O tratamento benevolente que a imprensa comercial vem dando à Petrobras depois do afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff começa a ganhar traços óbvios com a mais recente onda de notícias sobre a empresa. Nesta segunda-feira (12), com o a avaliação otimista de que o Brasil se tornará o maior produtor de petróleo do mundo fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 2017, a imprensa se desmanchou em otimismo.
O fato, em si, é motivo de grande comemoração: com sete novas plataformas no pré-sal e 260 mil barris de petróleo a mais por dia, o Brasil terminará 2017 com produção diária de 3,37 milhões de barris. E isso deve acontecer em meio a um momento de contração da oferta mundial de petróleo, o que valoriza o produto. Só na América Latina, a OPEP prevê uma queda de 70 mil barris diários em 2016, aumentando o peso brasileiro na oferta regional em um momento de expansão de demanda por combustíveis. Some a isso as recentes quedas no custo de extração do petróleo da camada do pré-sal e não há projeção que coloque a empresa em um cenário ruim.
Ainda assim, a mudança na retórica pode ser um choque. O texto mais recente no Estadão, por exemplo, não menciona em uma linha os casos de corrupção da empresa, a queda vertiginosa nos preços do petróleo desde 2008 ou o estado de endividamento da empresa. Quem lê sem conhecimento prévio poderia imaginar se tratar de uma empresa admirada pelos jornalistas, sem problemas, longe dos problemas de Brasília. A mesma pessoa ficaria chocada ao descobrir que, por mais de dez anos, a mesma imprensa bombardeou a estatal com todo tipo de crítica e desmoralização, a ponto de convencer a população de que a Petrobras estaria “falida” (apesar de ter seu patrimônio líquido expandido em 600% no mesmo período).
“O ataque à reputação da companhia tem o objetivo de ‘quebrar a espinha da Petrobras’ e, assim, inviabilizar o modelo de partilha imposto pelo marco regulatório”, escreveu o ex-presidente da Petrobras e professor aposentado da UFBA, José Sergio Gabrielli. O executivo lembrou em carta aberta que, entre 2002 e 2015, o número de plataformas da empresa mais que dobrou, de 36 para 82, e que o resultado desse investimento foi o reconhecimento unânime da importância da empresa pela comunidade internacional.
“Essa é a empresa real – com números reais – que querem esconder, valendo-se das denúncias que surgiram com a Operação Lava Jato, o que gerou o clima de forte especulação que fez a companhia perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo. A Petrobras é uma empresa sólida, mas a campanha em curso – em discurso uníssono na imprensa – visa enfraquecê-la”, complementou. Ele enxerga nas possibilidades de exploração do petróleo nacional por estrangeiros o interesse primário desses ataques – algo que seria descontrolado numa eventual reversão do regime de partilha para o de concessões.
A imprensa não dá voz aos atos e argumentos dos petroleiros, que são os especialistas do setor. Por quê?
Para o petroleiro e secretário de Relações Internacionais da CTB, Divanilton Pereira, a principal estratégia desse grupo é usar a campanha anticorrupção como cavalo-de-Troia para desmoralizar a estatal diante do mercado e facilitar/baratear o seu desmonte. “Desde a sua fundação, a Petrobrás sempre foi alvo de tentativas de desestabilização. Só mais recentemente, durante o governo Lula, o seu papel de indutora da economia nacional tem sido resgatado. Portanto essa é uma disputa permanente. A grande mídia brasileira nunca aprovou as mudanças na legislação que permitiram à Petrobras dar o salto que deu nos últimos 10 anos”, explicou. Ele vê na definição das regras de exploração o aspecto central da disputa, e avalia: “Elas são o ponto da luta, porque determinam de quem é e para quem servirá essa nossa riqueza. Atualmente, as empresas devem atuar submetidas à premissa de pertencimento ao Brasil, e isso não agrada aos interesses empresariais”.
Ao povo, a tragédia; ao capital, a promessa
A tática por trás da mudança no tratamento midiático é reforçada por uma série de editoriais do pós-golpe, saídos de veículos como a Folha e o Globo, em que os barões da comunicação usam a crise econômica como pretexto para retomar as privatizações. Repetidamente, eles se aproveitam da bagunça nacional para pregar sua agenda econômica: Estado mínimo, com a desconstrução de todas as estatais e remoção de diversos diretos sociais. Criam a imagem de um governo incompetente e corrupto, cuja única salvação é a anulação completa.
Fazem, assim, uma jogada combinada a mando das multinacionais petrolíferas, que possuem também um braço parlamentar no Brasil. Enquanto os jornalistas convencem a população da desimportância das estatais, um grupo numeroso de políticos comandados por José Serra vai empurrando as leis que deixarão nas mãos dessas gigantes o controle do petróleo e do gás. Ainda na terça-feira (12), conseguiram uma grande vitória: deram mais um passo na aprovação da urgência da tramitação da entrega do pré-sal. O requerimento foi aprovado por uma maioria esmagadora na Câmara, 337 votos a favor e 105 contrários.
Um paradoxo vai se estabelecendo. Ao mesmo tempo em publicam suas reportagens denunciando a corrupção e o estado deteriorado das contas, os grandes veículos exaltam as possibilidades de lucro da Petrobras, dando a entender que o problema se restringe ao governo. Essa contradição tem objetivo claro: criar no mercado a percepção de um bom negócio, enquanto isola a população de participar dessa discussão.
O jogo duplo desmobiliza as resistências populares contra o entreguismo e faz com que os petroleiros pareçam bandidos por defenderem o que construíram. Mais importante: abre o caminho político para a tomada de controle dos recursos brasileiros pelo empresariado internacional.
“Retirar da Petrobras a condição de operadora do pré-sal significa retroceder à lógica predatória e imediatista da época na qual o mercado era dominado por sete grandes companhias internacionais. Significa, em última instância, renunciar à gestão estratégica de um recurso finito e não renovável”, explicou o jornalista Marcelo Zero, comentarista do setor. “Sem essa gestão estratégica, o Brasil poderá se converter em mero exportador açodado de petróleo cru, ao sabor dos interesses particulares e imediatistas de empresas estrangeiras, contribuindo para deprimir preços internacionais e deixando de investir em seu próprio desenvolvimento”, complementou.
E qual seria o interesse das empresas de comunicação em promover esse cenário? Essencialmente agradar seus anunciantes e donos. São duas realidades atrasadas e que, neste caso, convergem contra os interesses da população: por um lado, há mais de 150 parlamentares que são donos, direta ou indiretamente, de veículos de comunicação pelo país, cujas campanhas políticas foram ou serão financiadas pelas ditas petrolíferas – para eles, defender o interesse dessas gigantes é garantir o próprio futuro em Brasília; por outro lado, grandes anunciantes como bancos e seguradoras são todos acionistas dessas multinacionais, e exigem das redes nas quais anunciam que propaguem visões de realidade que favoreçam seus negócios.
A estrutura da mensagem abandona a busca pela verdade e se transforma pela conveniência de quem detém o controle das publicações – mais controle da opinião pública, mais dinheiro para os oligopólios e seus mestres. Morre o jornalismo em cada redação.
Por Renato Bazan – Portal CTB