O punho cerrado era o gesto característico de protesto dos Panteras Negras
Neste mês faz 50 anos que surgiu o Partido dos Panteras Negras para Autodefesa, nos Estados Unidos, para reunir e representar os negros e negras que desejavam o fim das diferenças. “Organizou-se fortemente e cresceu rápido por colocar a luta racial no contexto da luta de classes”, diz Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
De acordo com o historiador Augusto Buonicore, o grupo “desde o início, adotou o marxismo como referência teórica da sua ação e logo se transformou no inimigo público número um do FBI (a polícia federal norte-americana)”.
Isso porque os Panteras Negras acreditavam no confronto com os racistas para construir uma sociedade socialista, portanto, sem classes e sem discriminações. “Eles foram a primeira tentativa mais avançada de organização dos afro-americanos para a construção de uma nação mais solidária e justa e bem no centro do império do capitalismo”, afirma Custódio.
“Panteras Negras: todo poder ao povo” (1997), de Lee Lew-Lee
O partido nasceu no meio de um forte acirramento das lutas pelos direitos civis dos negros norte-americanos. Nasceram como uma radicalização do movimento pacifista liderado pelo grande herói Martin Luther King (1929-1968), tão importante quanto os Panteras no combate ao racismo.
“O Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras) se tornou referência obrigatória para todos os movimentos contra o racismo e pelos direitos civis da população negra ao redor do mundo pela postura contestadora, combativa e pela extrema preocupação com a formação teórica e política da militância e de constituição dos seus núcleos de atuação espalhados nos Estados Unidos, mas em permanente articulação com povos oprimidos do mundo”, afirma Ângela Guimarães, presidenta da União dos Negros pela Igualdade (Unegro).
Para mostrar a diferença essencial entre o que os Panteras Negras defendiam e os seguidores de Luther king, Bobby Seale, presidente do partido, diz que “embora os Panteras Negras acreditem no nacionalismo negro e na cultura negra, eles não acreditam que levarão à liberdade negra ou à derrubada do sistema capitalista, e são, portanto, ineficientes”.
Luther King seria assassinado cerca de 1 ano e meio após a criação do movimento dos Panteras, em 4 de abril de 1968. Inicialmente liderado por Malcolm X (assassinado em 21 de fevereiro de 1965), o grupo se notabilizou e ganhou inúmeros adeptos rapidamente.
Tão famosos ficaram que os atletas velocistas dos 200 metros rasos, Tommie Smith (medalha de ouro) e John Carlos (medalha de bronze) na Olimpíada da Cidade do México em 1968, após receberem a medalha levantaram os punhos cerrados (como na foto abaixo), manifestação característica deles.
Esse símbolo também foi adotado pelo jogador Sócrates (1954-2011) na comemoração de seus gols relembrando os Panteras e em protesto contra a ditadura brasileira, vigente na época em que ele atuou pelo Corinthians (veja foto abaixo). O centroavante do Atlético Mineiro, Reinaldo coemorava seus gols com o mesmo gesto e os mesmos motivos. Dizem alguns estudiosos que ele foi cortado da seleção brasileira por isso.
“Neste momento onde há uma crise profunda do capitalismo no mundo acompanhada do recrudescimento do racismo e sexismo e os ideais dos Panteras materializado no seu programa torna-se ainda mais atual e necessário”, argumenta Guimarães.
Mulheres negras e o feminismo
Cientes da necessidade de propagar as suas propostas, criaram em 1967 a publicação semanal “The Black Panther”, que parou de circular em 1971, depois de 4 anos. “De um grupo exclusivamente masculino, ele logo passou a aceitar o ingresso de mulheres, que chegaram a representar mais da metade da militância”, diz Buonicore.
“A militância feminina dos Panteras Negras marcou definitivamente o movimento feminista ajudando a colocar na pauta a questão das mulheres negras”, afirma Custódio. Uma das mais importantes militantes é Angela Davis, que tem seu livro “Mulher, raça e classe”, que ganhou recentemente tradução inédita em português.
Para ela essa é uma das heranças fundamentais para a luta das mulheres negras em todo mundo, deixada pelos Panteras. “O movimento feminista tinha dificuldade de entender as questões específicas das mulheres negras”, reforça.
Outro fato importante, segundo a cetebista, é inserir a questão da igualdade racial no âmbito da luta de classes. “Interessante os Panteras defenderem a superação do capitalismo para atingirmos uma sociedade realmente igualitária, onde todos sejam respeitados”.
Já Guimarães afirma que “a radicalidade em contestar a violência racial, mas sobretudo em situá-la como parte de uma violência sistêmica do capitalismo situou os Panteras como um dos movimentos-referência para as lutadoras e lutadores antirracismo de todo o mundo e para a Unegro os Panteras Negras são fontes permanentes de estudo, admiração e referência”.
Custódio lembra ainda que coube aos Panteras Negras ressaltar as espeficidades da “beleza negra, ainda hoje renegada pelos eurocentristas, para quem só há beleza na tez branca, cabelos lisos e olhos claros”. Os Panteras Negras “fizeram muito bem, assumindo os cabelos black e os traços de sua negritude, mostrando toda a beleza do povo negro”, afirma Custódio.
Os Panteras Negras existiram até 1989, após perda de militantes e penetração popular. Mas seus ideais permanecem nos corações e mentes de milhares de pessoas em todo o mundo. “A luta pela emancipação dos negros e negras se espalhou pelo mundo e isso ninguém tira de nós”, sintetiza.
Para ela, “os Panteras deram uma contribuição fundamental para a compreensão de que a luta antirracista é uma das facetas da luta de classes, porque o racismo foi forjado para oprimir uma parcela substancial da humanidade”.
Por isso, diz ela, “é importante a valorização dos 50 anos dos Panteras Negras e tudo o que eles somaram para a compreensão da necessidade de avançarmos para a superação do capitalismo e a construção de um mundo onde prevaleça a igualdade, a liberdade e o respeito”.
Afinal, “lutar contra o racismo é lutar pela emancipação da humanidade”, conclui Custódio. “O legado que os Panteras deixaram é tão essencial para a superação da conjuntura atual que pode ser comprovado com a apresentação da Beyoncé (cantora negra norte-americana) no Super Bowl (final do campeonato de futebol americ
ano nos Estados Unidos), onde fez referência direta aos Panteras Negras e causou frisson”.
Assista a apresentação de Beyoncé para milhões de telespectadores (confira a tradução da letra aqui).
Portal CTB – Marcos Aurélio Ruy