“A Operação Condor foi uma conspiração assassina entre serviços de segurança da Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, destinada a rastrear e eliminar adversários políticos sem preocupar-se com as fronteiras ou os limites. Operação Condor era o código para aquela multinacional do crime, cuja origem estava nas imensas oficinas da Agência Central de Inteligência (CIA) e do Burô Federal de Investigação (FBI), nos Estados Unidos”.
O “maldito jogo de xadrez da morte” foi descrito pela premiada escritora e jornalista argentina Stella Calloni em seu livro Os anos do lobo – Operação Condor (Peña Lillo – Ediciones Continente, Buenos Aires, 1999), no qual expõe “a política exterior de Washington em carne viva”.
Prefaciada por Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980, a obra descreve com riqueza de detalhes o envolvimento dos Estados Unidos na sequência de golpes, particularmente no Cone Sul.
No ano em que se completam 50 anos da derrubada do governo de João Goulart, a publicação é mais do que um estímulo à reflexão sobre os interesses geopolíticos do imperialismo e das suas transnacionais.
De acordo com Stella, “os EUA proporcionaram inspiração, financiamento e assistência técnica à repressão e podem haver plantado as sementes da Operação Condor. A CIA promoveu uma maior coordenação entre os serviços de Inteligência da região. Um historiador estadunidense atribui a uma operação da CIA a organização das primeiras reuniões entre funcionários de segurança uruguaios e argentinos para vigiar os exilados políticos. A CIA também atuou como intermediária nas reuniões entre os dirigentes dos esquadrões da morte brasileiros, argentinos e uruguaios”.
Porém, assegura a autora, “os Estados Unidos fizeram mais do que organizar os encontros: a equipe de serviços técnicos da CIA subministrou equipamentos de tortura elétrica a brasileiros e argentinos e ofereceu assessoramento sobre o grau de choques que o corpo humano poderia resistir”. Afinal, conforme advertiam os professores dos torturadores: “o ser vivo pode dar informação e um cadáver não”.
“Os agentes de segurança latino-americanos também receberam treinamento da CIA quanto à fabricação de bombas, na sede da Oficina de Segurança Pública do Departamento de Estado do Texas”, informa ainda Stella.
O alerta de Perón
“As mãos dos Estados Unidos estão manchadas com o sangue de milhares de latino-americanos caídos na luta pela liberdade e independência”, já alertava o líder argentino Juan Domingo Perón, ressaltando que “se equivocam os que afirmam a respeito dos EUA que estamos vivendo um período de calma”.
“Que calma é esta quando estão realizando todo tipo de atividades secretas, suborno de políticos e funcionários governamentais, assassinatos políticos, atos de sabotagem, fomento do mercado negro e penetração em todas as esferas da vida política econômica e social? Sobre nossos países voam aviões militares dos Estados Unidos enquanto nosso solo permanece em poder de seus monopólios, com bases militares”, denunciava Perón.
Naquele início dos anos de 1970, enquanto organizava a implementação da política de terrorismo de Estado dos EUA – chamadas candidamente de “ações encobertas” – contra o governo de Salvador Allende, no Chile, o diretor da CIA, Richard Helms, abriu o jogo: “É imperativo que estas ações se implementem clandestinamente e com segurança, de maneira que a mão estadunidense e seu governo permaneçam bem ocultos”.
Arquivos do horror
A maior parte das informações sobre a Operação Condor veio dos “Arquivos do Horror”, descobertos pelo professor e escritor paraguaio Martin Almada, no dia 7 de dezembro de 1992, em uma delegacia de polícia de Assunção. Preso e torturado durante três anos, exilado por 15 anos, Almada teve sua mulher morta pela ditadura de Stroessner.
Stella repercute as palavras de Almada: “Ali estavam as gravações de meus próprios gritos, quando me torturavam, que fizeram escutar a minha esposa Celestina, que morreu do coração ao não poder resistir àquela tortura psicológica”.
Os documentos encontrados por Almada eram arquivos, correspondências, livros de entradas e saídas de prisioneiros, controle de fronteiras, cartas e informes entre os ditadores, os chefes militares e de segurança dos países da região, fotografias, fitas cassete, vídeos, fichas de ‘colaboradores especiais’, dados de ‘agentes especiais’ e até mesmo correspondências trocadas por Stroessner com o alto mando militar. Na luta para passar uma borracha em passado tão comprometedor, assegura Stella, “os mesmos interesses que possibilitaram o crime se encarregaram de minimizar o valor documental do achado”.
Entre outras provas desta “corporação internacional da morte”, como foi reconhecida pelo The Washington Post, encontram- se “cartas do coronel Robert Scherrer, do Burô de Investigações dos Estados Unidos, dirigidas a funcionários de Stroessner desde a sede diplomática em Buenos Aires”. Elas confirmavam que este era um “homem-chave”, e que sabia muito bem o que significava a Operação Condor. “Mais ainda, alimentava com informes e solicitações de informes os criminosos, assim como outros funcionários estadunidenses e de distintos países.”
Roda da morte
Não restam dúvidas, esclarece a escritora, que foi no ano de 1974 que a roda da morte começou o seu giro mais “espetacular”, “pela transcendência política das vítimas”.
Em 30 de setembro de 1974, o general chileno Carlos Prats, que, entre outros cargos, havia sido ministro de Defesa de Allende, e que estava exilado na Argentina, foi assassinado junto a sua esposa, Sofia Cuthbert, em Buenos Aires. Uma bomba estourou embaixo de seu automóvel quando regressava de uma reunião com amigos.
Em 19 de dezembro de 1974 foi assassinado em Paris, França, o coronel uruguaio Ramón Trabal, que não se mostrou disposto a participar no mais obscuro da repressão no seu país. Trabal havia confessado suas simpatias pelo movimento dos militares de esquerda em Portugal e pelos setores progressistas em seu país.
“Porém, na realidade, foi o assassinato de Orlando Letelier, ex-ministro da Defesa e embaixador do Chile, em setembro de 1976, em Washington, no chamado ‘Bairro das Embaixadas’, que pôs em evidência a Operação Condor. Uma bomba colocada – como se demonstraria logo – por um grupo operativo do qual participavam Michael Towley (ex-agente da CIA), enviados especiais da ditadura chilena e terroristas cubanos anticastristas matou Letelier e sua ajudante Ronni Moffit.”
Um dos casos que tiveram mais “difusão pública”, recorda a escritora, foi o do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz e seus dois filhos, Camilo, de oito anos, e Francesca, de três, em 12 de novembro de 1978, em Porto Alegre.
“Nesta operação, participaram um grupo de contrainformação da ditadura uruguaia e do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) do Brasil, que tiveram sob sua responsabilidade o sequestro e a entrega a seus colegas do Uruguai”, relata Stella.
Após ser torturado na sede do DOPS da capital gaúcha e nos quartéis de Montevidéu, o casal ficou preso cinco anos sob a mentirosa acusação de que tentou entrar no Uruguai “portando armamentos, documentos falsos e propaganda subversiva”. Os filhos só não tiveram o mesmo final trágico de outras centenas de crianças, arrancadas das famílias para serem criadas pelos algozes de seus pais e de seu país, porque um telefonema anônimo levou jornalistas a denunciarem o caso, que logo ganhou repercussão internacional.
Após serem libertados em 1983, antes mesmo da queda da ditadura uruguaia, Lilian e Universindo se adiantaram a denunciar a barbárie. Entre as ações assassinas, Lilian citou os “voos da morte” nos quais os fascistas descartavam os patriotas.
Da mesma forma, lembra Stella Calloni, pairam fortes suspeitas sobre a participação da “Condor” nas “catástrofes aéreas” que custaram a vida, em 1981, do presidente do Equador Jaime Roldós – que se opunha às petroleiras estadunidenses – e do líder da revolução panamenha Omar Torrijos, que garantiu a retomada do Canal.
Manipulação midiática
O papel dos grandes conglomerados midiáticos na derrocada das democracias da região, via fabricação da “opinião pública” para justificar “intervenções”, é bem lembrado ao longo da obra.
“A operação contra o Chile tem sido básica para analisar a importância da manipulação dos meios de comunicação para fins de desestabilização e guerra”, descreve Stela.
Nesse sentido, a escritora cita o sociólogo estadunidense Fred Landis, que analisou o papel da CIA sobre a mídia contra Allende, apontando a escolha pelo Comitê de Inteligência do Senado dos EUA, já em 1974 – isto é, um ano após o golpe no Chile –, para um estudo em que, “pela primeira vez, um governo estadunidense dava caráter oficial a um informe sobre atividades secretas da Agência Central de Inteligência dos EUA”.
Diante da sequência de crimes, Perón lembrava que “cada vacilação, cada dia perdido, cada passo atrás na luta contra a penetração imperialista” representava “um êxito para aqueles que descaradamente seguem explorando nossa riqueza, enriquecendo-se até com o nosso sangue e nossa grandeza espiritual”.
Quanto a cifras exatas do genocídio, Stela responde que, “ainda que resulte doloroso fazer uma soma nessas circunstâncias, podemos chegar à conclusão que mais de 400 mil latino-americanos foram vítimas de uma política de Estado terrorista, cuja base foi desenhada em Washington”.
Leonardo Wexell Severo é jornalista e integra a equipe de comunicação colaborativa ComunicaSul
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