O jornalista cubano Ariel Terrero (editor chefe de Informação Nacional da revista Bohemia, comentarista econômico da revista televisiva Buenos Dias e integrante da presidência nacional da União de Jornalistas de Cuba-UPEC) esteve no Rio de Janeiro, onde participou de um seminário sobre o passado, presente e futuro da ilha caribenha. A atividade, onde foram analisadas sobretudo as perspectivas da economía cubana, que passa por grandes transformações, não foi acompanhada por nenhum veículo da grande mídia, e praticamente só há informação a respeito divulgada por agências internacionais de notícias.
O editor da mais antiga revista do continente em língua espanhola – 102 anos – conversou com jornalistas brasileiros e colocou questões relevantes sobre o momento atual cubano e que em síntese reproduzimos no Observatório da Imprensa.
Segundo Ariel Terrero, “vários amigos brasileiros disseram que estavam preocupados com o processo de mudanças na política econômica em meu país, que terá um momento de definição no VI Congreso do Partido Comunista de Cuba, a ser realizado de 16 a 19 de abril. Eu respondi que os cubanos também estávamos muito preocupados. Seríamos irresponsáveis se não estivessemos”.
Assinalou que “do que decidiremos dependerá o que chamamos de atualização do modelo econômico cubano e o aperfeiçoamento de um socialismo que vamos continuar defendendo e que depende a nossa vida e a de todos os cubanos” .
Participação popular
No entendimento de Terrero, “por tratar-se, justamente, de um processo de tão profundo alcance econômico e de tal magnitude social, o Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social do país, tema central do congresso partidário, foi precedido de debates com a participação de toda a sociedade”.
“A discussão dessas diretrizes teve lugar em assemléias e reuniões em todos os centros de trabaho, células de base do Partido, e em todas as comunidades”, disse
Terrero explicou que a participação dos cubanos nos debates foi significativa – segundo cifras mais recentes, alcançaram cerca de 70 por cento dos 11 milhões de habitantes da ilha, que participaram, opinando, sugerindo mudanças ou novas diretrizes. “Do consenso social sairão provavelmenmte variações e novas idéias que enriquecerão essa plataforma de transformações econômicas”, observou.
O Projeto de Diretrizes, lembra Terrero, nasceu de outro grande debate popular posterior ao discurso pronunciado pelo Presidente Raúl Castro, em 26 de julho de 2007.
Ariel Terrero enfatizou que, diante de uma conjuntura de participação social tão vasta, a imprensa cubana não poderia permanecer à margem. “Aos jornalistas nos correspondeu um papel fundamental e também de muito cuidado. A televisão, o rádio, os meios de comunicação impressos e os digitais divulgaram as assembleias e deram seguimento ao amplo debate popular, para alimentar, estimular o processo de discussão, mas sem tentar manipular as tendências da opinião popular”, disse.
Visão crítica
Antes mesmo dos debates, assinalou o editor nacional da revista Bohemia, a imprensa veio explicando, comentando ou analisando as transformações da economia, que começaram há vários anos. “As Diretrizes que devem ser aprovadas no VI Congresso do Partido apenas procuram oferecer maior coerência e integração a esse processo de mudanças, como antes comentaram analistas da imprensa”, observou.
A TV e os jornais tiveram papel de destaque nesta fase. “Na televisão cubana e nos jornais, por exemplo, apareceram reportagens críticas, de muita repercussão social, sobre os freios que tiveram os agricultores no sistema de comercialização”, comentou
Ainda segundo Terrero, “o governo adotou medidas para fortalecer a atividade agropecuária e a produção nacional de alimentos, como a entrega de terras em regime de usufruto, o incremento de preços aos produtores e, mais recentemente, a abertura de microcréditos. Essas medidas conseguiram animar moderadamente as produções agropecuárias, mas tropeçaram diante da demora de mudanças mais profundas em outras áreas da economía, como o comércio”.
Esse obstáculo, comentou Terrero, foi criticado duramente pelos jornalistas e pela imprensa cubana de um modo geral. “Eu acho que foi uma contribuição, um alerta, no sentido de que as Diretrizes se proponham também a uma maior transformação nos mecanismos de comercialização agropecuária”, disse, acrescentando: “nos debates internos da imprensa, os jornalistas soubemos ser críticos e autocríticos pelas insuficiencias no trabalho de informação econômica em Cuba. Mas as nossas insatisfações não têm nada que ver com os estereótipos ridículos que se colocam sobre a falta de liberdade de expressão”.
Para Ariel Terrero, “o processo de discussão popular das Diretrizes Econômicas é uma demonstração de democracia fundamentada no coletivo, na participação popular e no consenso social. A imprensa divulgou as opiniões mais diversas dos participantes das assembleias, sobre aspectos muito sensíveis para os cubanos, como os altos preços de alguns produtos, os insuficientes níveis salariais, estruturas pouco eficientes em algumas empresas e a dualidade monetária, entre outra questões”.
O editor finalizou afirmando que “as transformações econômicas iniciadas ou por vir colocaram fortes questões para o país. Nesse contexto, fica para a imprensa cubana uma tarefa difícil e de muita responsabilidade: acompanhar as mudanças, explicar e analisar as medidas, criticar as insuficiências, reproduzir critérios populares que apontam hoje no sentido de aperfeiçoar o socialismo e não de abandoná-lo”.
Publicado no portal Observatório da imprensa, por Mário Augusto Jakobskind