As pressões estratégicas e sistemáticas da oligarquia financeira internacional contra a política externa fundamentalmente altiva e independente, praticada por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul (BRICS), não só se alastram como ganham nova dimensão.
Na Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja tentativa de conclusão da rodada de Doha, em dezembro próximo, alimentam-se grandes tensões: os oligopólios e seus alcaguetes querem aprovar definitivamente uma nova denominação para os países em desenvolvimento de modo a esfrangalhá-los em matéria de proteção às suas políticas de comércio exterior e às suas indústrias.
Liberalização e mais dependência
Trata-se do novo ataque que vinha se gestando pelos países imperialistas à periferia subdesenvolvida (“em desenvolvimento”), onde agora, em completa hipocrisia, nem tal conceito lhes servem mais: querem elevar o status dessa periferia sistêmica – já com quase toda capacidade de operar uma política econômica autônoma bloqueada – para países “avançados”!
Não à toa – sublinhe-se bem – o embaixador brasileiro junto à OMC Marcos Galvão assinalou que há anos “não havia engajamento como existe agora na discussão de Doha”, por isso mesmo considerando “prematuro” tal programa de trabalho, vez que isso exigiria grandes decisões antecipadas (e evidentemente apressadas) até o final deste Julho.
Observe-se o que enfatizou e repetiu o embaixador Galvão:
“Seria um desdobramento inaceitável para os países em desenvolvimento em geral e para Brasil, Índia e China, por exemplo, em especial”, disse Galvão. “Graduação seria inaceitável para países emergentes”.
Pelo aludido “princípio de graduação” eliminam-se ou diminuem-se benefícios, como tratamento especial e diferenciado (corte menor de tarifa, prazo maior para abrir seu mercado, por exemplo), para países em outro estágio, ou inferior, de competitividade. “Países ricos insistem que o Brasil de hoje não é o mesmo de 20 anos atrás”, informa sobre a discussão Assis Moreira (Valor Econômico, Brasil rejeita ideia de criação de uma nova categoria para grandes países emergentes, 21/07/2015).
Com inteira razão, asseverou Marcos Galvão explicitando sem subterfúgios a gravidade da situação:
“A tese da graduação é algo com que os países em desenvolvimento não podem conviver”; “Se é verdade que existem diferenças de estágio de desenvolvimento, por outro lado os países não se definem como em desenvolvimento gratuitamente. Eles têm enormes desafios sociais, enormes deficiências em infraestrutura etc”.
Chamo a atenção: o diplomata aposentado Paulo Roberto Almeida, o maior entreguista da história contemporânea da República, quem considera vivermos hoje “num Estado Fascista”, e que faz campanha aberta pelo impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, afirmou que, por assumir essa corajosa posição, o Brasil quer ser “permanentemente tratado como pobrezinho econômico”. Esse ultrarreacionário é testa de ferro no Instituto Millenium.
Espionagem imperialista e hipocrisia americana
Em extensa matéria no jornal o Estado de S. Paulo (22/07/2015), intitulada “EUA monitoram obras da Odebrecht no exterior e apontam sinais de corrupção”, lê-se que “telegramas do serviço diplomático americano” apontam suspeitas de irregularidades nos negócios da grande empresa brasileira pelo menos quatro países, que teria ocorrido durante o segundo mandato do ex-presidente Lula, inclusive que ele “ajudou a concluir um acordo” em Angola.
Esses “telegramas” secretos e do Departamento de Estado norte-americano teriam sido publicizados pelo WikiLeaks, registrando as atividades da Odebrecht e suas relações com governantes estrangeiros. O ex-presidente é então arrolado como defensor ativo dos interesses da dessa empresa no exterior.
Vinculando diretamente a espionagem dos órgãos do departamento de Estado dos EUA a atividade frenética de espionagem das embaixadas de vários países, segundo as informações do Wikileaks, o jornalista Jamil Chade, autor do texto do jornal diz, por exemplo, que a embaixada americana em Luanda escreveria naquele dia para Washington para descrever “uma produtiva visita de Lula”. Cuja visita teria “ajudado” a concluir um acordo entre a gigante construtora brasileira Odebrecht, a paraestatal angolana no setor do petróleo Sonangol, e a Damer, até então desconhecida empresa angolana, para construir uma usina capaz de produzir não apenas etanol para exportação, mas gerar 140 megawatts de eletricidade por ano pela queima de bagaço – conforme o tal telegrama.
A matéria com base nas informações do serviço de espionagem dos EUA, a CIA obviamente incluída, refere-se de relações semelhantes que teriam havidas no Equador, na Venezuela de Chávez, no Panamá etc.
Quer dizer: a) nada fica de fora da sanha da espionagem imperialista, notadamente os negócios do país que lhe interesse – e no nosso caso nos governos de Lula e Dilma ipsis verbis; b) a chantagem, os golpes de Estados passados e recentes (Honduras, Paraguai, Ucrânia etc), o domínio quase absoluto das transnacionais, o comando dos mercados financeiros através da ditadura da hierarquia das moedas no sistema financeiro internacional, da manipulação grotesca da OMC, do FMI, do Banco Mundial etc., etc., nada, nada disso é “lobby” ou configura utilização dos poderes do império estadunidense a serviço de seus interesses econômicos e de seus monopólios!
A oligarquia financeira golpista
Mas tudo isso é muito pouco. “Podridão”, incompetência”, “arrogância” são as marcas da atual situação política e econômica do Brasil e do governo da Presidenta Dilma, ou ainda do de Lula.
Essa é a última opinião do britânico “Financial Times”, porta-voz credenciado da mesma oligarquia financeira global que vive do saque aos países “em desenvolvimento”, jornalão conhecido por ter feito campanha igualmente aberta para o candidato do PSDB à presidência da República, ano passado.
Segundo ainda o jornal, para o mercado, o governo Dilma “pode muito ser que os piores momentos ainda estão por vir”. O Brasil seria hoje para investidores e financistas internacionais um “filme de terror sem fim”. Dilma, que com sete meses de mandato “pode sofrer impeachment”, agora é “ex-protegida” de Lula; quando este “será investigado sobre acusações de tráfico de influência” (FT, 23/07/2015, Valor Online).
Não há dúvida alguma: a oligarquia financeira solenemente representada – e o seu candidato do PSDB – derrotada entra de cabeça na campanha golpista pelo impeachment.
Luta de classes, luta política e anticolonial!
As manobras golpistas do acertadamente denominado “consórcio oposicionista” (elites locais, mídia golpista e financistas internacionais) não possuem qualquer desfaçatez! E suas alianças e interesses são da mesma forma nítidos. Agem desesperadamente e usam todos os instrumentos para recompor espaços perdidos à completa dominação neocolonial, sempre com auxílio de setores de nossa burguesia bastarda e de DNA escravocrata.
Aliás, como notou Domenico Losurdo em uma série de conferências que fez recentemente no Brasil, hoje, nos principais países de capitalismo avançado, há um enorme processo de redistribuição de renda a favor das classes privilegiadas; de escandalosa e crescente concentração de riqueza e de renda. De outra parte, internacionalmente podemos enxergar uma redistribuição de renda a no interior e a favor das nações emergentes – o que seria como se elas completassem “a revolução anticolonialista”, interpreta ele.
Assim, afirma o filósofo italiano, quem age com coerência política apoia um projeto de emancipação da humanidade combatendo, nacionalmente, a concentração de riqueza em mãos privilegiadas e, em nível global, para favorecer a redistribuição a favor dos países periféricos.
Portanto, para Domenico Losurdo, grande pensador marxista do nosso tempo, uma terceira forma da luta de classes é a continuidade atual da batalha anticolonialista. Se na segunda metade do século passado ela possuía a forma de disputa pela libertação nacional, nos dias que correm ela persiste como um embate econômico entre países que querem lutar e realizar plenamente sua própria autonomia.
São essas as questões estratégicas que estão no centro dos acontecimentos políticos no Brasil de agora. Barrar o golpismo é exigência de primeiro plano da luta de classes. É crucial – e decisivo – defendermos o esboço de Projeto Nacional iniciado com o novo ciclo político com Lula e Dilma!
A. Sérgio Barroso é assessor da CTB e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois
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