Vivemos um momento bastante rico e complexo no sindicalismo do serviço público federal, que não pode ser entendido com posições simplistas. Reduzir a greve dos docentes a um “decreto” da direção do ANDES não contribui para a correta interpretação da insatisfação dos docentes e técnicos das Universidades, bem como do conjunto do funcionalismo federal. Não foi o ANDES que inventou o Fórum de Servidores Públicos Federais, composto por mais de 30 entidades do Serviço Público, que protagonizou no dia 05 de junho um ato expressivo que reuniu aproximadamente 15 mil servidores em Brasília lutando por campanha salarial.
A FASUBRA, entidade representativa de 180 mil trabalhadores das universidades brasileiras, está em greve desde 11/06 e o SINASEFE, que representa os trabalhadores federais da educação tecnológica, desde 13/06, somando-se à greve dos professores, em curso desde 17/05. Além disso, a CONDSEF, representativa dos servidores dos Ministérios, tem indicativo de greve para 18 de junho, e a FENAJUFE, dos trabalhadores do Judiciário e Ministério Público, tem indicativo para o dia 21 de junho. De todas essas entidades, somente o SINASEFE é filiado à CSP/CONLUTAS, sendo a FASUBRA não-filiada a nenhuma central, e a CONDSEF e a FENAJUFE filiadas à CUT. Assim, mais que uma teoria da conspiração, precisamos perceber o sentimento dos servidores e entender sua pauta.
Concepções distintas do enfrentamento à crise e razões do funcionalismo
A justeza da campanha salarial dos servidores já foi assinalada pelo presidente da CTB, Wagner Gomes, em artigo publicado no dia 25 de maio. Os técnico-administrativos das Universidades, categoria mais desvalorizada do funcionalismo federal, não tem reajuste há dois anos, e não há nenhuma perspectiva em vista, já que não está garantida a data-base no serviço público. A negociação com o Ministério do Planejamento não avança, pois o governo argumenta não ter dinheiro e viver uma situação ainda mais complicada em função do aumento da crise econômica.
Esse argumento é contestado pelos trabalhadores como uma falácia que encobre uma política econômica conservadora que, segundo avaliação da CTB, elevou a meta de superávit fiscal e cortou dezenas de bilhões em gastos públicos para tanto.
A política salarial do funcionalismo federal foi grandemente distorcida em especial a partir do governo Fernando Henrique, que privilegiou a chamada “elite” do funcionalismo, deixando para trás as carreiras que prestam serviços diretos a população, notadamente na área da educação e da saúde. Essa distorção não foi corrigida pelo governo Lula, apesar de ter promovido uma política de reajustes associada a uma importante reposição de vagas via concurso público.
A decorrência dessa disparidade é que a criação de milhares de novas vagas nas áreas da educação, notadamente nas Universidades com o REUNI, tem sido acompanhada por um índice considerável de rotatividade nos cargos, pois quem ingressa na educação procura muitas vezes cargos mais atraentes no Judiciário e no Legislativo.
Foram realizadas nesse ano oito reuniões na mesa de negociação geral entre governo e o fórum de entidades do serviço público federal, e até agora infelizmente não há por parte do governo disposição para definir uma data base, uma política salarial para o conjunto do funcionalismo, bem como regulamentar a negociação coletiva para os trabalhadores do serviço público.
A reunião do representante do Planejamento Sérgio Mendonça com o Fórum de SPFs realizada no dia primeiro de junho trouxe um elemento novo e preocupante para a mesa de negociação, o agravamento da crise econômica mundial, que ameaça o crescimento dos países emergentes, dentre eles o Brasil. Outro dado apresentado pelo governo foi a aprovação no Senado de mais de 70 mil novas vagas de concurso público em nível federal. Ou seja, o governo deu o seguinte recado: “Em tempos de crise, nossa palavra de ordem é cautela e nós vamos priorizar os concursos públicos em detrimento do aumento salarial”.
Ainda que avaliemos muito positivamente a criação dos referidos cargos, contrapomos-nos à tese que os exclusiviza, negando a possibilidade do aumento e de outras reivindicações. O debate está enviezado, pois atender as reivindicações da greve é também enfrentar a crise econômica, através do fortalecimento do Estado, do investimento em educação e da valorização salarial em tempos de aumento da crise econômica. Foram as medidas de cortes orçamentários, aumento da SELIC e manutenção do câmbio supervalorizado que contribuíram para o cenário de crise se aproximar do Brasil. Já a valorização do salário mínimo, do funcionalismo e da educação abrem caminhos para com o mercado interno enfrentar a crise.
A disputa da greve pelo sindicalismo classista se faz na greve
É evidente que isto deve ser defendido enquanto projeto pelo sindicalismo classista, disputando as opiniões da greve, em que frequentemente posições elitistas e conservadoras se disfarçam sob a retórica ultra-esquerdista. Exemplos disso são expressões como “greve para derrotar governo”, sem reconhecer avanços importantes que o Brasil vive, já que reconhecer os avanços não nos impedem de fazer a justa crítica, e é isso que é autonomia. Outra posição similar é a que rejeita a expansão das universidades e IFETs, demoniza o REUNI e o responsabiliza pela greve dos professores e funcionários. Nada é mais ilustrativo de como o corporativismo e o elitismo se ocultam com uma fala incendiária que só oculta com sua fumaça a resistência de abrir as universidades ao povo.
Em vez disso, nós defendemos a expansão, sua qualidade, e a sustentabilidade de seu financiamento, com os 10% do PIB para a Educação e os 50% do fundo social do Pré-sal para a C&T, projeto do Senador Inácio Arruda.
Nosso papel ante as forças inconsequentes que possuem influência no serviço público federal, em vez de ignorar e negar, deve ser ouvir com atenção a insatisfação legítima das categorias para disputar os rumos do movimento. Não podemos admitir que o aparelhismo oposicionista utilize um movimento legítimo como massa de manobra na sua fúria, nem muito menos ter posição acrítica como sindicalistas, num adesismo governista vergonhoso. É preciso mostrar um caminho conseqüente para o movimento. E isso só se pode fazer na luta.
Cabe ao sindicalismo classista atuar no movimento grevista erguendo bem alto a bandeira da valorização do trabalhador do serviço público. Esta bandeira está em consonância com o projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalhador assinado pelas seis centrais, a Agenda da Classe Trabalhadora. Este projeto une, e pode motivar os servidores públicos, em sua maioria, estão cansados do sindicalismo panfletário que não deseja resolver os problemas da categoria, pois basta-lhe desgastar o governo federal. Este cansaço é um dos principais motivos da baixa adesão às greves.
Só na greve podemos contribuir com legitimidade para a reflexão sobe esse instrumento no serviço público. Como bem assinalou Nivaldo Santana, a greve de quem presta serviços à população tem dificuldade de se legitimar em longos períodos, com a tendência de que o apoio da população caia com o passar do tempo e os prejuízos decorrentes, por exemplo aos estudantes. Ainda assim, a UNE publicou nota de apoio à greve nas Universidades e a insere sua luta pela Reforma Universitária no contexto da greve.
A luta por maiores avanços na educação
A greve associada de docentes e funcionários acompanhada por greves estudantis é um elemento novo, mas extremamente frágil se não se vincula a bandeiras políticas mais amplas. Nossa atuação no movimento pode ser parte de uma luta maior que é impulsionar uma educação de qualidade que seja parte do novo projeto nacional de desenvolvimento. É no cenário da grande política que se abrem possibilidades de vitória para o povo e se evidenciam as limitações políticas do ultra-esquerdismo.
Os comunistas que atuam na FASUBRA, PROIFES e mesmo no ANDES, assim como em outras categorias do serviço público federal devem procurar harmonizar sua intervenção tanto quanto possível, valorizando o diálogo e a construção coletivas. Não há soluções fáceis, mas o desafio legítimo de crescer no sindicalismo do serviço público. Não podemos deixar à mercê da inconsequência esquerdista os jovens que ingressam em massa no serviço público em tempos de expansão das Universidades. A face do serviço público federal se torna mais jovem, o que avança ainda mais com de mais de 70 mil novas vagas no serviço público. Já nas categorias e na adesão à greve essa garra dos mais novos se expressa.
Somar forças
Precisamos somar forças e ampliar nossa influência num espaço importante da luta de idéias como a Universidade, criando sinergia para nossa força no movimento estudantil ampliar seus laços e projetar profissionais no movimento sindical de técnicos e docentes. Nossa omissão só abre espaço valioso para o esquerdismo, cuja ação hegemonista desgasta importantes instrumentos de luta da classe trabalhadora.
Temos atuação real na FASUBRA, no PROIFES e no ANDES, sem contar a UNE e a ANPG. Como interferimos no processo? Negando que ele existe ou procurando disputá-lo? A solução concreta para o impasse não passa pelo simples desejo de que as coisas mudem. Precisamos contribuir para que se reúnam elementos objetivos capazes de promover a mudança. A greve é real, crescente e ampla. Tem elementos novos e interessantes, se comparada ao movimento paredista do ano passado. A palavra de ordem dos classistas deve ser disputar os rumos da greve procurando transformá-la num instrumento efetivo de luta pela valorização do trabalhador do serviço público como resposta a crise econômica. Os trabalhadores não podem pagar pela crise.
Igor Pereira é geógrafo, servidor da URGS e suplente da Direção Nacional da Fasubra.
Paulo Vinícius Silva, Sociólogo e bancário é Secretário Nacional de Juventude da CTB.