Durante a Brazil Conference — evento realizado nos Estados Unidos, longe dos olhos da população brasileira e bem perto dos ouvidos do mercado financeiro — o economista Armínio Fraga propôs o congelamento do salário mínimo em termos reais por seis anos. A justificativa?
A velha e repetida promessa de equilíbrio fiscal. Mas a verdade por trás dessa proposta vai muito além de uma planilha de Excel: ela representa uma política deliberada de empobrecimento da base da sociedade para garantir o conforto dos detentores de títulos da dívida pública.
Fraga sustenta que o gasto com a folha do funcionalismo e com a Previdência consome 80% das despesas primárias do governo. A solução apresentada por ele é direta e brutal: reduzir os ganhos reais dos trabalhadores e, junto com eles, congelar os reajustes dos benefícios previdenciários, que são indexados ao salário mínimo. O objetivo não é apenas conter gastos — é gerar superávit primário para sinalizar ao mercado que o Brasil continua sendo um bom pagador. Ou seja, trata-se de priorizar a rentabilidade dos investidores em detrimento da sobrevivência de milhões.
A Técnica do Sacrifício Seletivo
O que se vende como responsabilidade fiscal é, na prática, uma escolha política. E como sempre, o sacrifício recai sobre os mesmos: os pobres, os aposentados, os trabalhadores de baixa renda. Congelar o salário mínimo é manter o Brasil numa espécie de servidão fiscal, onde a estabilidade da dívida vem à custa do prato de comida na mesa do povo.
É um velho truque: em vez de cortar privilégios, revisar renúncias fiscais ou taxar grandes fortunas, congela-se o salário mínimo, afeta-se diretamente o consumo das famílias e, por tabela, reduz-se a pressão inflacionária — tudo isso sem encostar um dedo nas classes mais altas. E o mais grave: paralisa-se a correção dos benefícios da Previdência, aprofundando o empobrecimento de aposentados e pensionistas, que já vivem com valores incompatíveis com o custo de vida.
As Alternativas que Nunca Entram na Conta
A pergunta que se impõe é simples: por que a conta do ajuste fiscal nunca é dividida com os mais ricos?
Subsídios Bilionários: O Brasil concede cerca de R$ 647 bilhões por ano em renúncias fiscais. Setores como o petroquímico, energético e agronegócio acumulam incentivos sem contrapartidas claras. Mas esses recursos são blindados sob o argumento da “competitividade”.
Sistema Tributário Injusto: O país tributa o consumo e a folha de pagamento com rigor, mas lucros e dividendos seguem praticamente intocados. A taxação de grandes fortunas é tratada como tabu, mesmo em um país com uma das maiores desigualdades do mundo.
Crescimento Sustentável Ignorado: O estímulo ao investimento em infraestrutura, inovação e educação poderia aumentar o PIB, ampliar a base tributária e melhorar a qualidade do gasto público. Mas pensar no longo prazo nunca foi o forte do receituário ortodoxo.
A Quem Serviria o Congelamento?
O congelamento do salário mínimo não é uma medida neutra, tampouco técnica. É uma decisão política que transfere renda de baixo para cima. Ao manter salários e aposentadorias achatados, o Estado brasileiro se compromete não com o seu povo, mas com os rentistas que acompanham, lupa em punho, os números do superávit primário. Um ajuste assim não é responsável — é cruel.
Responsabilidade Fiscal Sim, Cinismo Econômico Não
Responsabilidade fiscal não pode ser sinônimo de austeridade para uns e blindagem para outros. O Brasil precisa de equilíbrio, sim — mas equilíbrio que passe pela justiça tributária, pela revisão de privilégios e pelo combate ao desperdício, e não pela destruição do poder de compra dos que menos têm.
Se queremos construir um país fiscalmente estável e socialmente justo, é preciso parar de tratar o salário mínimo como inimigo do orçamento. O verdadeiro rombo está nos vazamentos silenciosos que beneficiam quem tem voz nos eventos internacionais, mas jamais senta no banco do transporte público ou enfrenta uma fila do INSS.