Vinte e quatro meses. Esse é o prazo para o Brasil dar o primeiro passo no valioso mercado de lançamento de satélites. No primeiro semestre de 2010, a empresa binacional Alcantara Cyclone Space (ACS)– uma joint venture brasileira e ucraniana – deverá lançar do Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão, o foguete Ciclone IV, carregando um satélite japonês. O primeiro “cliente” será o Laboratório de Sistemas Espaciais Inteligentes da Universidade de Tóquio, que está construindo o satélite científico Nano-Jasmine .
Em entrevista à Revista Espaço Brasileiro, o diretor-geral da parte brasileira da ACS, Roberto Amaral, explica que a parceria Brasil-Ucrânia é uma excelente oportunidade para assegurar a autonomia em um setor estratégico como o espacial. “Esse potencial se deriva do fato da ACS, além de atender à demanda dos dois países instituidores, ingressar no mercado mundial de satélites, disputando um investimento estimado de 14 bilhões de dólares em um período de 10 anos”. Estima-se que a ACS deverá absolver cerca de 30% desse mercado.
A binacional Alcantara Cyclone Space começa a dar seus primeiros passos neste ano. Quais são as perspectivas para a empresa? Já foram estabelecidos metas e prazos?
Roberto Amaral – A possibilidade de criação de uma empresa no moldes da Alcantara Cyclone Space começou a ser pensada em 1999, embora o Programa Espacial Brasileiro, que caminha a passos perigosamente lentos, tenha mais de 30 anos.
A ACS foi criada pelos governos do Brasil e da Ucrânia em 21 de outubro de 2003, pelo artigo 3º do Tratado de Cooperação de Longo Prazo entre os dois países, mas somente em 2007 é que efetivamente começou a ser montada, com a publicação de seu Estatuto e a nomeação do diretor-geral brasileiro.
A ACS é o encontro de interesses entre Brasil e Ucrânia. Nosso país ainda não possui um veículo lançador, e sua base de lançamento é, hoje, um mero projeto. A Ucrânia desenvolveu, com extraordinário sucesso, a família de foguetes Cyclone, mas não pode ter uma base de lançamento em seu território por limitações de fronteira. Já o Brasil possui uma excelente localização para lançamentos, em Alcântara, no Maranhão e em grande parte do Nordeste, pela sua localização próxima do Equador, o que lhe permite lançamentos com uma economia de até 30% de combustível.
A Ucrânia está desenvolvendo o Cyclone 4, que será por algum tempo o topo da linha Cyclone. O Brasil desenvolverá toda a infra-estrutura terrestre, e a ACS montará a plataforma de lançamentos. Reunindo os investimentos da ACS e os do CEA podemos estimar em um bilhão de reais os recursos que serão aplicados em Alcântara. Refiro-me apenas a investimentos diretos, sem computar, portanto, aqueles decorrentes da própria vida da base, dos campi universitários de ensino e pesquisa e dos campi tecnológicos, atraindo indústrias limpas e de ponta, transformando o Maranhão no principal centro espacial da América Latina.
A meta estabelecida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aceita pelo governo ucraniano prevê o primeiro lançamento do Cyclone 4 no curso do primeiro semestre de 2010. Mas são muitas as dificuldades. Nenhuma de ordem técnica ou tecnológica, quase todas derivadas de dificuldades impostas pela administração pública, de que dependemos, para quase tudo.
Gostaria que o senhor esclarecesse qual a importância da instalação dessa empresa para o Brasil.
A dieta de recursos orçamentários das últimas décadas impediu que o programa espacial brasileiro se desenvolvesse para aproveitamento do diferencial representado pela localização geográfica de Alcântara e, principalmente, para atender às nossas necessidades estratégicas.
Montar e gerir seu próprio programa espacial é fundamental para nosso País. O avanço das telecomunicações (que exige satélites) e a necessidade de rastrear fronteiras, meio-ambiente e meteorologia, a demanda por satélites e pela independência no acesso às informações por eles coletadas tornam cada vez mais relevante nosso programa. Aproveitar a oportunidade representada pela parceria Brasil-Ucrânia para assegurar essa autonomia, aliada ao grande potencial de negócios e geração de divisas representado pela binacional é, assim, uma prioridade que não pode ser ignorada. Esse potencial de negócios deriva do fato de a ACS, além de atender à demanda dos dois países instituidores, ingressará no mercado mundial de satélites, disputando um orçamento estimado de 14 bilhões de dólares americanos em um período de 10 anos. Em particular, acredita-se ser possível absorver algo na ordem de 30% deste mercado, ou seja, gerar uma receita de aproximadamente 4 bilhões de dólares em um horizonte de 10 anos.
Relembro que os investimentos destinados ao sítio de Alcântara, no Maranhão, não visam exclusivamente à implantação da ACS.
A ACS irá fornecer serviços de lançamentos de satélites. Que tipo de satélite poderá ser levado pelo foguete Cyclone 4?
A missão da ACS é, efetivamente, lançar satélites. Este é um mercado extremamente competitivo. O custo de um lançador está relacionado ao custo de um satélite. Por exemplo, um satélite de 600 kg, em órbita a 800 km da Terra, tem custo estimado entre 15 a 25 milhões de dólares.
O foguete Cyclone 4, em construção, poderá colocar em órbita um satélite de até 5,3 toneladas em órbita baixa, de até 2 mil km da Terra, ou um satélite de até 1,8 toneladas em órbita de transferência geoestacionária, sendo que a órbita geoestacionária está a 36 mil km da Terra. O tipo de satélite que poderemos lançar vai depender do pedido de nossos futuros clientes.
Mas, retornando ao foco da sua pergunta, posso dizer que os clientes para este mercado são as TVs, internet e monitoramentos, como aqueles voltados às questões do meio ambiente: queimadas, desmatamentos, inundações, secas etc.
De qualquer modo, é interessante informar que o Brasil também pode fazer satélites. Existe o projeto Plataforma Multimissão (PMM), que está desenvolvendo uma espécie de satélite multifacetado, onde o interessado acopla o serviço que pretende ter, como monitoramento de queimadas, de clima ou qualquer outro. Mais especificamente, a PMM é uma plataforma que oferece os serviços básicos para um satélite e que pode receber formas diferentes de cargas-úteis, ou seja, instrumentação que pode desenvolver trabalhos específicos quando em órbita. Em 2011, o Brasil deve lançar o primeiro satélite deste tipo.
Como é o mercado mundial para esse tipo de lançamento? Quem são os prováveis clientes?
Esse mercado é disputado por Estados Unidos, Rússia, Japão, China, Índia, Israel e pela Comunidade Européia, esta última por meio do centro de lançamento de Kourou, na Guiana.
O principal mercado-alvo da ACS são os países da América Latina e do Hemisfério Sul de forma geral, além da África, que poderão beneficiar-se da redução de custos representada pela localização geográfica de Alcântara, a apenas dois graus ao sul da Linha do Equador.
Na América Latina, o Brasil é o país que mais desenvolveu o projeto espacial, uma imposição de seu território. Há uns 10 anos, a Argentina liderava, mas este cenário mudou. A Argentina não tem foguete lançador, mas participa da construção de partes de satélites.
Em média, quanto custa o lançamento comercial de um satélite? E de quanto é o investimento feito na ACS?
A primeira fase de implantação da ACS prevê investimentos de aproximadamente R$ 1 bilhão em Alcântara. Nesse valor estão previstos os custos de construção, por parte do governo federal, de um porto próximo ao sítio de lançamento; de implantação de infra-estrutura para o CEA e instalação de um pólo de tecnologia; de uma estrada estadual ligando o porto ao sítio e melhorando sensivelmente a comunicação entre as comunidades locais.
A construção do sítio de lançamento, com a plataforma e as instalações necessárias ao lançamento dos foguetes está orçada em US$ 105 milhões, dos quais cada país responde por 50%.
O foguete Cyclone 4 está sendo desenvolvido na Ucrânia, por um custo estimado de US$ 120 milhões, e será transladado para o Brasil para o primeiro lançamento, previsto para 2010. Este valor inclui o projeto de um novo terceiro estágio, a contratação da equipe de trabalho e todos os custos para o desenvolvimento e a produção do veículo lançador. Deve-se destacar que o primeiro lançamento, em 2010, é de qualificação do veículo e do centro de lançamento. O custo somente da produção de um foguete para fins comerciais é bem menor. De qualquer modo, dizer agora quanto custará um lançamento a partir da família Cyclone é prematuro.
Há alguma legislação que destine o dinheiro obtido pela arrecadação da ACS? Ele deverá ser destinado ao programa espacial?
A binacional tem estrutura paritária, sendo 50% de seu capital controlado por cada um dos governos participantes. Cada país receberá metade do lucro final das atividades da empresa. Ou seja, tanto os governos do Brasil como da Ucrânia receberão de volta, a médio prazo, os recursos que aplicaram na binacional. Cabe ao Governo Federal definir em seu orçamento como serão aplicados esses recursos.
Há alguma projeção de aquecimento da economia brasileira com o pleno funcionamento da ACS? Imagina-se que com a instalação da empresa será preciso contratar mão-de-obra brasileira, alguns serviços devem ser contratados pela indústria local.
Alcântara é um dos municípios mais pobres do Brasil, vivendo principalmente de repasses de verbas de fundos federais, e suas comunidades praticam essencialmente atividades de subsistência. A instalação da ACS permitirá, além dos investimentos em infra-estrutura – estradas, porto, escolas, hospital e fornecimento de energia – ,que as comunidades tenham acesso a um novo mercado de trabalho, sem prejuízo de suas características étnicas e culturais.
O projeto do CEA, do qual a ACS é parte, prevê o desenvolvimento de parcerias com entidades como Sesi, Senac e Sebrae, entre outras, no sentido de identificar o potencial econômico das comunidades, para melhor aproveitamento e crescimento da economia local.
Em relação à mão-de-obra especializada, como engenheiros e químicos, por exemplo, temos certeza de que a ACS abrirá um novo campo de trabalho para o Brasil, voltado para a Ciência e Tecnologia, aproveitando no País os nossos cérebros, muitos forçados a trabalhar no exterior por falta de mercado interno, além de incentivar a indústria nacional.
A implantação de um centro de lançamento do porte daquele do Cyclone 4 e a sua operação em bases comerciais resultarão, ainda, em transferência de tecnologia para o País uma vez que profissionais brasileiros e empresas nacionais irão necessariamente se capacitar para tais atividades. Deve-se destacar que a operação do Cyclone 4 vai exigir conhecimento e capacitação no tratamento de um veículo lançador muito maior do que aqueles, até o momento, considerados no País. Além disso, trata-se de um veículo lançador que utiliza uma tecnologia de propulsão líquida, que também é uma novidade no contexto do Programa Nacional de Atividades Espaciais.
Finalmente, existe a possibilidade de o empreendimento com a Ucrânia ser expandido no futuro, de forma a incluir o desenvolvimento conjunto de um veículo lançador de capacidade superior àquela do Cyclone 4. Neste caso, seria um desenvolvimento conjunto, portanto, contemplando a única forma efetiva de transferência de tecnologia em função do trabalho, lado a lado, de especialistas brasileiros e ucranianos, e com propriedade conjunta do veículo resultante. A possibilidade de desenvolvimento deste novo veículo, que por enquanto está sendo denominado Cyclone 5, ainda está nas fases iniciais de análise e, certamente, o prosseguimento neste empreendimento depende do sucesso alcançado com a efetivação do complexo de lançamento do Cyclone 4 em Alcântara.