Num momento em que o governo de Portugal anuncia mais cortes na despesa pública, o Conselho Nacional de Educação (CNE) é peremptório na reivindicação de um maior investimento naquele setor. Na introdução ao relatório anual, que é tornado público nesta quarta-feira (10), a presidente daquele órgão, Ana Maria Bettencourt, frisa que “a melhoria dos resultados educativos e a consolidação dos patamares já alcançados não se compadecem com o abrandamento do esforço ou com políticas errantes”.
Contactada pelo “PÚBLICO”, na terça-feira, Ana Maria Bettencourt afirmou que, na qualidade de presidente do CNE, não desejava comentar a decisão do primeiro-ministro, que reagiu ao chumbo das normas orçamentais pelo Tribunal Constitucional com o anúncio da redução da despesa pública com a Educação, a Segurança Social e a Saúde. Disse, contudo, que “basta olhar para o próprio relatório agora divulgado e para os números para se chegar a uma conclusão: quando verificamos que em 2012 a execução orçamental na Educação está ao nível da de 2001 – isto sem ter em conta a inflação – só se pode concluir que a situação é dramática”.
O documento “O Estado da Educação” abre precisamente com o sublinhado que, apesar de os dados publicados não refletirem ainda a crise, os seus efeitos já causam “profundas preocupações” nos membros do CNE, um órgão independente, com funções consultivas, cuja presidente foi eleita pela Assembleia da República. Em causa, especificam, estão as “narrativas” que lhes chegam sobre “as dificuldades dos alunos e das famílias, a insegurança vivida pelos professores e técnicos de educação, a diminuição de recursos financeiros, e ainda a dificuldade de integração, num tempo muito curto, de um número significativo de mudanças que foram sendo introduzidas”.
Redução de meios financeiros e humanos
“É com preocupação que se assiste à diminuição significativa do investimento no sector da Educação, traduzida na redução dos meios financeiros e dos seus recursos humanos”, escreveu Ana Maria Bettencourt na introdução do documento, referindo-se à quebra de 16 pontos percentuais no orçamento para 2012 em relação ao de 2011 e à redução do número de professores.
Sem antecipar o aumento do desemprego previsto pelos sindicatos e a ameaça da mobilidade especial, a presidente do CNE aponta, para justificar a sua preocupação, os dados do relatório de Janeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o ano passado, em que, cita, Portugal terá perdido 11.065 professores dos ensinos básico e secundário.
O documento, em si, tem igualmente referências explícitas à crise e aos cortes orçamentais. No capítulo das recomendações, o CNE defende que a Educação é uma “alavanca” para o país “sair da crise atual”, pelo que deve ocupar “o centro das políticas públicas e constituir uma prioridade do investimento público”.
“Num quadro de escassez de recursos, é fundamental a percepção política de que partimos de um patamar de escolarização muito inferior ao dos nossos parceiros europeus e que, tendo iniciado uma recuperação significativa dos níveis de qualificações de jovens e adultos, rapidamente regrediremos se não se mantiver a mobilização social, o esforço e a prioridade atribuídos ao sector da Educação e Formação”, insiste o CNE.
Recomenda, neste contexto, que se avaliem “as consequências das medidas de restrição orçamental resultantes do programa de ajustamento com que o país está comprometido”; e ainda que seja mantido um “alerta permanente sobre os efeitos da crise nas escolas e nos percursos escolares dos alunos, de modo a evitar que tenham consequências nefastas no aproveitamento e frequência, sobretudo no caso dos mais desfavorecidos”.
Uma das preocupações do CNE é a incerteza quanto à forma como será garantida a formação de adultos após o fim do Programa Novas Oportunidades. A trabalhar num parecer sobre os Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional, que ainda não estão no terreno, os autores do relatório sublinham que “persistem fracos índices de qualificação da população menos jovem, que “se agravam de forma dramática à medida que se progride para os escalões etários superiores”.
Segundo o CNE, em 2011 havia na população com mais de 15 anos perto de três milhões e meio de indivíduos sem nenhum diploma ou apenas com o primeiro ciclo. Destaca, ainda, a persistência de um milhão e meio de pessoas com idades entre os 25 e os 44 anos (“ainda longe de atingir a idade da reforma”) que não concluíram o secundário. Com base nestes dados, os conselheiros insistem que a situação exige “uma atenção redobrada” para recuperar os menos qualificados sem perder os ganhos obtidos com os mais jovens.
Fonte: Público