Após ver o canal da Globo Internacional que passa nas TVs a cabo para os milhares de brasileiros mundo afora que, como eu, paramos nesse canal atraído pela ‘identidade’, acabei por coincidir com o horário dos telejornais dessa emissora.
O papel da mídia é bem claro neste momento: abafar qualquer tipo de desordem na imagem internacional do Brasil. E como o nosso país está pop, nada pior que grandes manifestações para ‘sujar’ a imagem dos políticos do momento. Enquanto se tenta esconder de qualquer jeito a verdadeira cara do Brasil, enfocando os holofotes para caipirinhas e aparentes sucessos das obras nas cidades que receberão o Mundial no próximo ano e as Olimpíadas 2016, o brasileiro continua enfrentando, dia após dia, a sua rotina com os mesmos problemas de antes, ignorados pelos inúmeros governantes que passaram por ali.
As manifestações desta quinta-feira contra o aumento das passagens dos meios de transportes em 5 grandes capitais, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Maceió e Natal, organizadas através de redes sociais, levaram milhares de pessoas às ruas. Mas, se todos os anos o brasileiro sempre se deparou com o reajuste das tarifas do transporte, por que nunca antes se organizou uma manifestação como esta?
Faço minhas as palavras lidas no blog “Desafios Urbanos”, escrito por Thalita Pires: “a sensação de que as cidades brasileiras estão prestes a explodir é palpável”.
Para o trabalhador, a cidade ao seu redor, em acelerada metamorfose para os eventos internacionais, já não é a sua cidade; ela se eleva e chega a tornar-se um mundo a parte.
O aumento da tarifa é só um elemento a mais; o problema é muito mais profundo. A importância de o povo brasileiro mostrar sua indignação diante das câmeras internacionais que focam ao Brasil atualmente é imensa: mostrar-se para o mundo dessa vez como um povo que luta e que não vai continuar parado vendo o governo defender outra vez mais o que sempre defendeu: os interesses de pequenos grupos.
Uniram-se, assim, uns aos outros, os brasileiros que, cansados, foram para as ruas, levantaram cartazes, gritaram forte e pararam a cidade. Porém, diante deles se interpôs a força. A polícia teve ordens de ‘deter’ a massa.
O protesto teve episódios de violência, os quais foram mostrados pela mídia de maneira controlada, a fim de vandalizar o movimento popular. Com imagens que enfocavam as pichações e vidros de bancos quebrados por alguns manifestantes, os telejornais insistiam em titular como vandalismo o direito da população de se manifestar. Alguma que outra cena denunciava o abuso policial e as agreções sem motivo, mas a notícia voltava ao mesmo roteiro, mostrando pedras, pessoas mascaradas e repetindo a “ameaça” que se apresentava. Para fechar com chave de ouro, o governador do Rio de Janeiro e de São Paulo aparecem para declarar o seu “repúdio ao vandalismo”.
Atos como os que governadores e mídia direitista frisaram não caracterizam o movimento popular realizado nesta quinta-feira pelos brasileiros indignados. O que o caracteriza é a união, a organização da classe trabalhadora e o seu grito de “basta!” para este sistema a favor dos empresários. Não importa o valor, se 50, 20 ou 10 centavos, como mostrou a Globo com desdém, o aumento das passagens de ônibus quem paga é o povo e é no bolso do povo que se nota a diferença cada final de mês, no salário espremido. Os meios de transporte refletem a divisão social que vive as cidades brasileiras. O aumento é sim um abuso! E muitos abusos mais vamos protestar, porque se existe uma chance de começar a fazer um Brasil para os interesses do povo, é agora.
Talvez os brasileiros se sentiram inspirados pelos movimentos estrangeiros de jovens indignados como os árabes e, mais recente, na Turquia, mas as manifestações passadas mostram é que o aumento da tarifa dos transportes é mais bem um começo, um símbolo que demonstra que algo está errado e nós temos que mudá-lo.
Como brasileira fora do meu país, vejo a manobra da mídia com muita indignação por “vandalizar” a expressão da população. É necessário buscar informação verdadeira, conversar com companheiros, perguntar, não podemos engolir o que mandam as grandes emissoras e editoras. Essa é uma causa de todos.
Camila Lee Cardoso, de San José (Costa Rica), publicado originalmente no “Diário Liberdade”.