Nesta segunda-feira, 11, o jornal “O Estado de São Paulo” dedicou editorial sobre a luta do movimento social brasileiro por mais recursos para serviços públicos essenciais como Educação e Saúde. No texto “Pretensão Equivocada”, o diário destaca em particular as reivindicações da União Nacional dos Estudantes para que o Estado invista 10% do Produto Interno Bruto em Educação e do Movimento Saúde + 10 para que 10% das receitas correntes brutas da União sejam investidas na Saúde.
Não soa estranho que a postura do jornal seja contra estas reivindicações e tantas outras que visem colocar o Estado como agente central na oferta e suporte de políticas públicas ou como indutor da economia. Afinal, o veículo em tela é uma publicação cuja orientação editorial é pautada pelo liberalismo econômico, pregando historicamente em suas páginas o Estado mínimo e o livre mercado.
Contudo, é importante para o debate público, ainda que o jornal não nos dê um espaço em suas páginas para fazê-lo em pé de igualdade, confrontar estas ideias conservadoras e extemporâneas, uma vez que estão em total descompasso com o anseio da sociedade.
As jornadas de junho, como ficaram conhecidas as manifestações que eclodiram em todo o país, tinham inequivocamente um traço em comum: o desejo de melhores serviços públicos. Cartazes com frases como Educação padrão Fifa ou Saúde padrão Fifa pipocaram em todo o país de forma espontânea, numa alusão crítica aos recursos investidos pelo país na Copa.
A dívida do Estado brasileiro para com a sociedade, no que diz respeito a estes dois direitos constitucionais, é gigantesca. Saúde e Educação, assim como outros serviços essenciais, eram privilégio de uma elite econômica e intelectual e, o pouco que foi construído de acesso público a estes serviços foi desmontado durante os anos FHC e a aplicação da agenda neoliberal no país.
Há 10 anos, houve uma retomada de investimentos e uma tentativa de expansão destes serviços para atender as camadas sociais mais populares. Mas esse movimento político – diante do tamanho do déficit de escolas/universidades, de professores e de uma política de valorização dessa categoria, da ausência de equipamentos públicos de saúde e diante do total sucateamento da infraestrutura instalada, ausência de profissionais e capilaridade do sistema – é muito insuficiente ainda.
Recentemente, medidas no campo da Saúde para enfrentar parte desta carência, como o Programa Mais Médicos, foi bombardeada por meios de comunicação alinhados com o pensamento corporativo e conservador de parcela da categoria médica. Um dos argumentos para se contrapor ao programa federal é de que não faltam profissionais, mas estrutura para o desempenho da medicina, equipamentos etc.
Agora, o Estadão vocaliza que a luta por mais recursos peca pelo “irrealismo e pela irracionalidade, que sempre geram resultados desastrosos. Verbas vinculadas retiram dos municípios, dos Estados e da União margem de manobra para a tomada de decisões. Receitas vinculadas provocam regidez orçamentária na medida em que não podem ser utilizadas para financiar despesas para as quais foram criadas”, argumenta o editorial.
E mais adiante, o jornal aponta que o problema da Saúde e da Educação é a má gestão, diz que estes serviços não melhorarão com a vinculação de verbas e conclui afirmando que “A qualidade de seus serviços depende, isso sim, de reformas estruturas – sobre as quais autoridades e militantes pouco falam.
Por ai podemos ver como o jornal está distante da agenda do movimento social brasileiro – que tanto critica e criminaliza em suas páginas.
Novo ciclo exige reformas estruturais
Um dos principais debates que as entidades do movimento social ligadas à Educação e à Saúde têm realizado nos últimos anos é a necessidade de o Estado brasileiro fazer reformas estruturais para ter condições de dar continuidade a um novo ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico com redução de desigualdades, soberania e justiça social.
Reformas estruturais não só em áreas como Saúde e Educação, mas também em outras que a elite brasileira e seus veículos de comunicação insistem em desqualificar, como a Reforma Política, a Reforma Tributária, a Reforma do Judiciário e a Democratização dos Meios de Comunicação.
As reformas na Educação e na Saúde passam, necessariamente, por uma nova postura do Estado brasileiro diante destes serviços. E neste contexto, não há reforma possível sem que a União assuma a sua responsabilidade de ser a principal provedora deste serviço, fazendo os investimentos necessários para, no menor espaço de tempo possível – que ainda assim será de médio prazo diante dos desafios –, reduzir o déficit histórico que há nestas áreas.
Ora, isso só é possível com recursos e política de Estado. E, neste caso, a garantia de que os recursos que um governo destina para estes setores não seja reduzida por outro governo que não veja a mesma prioridade nestes serviços é defini-los como uma política de Estado e não de governo. Por isso, a reivindicação da UNE e das entidades que compões o Movimento Saúde + 10 é a vinculação orçamentária.
O jornal acerta quando diz que a vinculação orçamentária impede que a União utilize estes recursos em outras áreas. É isso mesmo o que se está reivindicando e o que se quer impedir, manobras de ocasião com dinheiro público que deve estar a serviço da Educação e Saúde.
Os recursos, uma vez definidos, devem vir acompanhados de uma política de investimento que atenda aos objetivos de universalização e qualificação destes serviços. A tal reforma estrutural que o jornal se refere, no caso da Saúde por exemplo, seria possível se os recursos adicionais fossem aplicados pelo governo nas políticas traçadas de forma participativa e transparente nas Conferências Nacionais de Saúde e na consecução das diretrizes do Sistema Único de Saúde – um modelo de saúde pública reconhecido internacionalmente, mas que carece de vultosos investimentos para ser aplicado na sua integralidade.
Os militantes, como aponta o jornal, têm muito claro o que almejam quando lutam pela vinculação orçamentária: garantir as bases para a construção de uma reforma estrutural no serviço de saúde que passe centralmente pelo papel do Estado.
Já, o jornalão paulista tem certamente outra concepção do que seja tal reforma. Apesar de não ter explicado em seu editorial, deixando o conceito solto no ar, não é de se espantar que as reformas estruturais pregadas pelo veículo estejam calcadas na diminuição do papel do Estado nestas duas áreas para que o livre mercado dê conta da demanda destes serviços.
São visões de mundo totalmente distintas e inconciliáveis e que se refletem na luta política cotidiana. Neste caso, não só as jornadas de junho mostraram que o movimento social está no rumo certo, como no caso do Movimento Saúde + 10 e as mais de 1 milhão e 800 mil assinaturas coletadas em todo o país pedindo mais recursos para a Saúde.
Ronald Ferreira dos Santos é presidente da Fenafar e coordenador do Movimento Saúde + 10. Artigo originalmente publicado no site da Fenafar.