Por que os governantes do Brasil reagem tão negativamente ao pagamento de um salário digno aos professores? A quem interessa precarizar a educação e os professores?
Essas e outras perguntas têm preocupado os educadores brasileiros, tanto na esfera política da militância, como no mundo acadêmico, via investigação cientifica, como ficou provado nas teses de doutorado da professora Regina Gracindo (1996) “ O escrito, o dito e o feito: a educação e os partidos políticos”; João Monlevade (2000) “Valorização dos professores: o papel do Piso Salarial Profissional Nacional como Instrumento de Valorização dos Professores da Educação Básica Pública”; Juçara Vieira (2012) “Piso Salarial: quem toma partido” entre outros.
Com efeito, a luta dos educadores em defesa de um Piso Salarial Profissional Nacional para o magistério é secular, como analisa Monlevade e Vieira, são quase dois séculos. A primeira indicação de um valor definido para o salário de professores foi em 1827, na época da promulgação da primeira lei geral da educação, onde o art. 3º determinava aos presidentes das províncias taxarem os ordenados dos professores em 200$000 (duzentos mil réis) a 500$000 (quinhentos mil réis) anuais, com atenção as circunstâncias da população e a carestia dos lugares.
Os autores, dizem ser difícil precisar essa cifra em valores atuais. No entanto, essa referência é importante para perceber, que desde o início do assalariamento do professor público via subsídio literário existe uma tensão valorativa entre “o suficiente para o sustento e o necessário para a qualidade”, que puxa para cima, e “as limitações do Tesouro, a desimportância do ofício e o número de professores”, que puxam para baixo.
Posteriormente, quando foi instituído o salário mínimo, em 1940, seu valor poderia coincidir com o do salário mínimo, desde que este representasse “valorização” em relação às médias de salários dos professores antes praticadas. Na prática histórica, a reiteração de que se devia aos professores um “salário digno” ou “condigno” indicava que este Piso teria que ser de valor superior ao do salário mínimo decretado para todos os trabalhadores.
Como se vê, essa questão tem raízes ficadas no passado, que culmina com instituição das “aulas régias” e lamentavelmente tem enfrentado um adversário poderoso: o tesouro, ou melhor, o administrador público, identificado por alguns estudiosos, como algozes dos professores.
Curiosamente, em pleno século XXI, a alegação dos atuais governantes para não atender à legislação brasileira e efetivar o pagamento de um salário digno aos professores é a mesma: falta de recurso.
Se observarmos a legislação educacional da citada Lei de 1827 aos dias atuais, encontraremos muita convergência e ambiguidades no tocante a uma proposta de Piso Salarial para o magistério. Os primeiros grandes debates surgem, em 1932, quando um grupo de intelectuais progressistas, lança um documento intitulado “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, uma referência aos adeptos de uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade, que se estenda à disputa pela aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 4024/61.
Seja no império ou na república, o fato é que a condição docente foi resignificada ao longo dos anos, e com a industrialização do Brasil, a partir da segunda metade do século XX, mudou o perfil da população, tornando-a mais urbana. A necessidade de mais escolas para atender à demanda cresce e como ela a carência de professores, que acelera o processo de proletarização do magistério. São instituídos os turnos escolares, e a duplicação de jornadas de trabalho em diferentes turnos, ou seja, os professores trabalham mais, têm menos tempo para estudo e, por consequência, os salários não crescem na mesma proporção.
Os ventos da redemocratização acenderam a chama da esperança pela definição do Piso e o movimento sindical docente assume as articulações na assembleia nacional constituinte para aprovar no texto constitucional a definição do Piso Salarial, que à época oscilava entre duas propostas: uma no valor do salário mínimo do Dieese; e outra no valor de três salários mínimos nacional, para inicio de carreira, formação magistério, por uma jornada de 20 horas semanais.
No ano de 1994, por ocasião da Conferência Nacional de Educação para Todos, o governo assina o Pacto pela Valorização do Magistério e define que o valor do Piso Salarial em de R$ 300,00 por uma jornada de 30 horas, fato que não vingou. O governo mais uma vez alegou falta de recursos e engavetou a proposta, até por em prática as reformas de cunho neoliberais, que instituíram a política de fundos para o financiamento da educação básica. O Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) lei 9424/96 priorizou o ensino fundamental e marginalizou as demais etapas, como educação infantil e ensino médio, além de dividir o movimento sindical ao destinar maior aporte financeiro para os professores do ensino fundamental.
A referência do Piso passa a ser os 60% dos recursos do fundo, que deveriam ser investidos em pagamento de salário e formação, de acordo com as diretrizes dos planos de Carreira elaborados pelos sistemas de ensino, uma vez que a LDB 9394/96, propõe a municipalização do ensino e a descentralização dos recursos.
Nos últimos dez anos, ocorreram mudanças acerca do financiamento da educação, apesar de tímidas, criaram novas possibilidades. Em substituição, ao Fundef, surge o Fundo de Desenvolvimento e manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb) pela Lei 11.494/07, que corrigiu a distorção anterior, tanto no atendimento ao ensino como na valorização do magistério. Tal fato impulsionou a aprovação do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) – Lei 11.738/08.
A lei do Piso define fundamentalmente três pontos: o conceito de piso salarial (menor valor pago), o valor (R$ 950,00 para inicio de carreira, formação magistério) e jornada (40 horas semanais, sendo 2/3 com alunos e 1/3 de estudo e planejamento). Essa pequena mudança fez toda diferença. Para os professores foi a garantia mínima de ver efetivada uma luta secular, para os governantes uma camisa de força, teriam que aplicar os recursos como manda a lei.
Portanto, não é nova a reação dos governantes em atacar a legislação. Mas tem algo de novo. Gracindo havia identificado em sua investigação, durante os anos noventa uma identidade entre os movimentos sociais, o sindical e os partidos de esquerda, principalmente o PT, o que levou esse partido a romper com o escrito e o dito, em seus programas e aderir ao bloco dos inimigos da educação. Quando em 2008 e 2011 quando o governador do Rio Grande do Sul – Tarso Genro (PT) assinou as duas ADIN’s (uma alegando a inconstitucionalidade e a outra o índice de reajuste).
Essa semana, os 27 governadores, dos 26 estados e do distrito federal se levantam novamente contra o índice de reajuste do Piso, alegando falta de recurso, conversa velha. O fato novo é que o PNE na meta 17 propõe em prazo de cinco anos equipara o valor do Piso ao dos demais profissionais com a mesma formação. Em 2013 o piso é de R$ 1.567,00, quantos engenheiros, médicos, advogados, jornalistas, assistentes sociais, psicólogos, entre outros tem piso tão baixo?
Raimunda Gomes é secretária de Imprensa e Comunicação da CTB