No dia 11 de setembro de 1973, há 40 anos um golpe de estado civil-militar depunha o presidente chileno, o socialista Salvador Allende (1908-1973), eleito em 4 de setembro de 1970 por uma aliança de esquerda. Para denunciar as atrocidades da ditadura do governo de Augusto Pinochet, diversas manifestações saíram às ruas do Chile em defesa da justiça e da verdade, exigindo o esclarecimento das mortes e dos desaparecidos no país durante a vigência da ditadura entre 1973 e 1990, quando Pinochet foi obrigado pro um plebiscito a entregar o poder.
A ex-presidenta e candidata favorita para suceder o direitista Sebastián Piñera, nas eleições deste ano, Michelle Bachelet participou do maior protesto na terça-feira (10) na capital chilena. “Nesta manhã nós somos muito mais do que parece. Somos uma multidão, porque celebra conosco, abraçados a nós, todos os que lembram todos os que amam todos os que não partiram ou não partirão jamais”, disse Bachelet. Assim como a presidenta Dilma, Bachelet foi presa e torturada. A candidata chilena visitou o local onde foi mantida prisioneira juntamente com sua mãe, Ângela Jena.
Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista do Chile defendeu a apuração dos crimes cometidos na ditadura. “A verdade e a justiça são indispensáveis, especialmente porque ainda há famílias que não conhecem o destino de seus entes queridos que foram executados e desapareceram por obra dos militares”, sinalizou. Para Teillier, “o caráter massivo desta marcha mostra que o povo não esquece suas vítimas e heróis, reivindica Salvador Allende e manifesta a esperança de um Chile justo e democrático”.
Divanilton Pereira, secretário de Relações Internacionais da CTB, acredita que a importância de lembrar atos como o golpe chileno é para impedir que eles se repitam. “A CTB procura registrar essas atrocidades para se criar uma cultura sobre agressões dessa natureza à vivência democrática e à soberania das nações e dos povos”, afirma.
Muitos ativistas da ditadura chilena pediram perdão pela atuação no regime liderado por Pinochet, a Globo fez recentemente no Brasil. Mas os presos e torturados, além dos parentes dos mortos e desaparecidos não sentem sinceridade nessa atitude. “Os pedidos de perdão não têm nenhum sentido porque são abstratos, porque não têm conteúdo, porque não há uma análise e porque não há uma proposta para que justifique pedir perdão”, afirmou Mireya Garcia, militante dos direitos humanos no Chile.
Segundo Divanilton, “o Chile vive uma contradição me relação aos países da América Latina e Caribe, nos quais prevalecem governos de esquerda e progressistas”, acentua. “O chile ainda está sob a condição de um governo sintonizado com o projeto de 40 anos atrás”, ressalta.
O cetebista explica que os 40 aos da ditadura chilena devem ser registrados porque foi o governo de Pinochet que introduziu a agenda neoliberal no continente. “A nossa expectativa é que o projeto em torno de Michelle Bachelet vença as eleições deste ano e coloque o Chile no campo progressista da América Latina”, reforça.
De acordo com Divanilton Pereira analisar os 40 anos da ditadura chilena traz ensinamentos à esquerda sobre dois aspectos importantes. “É fundamental aprender a aferir a correlação das forças políticas de um país com base na realidade concreta. Também é essencial colar em prática o conceito de transição”, sintetiza.
O golpe
Allende foi eleito em 1970 com 36% dos votos e vislumbrava a possibilidade de construção do socialismo por via pacífica. A proposta de nacionalização dos 150 maiores conglomerados econômicos do país já demonstrou a vontade do governo chileno em criar uma política independente de Washington, o que lhe custaria caro. Foi a “tentativa de colocar em prática um programa que, além das travas estruturais do Estado, não detinha maioria na população do Chile. O governo não recuou oficialmente do seu programa socialista, mas só conseguiu a nacionalização do cobre e das telecomunicações, em mãos de empresas estadunidenses. Não dispunha de maioria parlamentar para avançar mais”, explica o sociólogo Emir Sader. Foi deposto três anos depois.
Assim, o empresariado chileno começou a liderar locautes como boicote à economia. “Os trabalhadores tomavam empresas, dando continuidade ao seu funcionamento, a medida era imediatamente questionada pelo Congresso e pelo Judiciário, que impunham a expulsão dos trabalhadores das empresas ocupadas. Conforme o governo não cumpria a decisão, o parlamento derrubava sucessivamente vários ministros do Interior, mas não se resolviam as ocupações, que seguiam, com o questionamento parlamentar e judicial ao governo”, acentua.
O diplomata e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Samuel Pinheiro Guimarães narra a história do continente americano com seus sucessivos golpes patrocinados pelos Estados Unidos, para quem a América Latina era sua área de influência. Para ele, desde a implantação da Doutrina Monroe, o governo dos Estados Unidos se imbuiu do direito de intervir em qualquer país do continente que não se enquadrasse na subserviência aos seus interesses. Com o término da Primeira Guerra Mundial, os EUA já começam a mostrar seu furor imperialista e a Inglaterra já apresenta certo declínio.
Após a Segunda Guerra começa a campanha contra o comunismo com a Guerra Fria entre as duas superpotências de então: EUA (capitalista) e União Soviética (socialista). O governo estadunidense inicia uma política de intervenção direta nos países do continente. “Com ações diretas e de espionagem, hoje fartamente documentada, e que nos dias atuais se faz de maneira absolutamente aberta, e até com certa desfaçatez, com a participação de serviços de inteligência e de ação americanos (special operation forces), de fundações públicas e privadas, de ONGs. Tudo com a ajuda da tecnologia mais sofisticada de espionagem, da qual não escapam os aliados (acólitos) mais confiáveis”, denuncia o Guimarães.
Para o diplomata brasileiro, “a ascensão democrática de Salvador Allende, sua disposição de implantar um regime socialista democrático e nacional no Chile, sua política externa independente, o receio de que viesse a estimular países latino-americanos a procurarem novas estratégias de desenvolvimento e a se rebelarem contra as ditaduras militares já implantadas no Brasil (1964) na Argentina (1966) no Uruguai (1971), na Bolívia (1971) levaram à determinação americana de organizar um golpe militar no Chile com a articulação financeira, política e midiática da direita civil e militar do país”, acentua.
Hoje com 17,4 milhões de habitantes, o Chile tem Produto Interno Bruto de US$ 268,3 bilhões e conta com uma economia baseada na produção e exportação de matérias primas e importação de produtos industrializados. Segundo dados de entidades independentes a ditadura comandada por Augusto Pinochet (1915-2006), de 1973 a 1990, teve cerca de 100 mil mortos e mais de 3.200 desaparecidos, dos quais os familiares ainda não têm conhecimento dos paradeiros dos corpos. A resistência chilena tem no compositor Victor Jara o principal símbolo de luta pela restauração da democracia no país. Jara foi assassinado cinco dias após o golpe no Estádio do Chile, onde se encontravam milhares de presos. O estádio de triste memória, leva atualmente o nome do músico chileno.
Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB