Além do discurso de posse, o ex-deputado e ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo (PT-PR) deu várias entrevistas ao longo de seus primeiros dias como novo ministro das Comunicações. As interpretações de suas falas e compromissos variaram de acordo com o interesse dos entrevistadores.
Dois exemplos: a Folha de S.Paulo [7/1] destacou em manchete de capa “Ministro defende proibição de que políticos tenham TV”. Já o Estado de S.Paulo [8/1] considerou mais relevante “enterrar” um plano que, se existe, ainda não foi sequer divulgado: “Bernardo enterra plano de regulação da mídia”.
De concreto, até agora, parece que o ministro está reunindo no ministério iniciativas e pessoas que estavam dispersas em diferentes setores do governo Lula e expressavam divergências internas em relação ao rumo de políticas públicas do setor: os programas de inclusão digital, o plano nacional de banda larga e o marco regulatório para as comunicações eletrônicas, por exemplo. Há muita coisa pela frente.
Arrisco sugerir ao novo ministro que, na radiodifusão, comece com uma providência básica: o recadastramento dos concessionários e o acesso público ao cadastro geral que venha a emergir deste recadastramento [ver, neste Observatório, “O direito à informação pública” e “Onde está a informação oficial?”].
“Terra de ninguém”: o exemplo do DF
Um bom local para começar o recadastramento seria o próprio Distrito Federal, bem ao redor da sede física do Ministério das Comunicações.
Em três matérias de capa consecutivas no seu caderno “Cidades” (dias 6, 7 e 8 de janeiro) o Correio Braziliense fez uma denúncia grave que envolve o suplente do ex-governador e senador relâmpago Joaquim Roriz (cinco meses), Gim Argello (PTB-DF), no exercício do cargo desde a renúncia do titular.
Segundo o jornal, o senador Argello, por intermédio de seu filho, estaria no controle, como arrendatário (?), da Rádio Nativa FM, desde abril de 2009. Além de beneficiária indevida de recursos públicos oriundos de emendas ao Orçamento da União, a emissora FM estaria também promovendo distribuição de prêmios a ouvintes fantasmas.
As matérias do Correio, no entanto, deixam de fazer um histórico sobre a Rádio Nativa, suponho que pela dificuldade de acesso aos dados.
Com alguma dose de paciência o interessado encontrará fragmentadas em diferentes sites da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informações que revelam: a Rádio Nativa FM é a antiga Rádio OK FM cuja concessionária é a “Brasília Comunicação Ltda”. Ainda está lá que os diretores são Lino Martins Pinto – fundador do Grupo OK, falecido em 2007 e pai de criação do ex-senador Luiz Estevão – o outro diretor e, de fato, proprietário da empresa.
Como se sabe, Luiz Estevão (PMDB-DF), com mandato entre 1988 e 2000, o único senador cassado pelo Senado Federal, foi acusado de envolvimento no desvio de R$ 169 milhões nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
O mais intrigante, todavia, é que a antiga Rádio OK FM – hoje Nativa FM –, segundo os dados da Anatel [consultados aqui, em 9/1/2011], está com a concessão vencida desde o dia 12 de junho de 2001. Seu funcionamento é, portanto, irregular.
MiniCom e Conselhos
As várias irregularidades denunciadas em relação à Radio Nativa FM – não por acaso, envolvendo um ex-senador e um senador da República – são apenas um exemplo do tipo de coronelismo eletrônico que ainda prevalece na radiodifusão do país.
Há poucos meses, aqui mesmo no Observatório e ainda em relação a Brasília, tentamos desvendar a real situação das emissoras de rádio e televisão controladas por outro político, o ex-vice governador e governador Paulo Octávio, que renunciou por ocasião do escândalo conhecido como Caixa de Pandora [ver “A terra de ninguém” e “Sobre a cartografia da terra de ninguém”].
A posse do novo ministro das Comunicações alimenta a expectativa de que, ao lado de outras prioridades, o caos generalizado nas concessões e as relações espúrias entre políticos no exercício do mandato e o serviço público de radiodifusão serão enfrentados.
O recadastramento seria um excelente começo.
Por outro lado, a posse de novos governadores nos estados brasileiros recoloca em pauta a criação dos Conselhos de Comunicação Social. O debate do tema certamente deve começar pelos estados onde esses conselhos já estão previstos nas respectivas Constituições e/ou Leis Orgânicas.
No Distrito Federal, ganha corpo um movimento para que seja regulamentado o Artigo 261 da Lei Orgânica, aprovada em 1993, que prevê a criação do Conselho de Comunicação Social do DF.
Uma das funções desses conselhos seria colaborar na fiscalização do cumprimento das leis por parte dos concessionários locais do serviço público de radiodifusão.
Talvez assim, e com o acompanhamento efetivo do MiniCom, a vigilância organizada da cidadania pudesse evitar a continuidade de situações absurdas como as acima descritas.
A ver.
Venício Lima * é professor de Ciência Política e Comunicação da UnB