“O senhor Getúlio Vargas, Senador, não deve ser candidato à Presidência; candidato, não deve ser eleito; eleito, não deve tomar posse; empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Quem pronunciou esta frase não foi nenhum representante do PSDB ou do DEM, mas sim Carlos Lacerda, jornalista e posteriormente Governador da Guanabara, filiado a União Democrática Nacional (UDN), partido de direita , em 1950, referindo-se ao Senador pelo Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Evidentemente, quando Lacerda fala em “revolução” está se referindo a “golpe”. Mais à frente, foi um dos principais articuladores para que houvesse Golpe Militar no Brasil em 1964.
Logo após este pronunciamento de Lacerda, em junho de 1950, Getúlio disse: “Conheço meu povo e tenho confiança nele. Tenho plena certeza de que serei eleito, mas sei também que, pela segunda vez, não chegarei ao fim do meu governo… Terei que lutar! Até onde resistirei? Se não me matarem, até que ponto meus nervos poderão aguentar? Uma coisa lhes digo: não poderei tolerar humilhações”. Vargas candidatou-se, foi eleito, tomou posse, governou sob pressão das elites estadunidenses, dos seus aliados burgueses nacionais, da UDN e da exigência da submissão à política liberal do FMI, com acusações seguidas de corrupção, o famoso “mar de lama”. Suicidou-se em agosto de 1954! A massa enfurecida atacou os jornais da direita golpista, inclusive a Tribuna da Imprensa (dirigida por Carlos Lacerda, inimigo mortal de Getúlio) e o Globo.
Antes do mandato da década de 50, Getúlio havia sido Presidente da República no período 1930-1945. Muitas das conquistas trabalhistas e sindicais são provenientes deste período, inclusive a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Evidentemente, não foram dádivas de Getúlio, foram conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. Getúlio defendia um projeto desenvolvimentista com base na industrialização orientada pelo Estado, enquanto que seus opositores defendiam um projeto de desenvolvimento subordinado ao imperialismo.
Nos anos de 1952 e 1953, as greves se sucedem no Brasil. Várias categorias cruzam os braços. Em nível internacional, vivíamos a Guerra Fria, com dois blocos mundiais que se opunham, um liderado pela União Soviética, outro pelos Estados Unidos. Para Vito Gianotti, “A greve de 1953, em São Paulo, foi o modelo para as mobilizações que se multiplicaram até o Golpe de 64”, tendo como base sindicatos e envolvendo o movimento popular, as associações de bairro, o movimento estudantil e o das mulheres. Diante da pressão dos trabalhadores e trabalhadoras, João Goulart (Jango) é convidado para ser Ministro do Trabalho. E no dia 1º de Maio de 1954, Jango anuncia o aumento de 100% no salário mínimo. A pressão dos empresários e militares recai fortemente sobre o Governo Vargas. Jango é demitido do Ministério no começo do ano seguinte. Como resultado do profundo embate, de um lado os trabalhadores e, de outro os empresários e militares, o salário mínimo foi reajustado em 42%!
A história continua! Jango candidata-se e é eleito vice- presidente da República, tendo como Presidente Juscelino Kubitschek. Na sucessão de Juscelino, Jango novamente é eleito vice-presidente,tendo como Presidente Jânio Quadros. Diferentemente de hoje, em que o voto na Dilma carrega junto o “Temer sem voto”, na época votava-se distintamente para Presidente e para Vice-Presidente. Jango foi candidato a Vice do Marechal Lott que representava as forças progressistas e Jânio, que foi eleito Presidente, representava as forças reacionárias. Com 8 meses de Governo, Jânio renuncia! Constitucional e legitimamente, não havia a menor dúvida de que Jango passaria a ser o Presidente da República. Mas, o Golpe já estava sendo armado pelos setores reacionários do exército e da burguesia para impedir a posse de Jango, acusado de esquerdista.
Foram necessárias, para que Jango tomasse posse, a Greve Geral conhecida como “Greve da Legalidade”, a Greve Nacional decretada pela UNE, grandes manifestações populares, inclusive na frente da Embaixada dos Estados Unidos, desenvolvimento da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola. O Golpe ficou para ser desferido 3 anos depois! Mas, Jango assumiu não com todos os poderes para o qual foi eleito. Teve que assumir com a troca do sistema presidencialista para o parlamentarista, tendo como Primeiro-Ministro Tancredo Neves.
Jango teve grandes dificuldades para governar. Os trabalhadores intensificaram a pressão pela conquista de direitos. No início dos anos 60, com uma forte greve em que participaram várias categorias, conquista-se o “Abono de Natal”, primeiro em São Paulo e depois estendido a todo o território nacional, passando a ser conhecido como 13º salário. O Partido Comunista do Brasil (PCB) exercia forte influência no movimento operário e contribuía para o avanço das lutas. Desde a sua criação em 1962, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) conseguiu ter um grande poder de mobilização, tendo como objetivos principais a democratização do poder, as restrições e controle do capital estrangeiro, a maior participação do estado na Economia e as chamadas Reformas de base, inclusive a Reforma Agrária. Os trabalhadores do campo se organizam fortemente lutando pela Reforma Agrária. Destacam-se, no período, as Ligas Camponesas, a participação dos comunistas e a ala progressista da Igreja Católica.
Mas, o Golpe continuava em marcha. A direita se organizava para “acabar com a baderna”. A grande imprensa posicionou-se contra Jango, as elites estadunidenses atuavam no Brasil através de órgãos que financiavam como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto Cultural do Trabalho (ICT), além da Aliança para o Progresso que atuava em toda a América Latina. Somando-se a estes órgãos, foi criado o Instituto de Pesquisa de Estudos Sócio-Econômicos (IPES), articulação entre empresários e militares supervisionados pela CIA e pela Embaixada dos Estados Unidos, que produzia livros, panfletos, jornais, filmes sempre no sentido de se opor a Jango e “reestabelecer a ordem no Brasil. A hierarquia católica conservadora levantava a palavra de ordem”” Livrai-nos do comunismo”.
Greves se sucederam, sendo a principal delas a dos 700 mil, em São Paulo, em 1963. Em 13 de março de 1964, os setores de esquerda organizaram, juntamente com o Presidente da República, uma grande manifestação no Rio de Janeiro, com cerca de 200 mil pessoas, conhecida como Comício da Central. Nessa manifestação, Jango, também procurando desenvolver um projeto nacional desenvolvimentista, posicionou-se claramente em defesa das Reformas de Base (agrária, bancária, tributária, política, administrativa, universitária, urbana) que, se implementadas, levariam o Brasil à melhor distribuição de renda e redistribuição da propriedade, à melhores condições de vida do povo, o que evidentemente, não interessava à burguesia, que se preocupava em estreitar seus vínculos com o imperialismo e dizia temer ( desculpem o trocadilho!) a implantação da “República dos Sindicalistas”.
Esta manifestação foi a gota d’água para que o Golpe fosse desferido violentamente, precedido por uma marcha que se dizia defensora da pátria, da família, da religião e da liberdade, movimento articulado por setores da direita , que reivindicava demagogicamente, a reinstauração da democracia no Brasil. Os golpistas, contando com os militares, conseguiram implantar uma ditadura de 21 anos no Brasil!
Como temos conhecimento, um regime de terror implantou-se no Brasil: perseguições, prisões, mortes se sucederam durante os 21 anos de ditadura! As forças reacionárias conseguiram se impor, mas a luta dos dominados continuou, principalmente através do movimento estudantil até final de 1968, quando o “Golpe dentro Golpe” foi desferido, através ao AI-5, impedindo fortemente qualquer tipo de manifestação contra o regime arbitrário imposto. A partir de 1976, com o crescente desgaste da ditadura, o movimento sindical começou a se rearticular, destacando-se as greves do ABC e a figura do seu principal líder, o Lula.
Na quarta tentativa como candidato a Presidente da República, em 2002, Lula venceu a eleição e tornou-se Presidente do Brasil, a partir de janeiro de 2003, em substituição a Fernando Henrique Cardoso, que já havia anunciado desde o início do seu governo, que acabaria com a chamada “Era Vargas”, o que significava trilhar o caminho do fim dos direitos trabalhistas. FHC representou os interesses estadunidenses, contribuindo decisivamente para consolidar a implantação do neoliberalismo no Brasil. Ao contrário, os Governos Lula e Dilma, em que pese não terem realizado as reformas estruturais necessárias, procuraram desenvolver, mesmo com todas as suas contradições, um projeto desenvolvimentista com ênfase nas políticas sociais ( aumento muito significativo do salário-mínimo, bolsa-família e tantas outras), nos processos de integração regional , nos intercâmbios Sul-Sul, nas relações internacionais dos BRICS e não nos tratados de livre-comércio com os Estados Unidos; no Estado como indutor do crescimento econômico e combate à profunda desigualdade social, cujas raízes remontam há séculos no Brasil.
Inconformados com quatro derrotas seguidas (2002, 2006, 2010 e 2014), setores neoliberais e fascistas da política brasileira se articularam, com apoio dos empresários e da mídia golpista (inclusive a poderosa Rede Globo) e, desde a posse de Dilma em janeiro de 2015, bombardearam a Presidenta , com seguidas denúncias, críticas constantes às políticas desenvolvidas pelo governo, inclusive as sociais, tudo com o objetivo de encontrar motivos para desferir o golpe, através de um pedido de impeachment no parlamento .
Segundo o cientista político e historiador Moniz Bandeira “há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é, de que Wall Street e Washington, nutriram a crise política e institucional, aguçando a luta de classes no Brasil. Ocorreu algo similar ao que o Presidente Getúlio Vargas denunciou na carta-testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia de trabalho”. Muito dinheiro correu na campanha do impeachment.”
Cada conjuntura política é singular, com características internacionais e nacionais diferenciadas; mas permanecem, anos a fio, a contradição entre o imperialismo e a luta pela inserção soberana nacional, entre aqueles que têm interesse na concentração de renda nas mãos de poucos e aqueles que visam o desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
O nosso objetivo estratégico é chegarmos ao socialismo, caminho longo e complexo. Porém, para atingirmos este objetivo é necessário participarmos, deste processo de luta pela democracia, contra todos os golpes orquestrados pelo imperialismo, como os que estão andamento no Brasil e em vários países da América Latina.
Augusto César Petta é professor, sociólogo, coordenador técnico do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho-CES , ex-presidente do Sinpro-Campinas e região e ex-presidente da Contee.
Bibliografia :
1. Giannotti, Vito. História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil. RJ,Mauad X,2007
2. Neto, Lira. Getúlio (1945-1954) De volta pela consagração popular ao suicídio.Companhia de Letras, SP,2014
3. Katz, Claudio. Neoliberalismo, Neodesenvolvimentismo, Socialismo.Expressão Popular,SP, 2016.
4. Lula e Dilma. 10 anos pós-neoliberais no Brasil. Boitempo Editorial,SP,2013
5. Ribeiro,Darcy. Último discurso do Senador Ribeiro proferido no Senado, em homenagem aos 20 anos da morte do Presidente João Goulart