Tenho verdadeira ojeriza de ser colocado na conta da classe média. Essa semana inteira, em especial, vociferei contra a classe mérdia. Tudo começou na terça, assistindo o jornal matinal local da vênus platinada. Naquele “bom dia”, fiquei enjoado ao saber que – na cabeça de alguns “representantes” – não poderia o Governados Agnelo construir creches para o povo no final da Asa Norte, no Lago Norte e em Sobradinho.
Para justificar o despautério, pude observar a argumentação dessa parcela “representativa”. Um tributário – estava assim identificado – dizia que naquela área verde não podia ter creche, afinal, lá se passeava com os cachorros, e se praticava rugby. Isso mesmo, rugby e cachorros primeiro. Filhos do povo, depois. No Lago Norte, fui informado por outro grupo de “representantes” sobre um grave problema de natalidade que desconhecia totalmente. Pois é, caríssimos, segundo eles, no Lago Norte não há crianças (:-O). E se se argumentasse que os filhos dos trabalhadores e trabalhadoras que servem a eles e os atendem tem filhos, já havia a resposta pronta (afinal, a classe mérdia é tão representativa que pode falar por seus empregados, correto?). Consultados – pelos patrões – os trabalhadores que não saem na matéria “teriam dito” que lá não havia necessidade de creches, e sim nos bairros e cidades distantes, para lá do fim do mundo, quiçá. E em Sobradinho, um outro grupo de representantes dizia – e Sobradinho podia ser um dos tais lugares aonde deveria haver creches – que também lá não havia necessidade, afinal mais importante seria um espaço para os idosos…
É esse o modo como a batalha de 2014 está sendo disputada no intento de fascistização da classe média. O assassinato de um jovem em Águas Claras – coisa tristemente comum em Ceilândia, no Entorno, etc. -, fato lamentável, tristíssimo, levou à brilhante conclusão de outros representantes da necessidade de acabar com as praças públicas que viraram “antros”, ao contrário dos “espaços gourmets”, piscinas privadas, churrasqueiras privadas, nos inúmeros condomínios fechados. O pontão da Asa Norte que o administrador Messias de Souza implantou é também alvo de intentos de fechamento, porque atrai aqueles que não ocuparam com suas mansões ilegais e clubes toda a orla do Lago, que devia ser de todos. E a grita por segurança, por pancada e polícia segue.
Essa parcela da classe média, a classe mérdia, não quer direitos universais, e sim prebendas, privilégios. Dói-lhe a ampliação de direitos, incomoda-lhe conviver com trabalhadores, julga-se essencial, importante, o locus da democracia e do bom gosto. Provinciana, colonizada, cheia de complexo de vira-latas, torce contra as creches, odeia a Copa do Mundo, odeia a distribuição de renda, lamenta os êxitos do Brasil e de seu povo. E de repente, construir creches para o povo torna-se um problema. Trabalhadores poderem viajar, ter lazer, estar perto deles torna-se um problema. Como isso não seria um sinal de decadência do Brasil? Afinal, bom é ocupar áreas públicas para construir mansões, é receber crédito para um padrão de vida que é irreal, excelente são os clubes exclusivos… Confessada ou inconfessadamente, para alguns, a polícia deve sentar o aço na juventude negra, porque a tragédia é a morte dos filhos da classe média, e só. Para outros, seus filhos apenas devem ter o direito à educação e à dignidade da igual oportunidade que pode sim estabelecer um critério de mérito. Os filhos dos pobres são estorvo, problema, barulho. Não teria o povo sequer o direito de tê-los. É a negação da dignidade humana, do menor senso de justiça e cidadania, é o ovo da serpente do fascismo, que ri com as piadas de mau gosto que humilham, degradam, afirmam preconceitos. E o pior, tudo isso é de uma burrice atroz.
Como não entendem ser exatamente a universalização dos direitos, a extensão da educação, do lazer e da liberdade diante da fome que podem abrir espaço para mais segurança, mais solidariedade, para a humanização das cidades? Que triste distopia é esse mundo gradeado e aterrorizador de que “a turba” se aproximaria ameaçadora… Na verdade, são posições do Partido da Imprensa Golpista, da Marcha de Deus Pela Família de 1964, é a revolta contra grandes vitória do povo brasileiro. E tudo para para afirmar um ambiente de medo, caos, a isso se resume o programa político da direita neoliberal que torce em todas as áreas contra os avanços do Brasil.
Todavia, muito mais lastimável é o oportunismo daqueles setores “de esquerda” que buscam navegar nessa onda, setores useiros e vezeiros em argumentos udenisticamente éticos e puros, expressões caudatárias dessa mesma deformação moral de quem reclama por não ter o que creem ser suas prerrogativas exclusivas. A ética da classe mérdia é conhecida, ocupa área pública, trafica influências, preocupa-se exclusivamente com sua família, mas arrota um “republicanismo” que na verdade é apenas o muxoxo de quem lamenta a perda de vantagens espúrias incompatíveis com a democracia e a República.
A despeito desse setor, como poderemos armar a outra parcela, humanista, progressista, que se envergonha dessa farsa? Como impedir o êxito da propaganda fascista que tenta blocar a classe média, pondo-a sob a direção dos apaniguados de sempre, as viúvas rorizistas, arrudistas. Como não se escandalizar com uma reunião para unificar a oposição que reúne José Roberto Arruda, Roriz e Marconi Perillo? Por que a justiça nas manchetes e no Supremo só se aplica a alguns? Por que se admitem essas revoltas seletivas?
É preciso sobretudo que o povo trabalhador – que é depreciado porque ascende e porque é maioria – seja reconhecido como o principal ator desse processo, inclusive pela esquerda, pelo modo como nosdirigiremos à população, para muito além dos limites da classe média. Mas é preciso também mostrar a vergonha alheia que merecem essas carpideiras do próprio umbigo, essa parcela claramente parasitária e que vomita suas besteiras em nossas casas todos os dias. E é preciso que a “ultra-esquerda” se aperceba nesse jogo, para que não sirva de legitimação ao imperialismo,ao sentimento anti-brasileiro, à provocações contra o socialismo e a integração latino-americana.
O Brasil está mudando e Brasília também. 100 mil casas populares no DF, finalmente um transporte público longe das máfias e com mais dignidade para o povo, o atendimento médico chegando às periferias, junto com a integração latino-americana – obrigado, querida Cuba, por socorrer nosso povo pobre abandonado por uma parcela dos que se formaram graças aos impostos que pagamos. Creches para os filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras, a democratização da educação que só avança e que terá crescente financiamento, a democratização das oportunidades, das áreas públicas, do esporte e do lazer, a alegria de ser brasileiro e chegar ao hexa, apesar dos narizes arrebitados dos que pensam com a cabeça em Miami, por isso são solidários à trambiqueira que engana e xinga a Cuba e ao Brasil, e é paga pelos EUA para isso, com a assessoria do DEM.
Mas tudo isso é apenas o chantili que esconde a brutal pressão do capital financeiro que quer sequestrar desde já o segundo mandato de Dilma, cujos erros e tibiezas já mostraram ser o pior caminho no primeiro mandato. Existem sim bases para verdadeiras afinidades de esquerda que apontem para uma nova arrancada, para maiores conquistas para o povo, os trabalhadores e a juventude. Mas isso é impraticável seguindo a política econômica dos juros altos, do massacre da produção, medidas que se vem tomando por pressão do PIG, e que é preciso denunciar porque comprometem nosso futuro e presente. É preciso dobrar a aposta no desenvolvimento, na ampliação de direitos, na plena inclusão da imensa maioria do povo, a despeito dos muxoxos da classe mérdia e do PIB. Mas, essa é minha aposta, o tal bloco de afinidade de esquerdas que impulsione a nova arrancada precisa de lastro, da força dos grandes batalhões da luta de classes no Brasil. É preciso que trabalhadores(as), jovens, o movimento negro, de mulheres percebam-se como indissoluvelmente ligados quanto ao presente e ao futuro do Brasil. Precisamos de um bloco popular para pressionar, propor, mostrar caminhos, retomar a agenda de mudanças e a ofensiva política, a auto-estima do povo, e o grito de Brasil que querem que calemos no peito exatamente quando devemos ter mais orgulho de nós mesmos.
Paulo Vinícius, sociólogo e bancário, é dirigente nacional da CTB.
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