Há 80 anos, o escritor Jorge Amado (1912-2001) publicava seu primeiro livro, “O País do Carnaval”, relançado neste mês pela Companhia das Letras. Com 18 anos, produziu um romance com pouco do colorido e da brasilidade que marcariam sua obra futura, mas inaugurou ali uma produção literária que mudaria para sempre o mercado editorial brasileiro.
Ao longo da carreira, com 45 livros publicados, a maioria romances, vendeu 20 milhões de exemplares no Brasil e foi traduzido em 55 países, onde, estima-se, tenha vendido 60 milhões de livros.
Isso fez dele o escritor brasileiro de maior público, só superado por Paulo Coelho. Apesar do feito, Amado nunca conseguiu romper a resistência da crítica especializada e sobretudo do meio acadêmico.
Dez anos após sua morte, e a um ano do centenário de nascimento, o descompasso entre seu sucesso com o público e a resistência da crítica permanece.
“Em 35 anos de magistério, só conheci um professor que se ocupou dele. Também ignoro a existência de teses ou dissertações sobre sua obra. Caiu sobre ele aquele anátema do ‘não li e não gostei'”, diz o crítico literário e membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) Antônio Carlos Secchin.
Além da desconfiança recorrente no meio acadêmico em relação aos escritores de sucesso, duas críticas grudaram em sua obra.
Uma, de que a primeira fase de sua produção, que vai de “O País do Carnaval” a “Os Subterrâneos da Liberdade” (1954), período de sua militância comunista, seria excessivamente engajada, o que tornava os livros muito esquemáticos, fragilizando a composição.
A outra, de que sua segunda fase, inaugurada com “Gabriela” (1958), acabou derivando para uma literatura simplista, de pouca densidade psicológica.
Fórmula “populista”
“A crítica que se faz é que ele adotou uma fórmula populista, criando uma imagem de Brasil mulato onde as relações se resolvem por meio da ginga, mas que no fundo mascara todas as contradições da realidade”, diz o crítico Alcir Pécora.
Desde os anos 1940, a obra de Jorge Amado divide os intelectuais. Mário de Andrade o criticava por ser caudaloso, mas pouco esforçado em seu texto. De uma forma geral, os modernistas entendiam sua obra como um retrocesso, já que não promovia inovações de linguagem e não se abria a várias interpretações.
“Ele retomou o folhetim romântico do século 19. Mas conseguiu arrastar multidões com isso e criou público para o romance brasileiro”, diz Eduardo de Assis Duarte, professor da Faculdade de Letras da UFMG.
Os intelectuais que vão em sua defesa sustentam que a fluidez, o apelo público e a capacidade de criar personagens – são mais de 3.000, alguns deles incorporados ao imaginário brasileiro – são qualidades que o habilitam a estar entre os maiores da língua portuguesa.
“O livro pode ter densidade psicológica e ser um péssimo romance. Jorge Amado permitiu que muitos leitores gostassem de literatura e se reconciliassem com os temas nacionais”, diz o escritor João Ubaldo Ribeiro.
Para o cineasta Cacá Diegues, que adaptou para o cinema o livro “Tieta do Agreste”, o escritor foi quem melhor entendeu a sociedade brasileira. “Ele é o nosso Dickens, o nosso Balzac”, diz.
Lilia Schwarcz, coordenadora editorial da Companhia das Letras, ressalta seu lado como pensador e intérprete do Brasil. “É uma leitura do país que continua viva porque continua a incomodar”, diz.
Seu público também não arrefeceu. Em três anos na Companhia das Letras, Amado vendeu 800 mil exemplares, mais que qualquer outro autor da editora.
Sua filha, Paloma Amado, diz que, nos últimos dois anos, assinou contratos para reedições de livros em russo, chinês, coreano e turco.
“Durante muito tempo ele fez sucesso nos países ligados ao bloco comunista porque, como membro do Partido Comunista, seus livros não tinham tanto problema com a censura. Mas sua projeção deve-se, em primeiro lugar, ao fato de ser muito bom, e depois por ter conseguido que seu regionalismo se tornasse universal”, diz.
Fonte: 24 Horas News