Educadores condenam material didático distribuído nas escolas de Salvador

Após paralisar as atividades da rede municipal de ensino por 48 horas, esta semana, os professores de Salvador sofrem com injurias e inverdades divulgadas pela gestão do prefeito recém empossado ACM Neto, acusada pelos educadores de distribuir material didático de cunho racista, machista e sexista.

Não satisfeito com as críticas, que incluem as péssimas condições de infraestrura das escolas e o aumento repentino da carga horária em uma hora, o secretário municipal de Educação, João Carlos Barcelar, acusou os educadores de serem “desocupados” e que “não trabalham às sextas-feiras”. Para a direção da APLB, as afirmações do titular da pasta não correspondem à realidade. “É preciso respeito com esses profissionais que buscam por sua conta própria se formar, fazer a sua atualização pedagógica, além de investir na compra de materiais para dar uma aula mais moderna aos seus alunos”, protestou a dirigente da APLB, Marilene Betros.

Segundo Marilene, a APLB concorda com a ampliação no tempo pedagógico dos estudantes, desde que não haja prejuízo aos educadores. “O que nós não queremos é que isso venha recair nos ombros dos professores , que já têm uma sobrecarga enorme. Imagine que esses professores, que ele está dizendo que não trabalham às sextas-feiras, têm que ficar com alunos das 7h30 ou 8h, às 11h, 11h30, direto, sem poder sair sequer para atender às necessidades fisiológicas, porque muitas vezes não têm um professor adjunto que possa estar ali. Não têm intervalo nem o descanso vocal que todos os professores deveriam ter “, exemplificou.

Segundo ela, outro desafio é que a categoria atua, na maioria dos casos, em espaços com turmas cheias, sem área de recreação e com graves problemas estruturais, a exemplo de falhas na rede elétrica que já causaram perda de merenda escolar. “Essa é a rede que ele diz que pode funcionar plenamente. Essa é a rede em que esses profissionais, que têm compromisso, estão atuando. Esse é o professor que ele quer tachar de irresponsável? O secretário tem que se retratar, tirar o chapéu para esses parceiros que estão na rede. Ele deveria tratar como parceiros e parceiras, porque é o pessoal que bota a rede para funcionar”, ressaltou.

Atraso e Preconceito

A diretora educacional da APLB Sindicato, Jacilene Nascimento, responsável pelo acompanhamento das questões pedagógicas e étnico-raciais de todos os materiais distribuídos na Rede Pública de Ensino, também condenou o conteúdo didático produzido pelo Instituto Alfa e Beto, empresa contratada por R$ 12,3 milhões, com dispensa de licitação, para fornecer conteúdo pedagógico a 90 mil alunos do 1° ao 5° ano nas escolas administradas pela prefeitura de Salvador. De acordo com a educadora, que se reuniu nesta quarta-feira (20) com a subsecretária municipal de Educação, Teresa Cozetti Pontual, e o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista de Araújo Oliveira, os problemas detectados nos materiais didáticos já eram conhecidos. Eles tinham sido levados ao conhecimento da própria Teresa Pontual, nomeada recentemente, após atuar na mesma função na prefeitura do Rio de Janeiro e no governo fluminense. “A resposta que a subsecretária me deu foi que ela não via problema nenhum no material, porque os textos eram literários”, afirmou Jacilene, em entrevista a um portal de notícias da cidade.

Segundo a representante sindical, logo após a repercussão do caso, ela foi convidada pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) para um encontro com a subsecretária e João Batista. “Informei a ele os absurdos que o livro possuía e que, na verdade, eram uma afronta a todo um trabalho organizado pelos professores desta cidade, que não estavam sendo respeitados, além de todo o simbólico racista, machista e sexista que o material apresenta”, narrou. A professora informou que o empresário discordou dos pontos levantados pela entidade educacional. “O dono do instituto me disse que o estereótipo que a gente sinalizava, ele não percebia da mesma forma. Mas, todas as figuras utilizadas no livro de Ciências, por exemplo, não têm nenhuma regionalização. Você não vê uma criança com características das nossas crianças. São fotos de crianças eurocêntricas, totalmente”.

Jacilene continua, dizendo, “a gente não quer um livro só com presença de crianças negras. Mas a gente quer ver a criança negra incluída nesse grupo”, cobrou e citou ainda outro texto, considerado também de conteúdo “racista”. “Agora eles trazem o Saci Pererê como um diabinho pequeno e malfeitor. O que a gente percebe é o simbolismo de uma criança negra e mutilada, que passa a ser um diabinho e malfeitor. E nós resignificamos essa presença do Saci Pererê como um garoto levado como outro qualquer, com necessidade especial de inclusão”, criticou, ao citar a obra “Do que eu tenho medo”, escrita por Clarice Lispector no livro “Como nasceram as estrelas – Doze lendas brasileiras”, que também está inclusa no material. “Nós não queremos que as crianças tenham medo dos meninos da escola de cor negra, que sejam mais levados que os outros e que possuam necessidades especiais”, defendeu.

Ainda segundo Jacilene Nascimento, a secretaria negou a solicitação feita pela APLB para avaliar o conteúdo didático. “Até para adquirir o material eu tive que sair de porta em porta pedindo a professores o empréstimo. Eu solicitei da Secretaria de Educação esse material antes do início do ano letivo, durante a Semana Pedagógica, mas ele não foi entregue”, revelou.

Para a educadora, o prefeito ACM Neto (DEM) deve “rever toda a questão pedagógica e a forma como se vem trabalhando”. “A Secretaria traz um material de fora, de um grupo que não conhece esse trabalho que o nosso professor já realiza, inclusive que consegue, em uma situação de rede pública precária, resignificar a autoestima do aluno. O dinheiro gasto deveria ser investido nos nossos educadores, que fazem materiais muito bons e que têm tido experiência exitosas dentro da Rede Municipal. Essa é a grande queixa do professor: é não reconhecer todo o seu trabalho”, queixou-se.

Fonte: Bahia Notícias

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