Paulo Leminski é um desses fenômenos fora da curva que de vez em quando despontam aqui e ali. Sempre de maneira surpreendente, trafegando entre a exclusão social e a exaltação generalizada.
Morto precocemente antes de completar 45 anos, em 1989, Leminski ressurge mais de vinte anos depois, retumbando sucesso popular e reforçando a velha verdade de que, no Brasil, o reconhecimento sempre será póstumo. Seu livro “Toda Poesia”, uma coletânea selecionada por suas filhas e sua ex-mulher, a também poetisa Alice Ruiz, vem bombando nas livrarias como uma espécie de best-seller tardio. Poeta sempre admirado por leitores pouco convencionais, Leminski ressurge agora não só em livro, mas como uma espécie de sábio das palavras das redes sociais, nas quais é citado em fragmentos — de maneira justa, é verdade, afinal era um emérito frasista. “Haja ontem para tanto hoje”, diz uma de suas sacadas históricas.
Inteligentíssimo, agudo, inspirado e bem humorado, Leminski produziu uma obra vasta e quase completamente desconhecida. Nela, sobrevém uma rebeldia juvenil, sapeca, e, ao mesmo tempo, uma angústia existencial em que sequer poupa-se a si mesmo: “Esta língua não é minha/qualquer um percebe./Quem sabe maldigo mentiras,/vai ver que só minto verdades.”, diz o poema “Invernáculo”, uma de suas muitas pérolas.
Um malabarista da palavra, capaz de compreender como poucos a potência da expressão literária, Lemisky criou estilo próprio, criou forma e conteúdo, criou linguagem. Foi um criador acima de tudo. Foi ele, por exemplo, quem trouxe a forma brasileira dos haikais, poemas japoneses nos quais prevalecem a concisão da forma e das ideias. Nada mais adequado para ele. Em poucas linhas, Leminski resumia um universo, na mais pura expressão de síntese poética em apenas três versos.
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Leminsky teve uma vida e tanto, apesar de curta. Um iconoclasta puro-sangue, amplamente eclético, viveu em comunidade hippie, escreveu letras de música, participou do tropicalismo, deu aulas de judô, foi diretor de criação de agência publicitária. Mas sua alma inquieta, seu hedonismo, não permitiriam nunca uma vida convencional. Nós últimos anos, separado de Alice Ruiz, tornou-se comentarista da TV Bandeirantes, onde misturava talento fanfarrão, agudo senso crítico e humor para uma audiência que não fazia a menor ideia sobre o que ele estava falando.
Hoje todos sabem. Leminski é pop, o que irrita um pouco porque sempre soubemos amá-lo. Mas ele certamente teria feito algumas boas frases sobre isso. Como ele próprio escreveu:
Não discuto
com o destino
o que pintar eu assino
Roberto Amado – Diário do Centro do Mundo