação entre amigos’. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática”.
O título do artigo diz tudo: Degradação do Judiciário.
Messias Pontes é jornalista e diretor do Sindicato dos Jornalistas do Ceará