À beira de um novo golpe de Estado, a imprensa finalmente passou o recibo por seu papel na jogada ensaiada com setores da justiça. Uma campanha publicitária enorme e caríssima patrocinada pela Fiesp nesta terça-feira (29), com anúncios de página inteira em defesa do impeachment, recheou sites e impressos do Correio Braziliense, d’O Estado de S. Paulo, da Folha de S. Paulo e d’O Globo. Cálculos preliminares indicam o pagamento de ao menos R$ 8 milhões apenas para Folha e Estadão, e cifras igualmente graúdas para demais veículos.
É algo que faria qualquer aluno de primeiro ano de jornalismo sentir vergonha, em meio à pior crise institucional de que se tem notícia. Enquanto o público se afoga em interpretações divididas, desesperado por alguma isenção, esses veículos dividem a cobertura política com peças panfletárias pelas quais recebem dinheiro vivo. É a definitiva pá de cal sobre quaisquer pretensões jornalísticas que ainda alegavam ter.
A subserviência não é uma novidade para quem estuda o comportamento da imprensa no Brasil: sabe-se há muito que a hiperconcentração dos meios de comunicação e as relações promíscuas que esses se permitem com lideranças políticas cria uma espécie de coronelismo midiático em que cada região tem seu manda-chuva. Mas é um fato novo que, para além das ficções e recortes convenientes que ganham ares de realidade, a imprensa se sinta confortável para esfregar sua desonestidade na cara do leitor. É como se já não se importassem mais.
O anúncio aparece apenas 24 horas depois de o Supremo Tribunal Federal se isentar de qualquer interferência sobre a discussão de mérito do impeachment, efetivamente jogando a presidenta Dilma aos leões. No mínimo, o caso sugere um alinhamento tácito entre a oposição, o Judiciário e a imprensa: diante das mentiras e manipulação aberta da opinião pública, silêncio; diante dos inúmeros abusos judiciais cometidos por juízes e investigadores, inércia; diante das articulações entre bandidos para a deposição de uma presidente sem crimes, inação.
Há uma anedota fazendo as voltas pela Internet que conta de um episódio peculiar do cotidiano do Jornal Nacional. Trata-se de uma reunião de pauta em que William Bonner, editor do noticiário, saca o telefone e liga para Gilmar Mendes, ministro do STF, a procura de assuntos. “Vai decidir alguma coisa de importante hoje?”, pergunta o global. “Depende, se você mandar o repórter, eu decido alguma coisa importante”, responde Gilmar. O ocorrido está descrito no livro “Devaneios sobre a atualidade do Capital”, do professor da USP, Clóvis de Barros Filho.
O trecho registra a demonstração mais clara de jogada casada entre imprensa e Judiciário de que se tem notícia. Demonstra, também, a subserviência de alguns juízes quanto aos clamores da opinião pública, muito mais comum do que gostariam de admitir.
Não há quem se sustente diante de uma farsa dessa magnitude. Embora os anúncios sejam só o último episódio de uma tendência crescente de parcialidade da imprensa, eles dividem espaço com um comportamento similar da Operação Lava Jato. O padrão pôde ser constatado no recente vazamento da lista de financiamentos políticos da construtora Odebrecht, objeto da 26ª fase da operação. Dias antes, a imprensa havia propagado à exaustão os áudios ilegalmente obtidos do ex-presidente Lula com seus familiares, expondo-o a situações ridículas e teorias de conspiração. A lista, por outro lado, jogava luz sobre práticas condenáveis de políticos alinhados com o empresariado. Desnecessário dizer que ela desapareceu do noticiário em questão de horas, apesar dos mais de 200 nomes. Foi em seguida colocada em segredo de justiça, em decisão tomada espontaneamente pelo juiz Sergio Moro. O mesmo Moro que liberara os áudios por “interesse público” dias antes.
Esses anúncios inauguram uma nova fase desse teatro, em que as aparências não são mais necessárias. Ao ultrapassarem o barreira do prática jornalística fraudulenta para o espaço da publicidade, fez-se de forma oficial aquilo que já era o padrão da forma velada. Em meio a orçamentos minguantes e dificuldades financeiras, a grande imprensa partiu para o tudo ou nada contra Dilma.
Imagine as recompensas que terão, se Temer prevalecer.
Por Renato Bazan – Portal CTB