Por Marcos Aurélio Ruy
Desde 1992, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha em 25 de julho. A data foi criada no 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, na República Dominicana. Com o objetivo de chamar a atenção de todos, o encontro contou com a participação de mais de 300 representantes de 32 países para debater a luta por igualdade racial e de gênero.
No Brasil, nessa data, também é comemorado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Uma escravizada, líder do Quilombo do Piolho no século 18, onde hoje é o estado de Mato Grosso. Tereza apavorou a corte portuguesa, e o quilombo, como muitos outros, foi exterminado. Mas a luta da líder das trabalhadoras negras da época permanece viva ainda hoje.
Com muitos avanços, a situação das mulheres latino-americanas permanece opressora e violenta, porque como mostra a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), 25,3% das mulheres da América Latina não têm renda própria. “Além de serem as primeiras a perder o emprego e as últimas a se realocarem”, afirma Lucimara Cruz, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Para Lucimara, este é o momento de o “movimento sindical olhar para a desigualdade de gênero e raça” para “compreender que a luta pelos direitos das mulheres faz parte da luta de classes para a construção da sociedade da classe trabalhadora, a sociedade socialista”.
Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB, destaca a imensa desigualdade entre mulheres e homens na questão do trabalho doméstico não remunerado. Isso porque, de acordo com a Cepal, as mulheres dedicam o triplo dos homens nessa atividade. Para piorar há 118 mulheres em situação de pobreza e 120 mulheres em pobreza extrema para cada 100 homens nessa situação.
E isso “tira a possibilidade de mais mulheres no mercado de trabalho, criando dependência de seus parceiros”, dificultando “a luta por emancipação e igualdade de direitos”, argumenta Celina.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras representam 28,5% da população brasileira, pouco mais de 60 milhões de pessoas, constituindo 28,4% da população economicamente ativa que, além de chefiarem a maioria das famílias, ainda permanecem na base da pirâmide social.
E os cuidados com a casa também tiram as mulheres negras do mercado de trabalho, pois 31,8% delas estão sem trabalhar para cuidar de filhos ou outros parentes. Em relação às mulheres brancas, esse percentual é de 27%. A desigualdade aparece também nas escolas. A população adulta negra, seja homem, seja mulher, sem nenhum ensino ou sem ter completado o ensino fundamental, é de 35%. Já entre os brancos, o percentual fica em torno de 25%.
Outros dados importantes sobre os quais Raimunda Leone, secretária adjunta de Igualdade Racial da CTB, chama a atenção: segundo o IBGE, as mulheres negras entre 18 e 29 anos tiveram uma taxa de desemprego três vezes maior que a dos homens brancos em nossas terras em 2023.
Isso demonstra “a força do racismo estrutural predominante no país”, acentua. Os dados confirmam a fala de Raimunda. As mulheres negras na faixa etária acima citada contam com uma renda 47% menor em relação à dos brancos na mesma faixa etária. Além disso, dos 14 aos 29 anos, as mulheres e meninas negras dedicam quase o dobro de tempo aos afazeres domésticos sem remuneração.
Para Raimunda, “as mulheres negras enfrentam dupla discriminação” são “inviabilizadas pelo racismo e pelo sexismo, sendo as maiores vítimas de assédio moral e sexual no trabalho, e ainda ficam com as piores remunerações e os piores trabalhos”.
E mesmo com o retorno das políticas públicas por igualdade de direitos do governo Lula, os dados permanecem alarmantes. Como mostra o projeto Mude com Elas, da Ação Educativa, Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo), as jovens mulheres negras tiveram, em 2023, uma taxa de desemprego de 18,3%, enquanto os homens brancos na mesma faixa representaram 5,1%.
Enquanto o salário médio da população foi de R$ 2.982, o das jovens negras foi de R$ 1.582, no ano passado. Em relação aos homens brancos, no mesmo período, as jovens negras receberam quase três vezes a menos, com a renda média dos jovens brancos chegando a R$ 4.270.
Essa situação reflete a baixa representatividade das mulheres, dos negros e mais ainda das mulheres negras na política, afirma Tereza Bandeira, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Estado da Bahia e da União Brasileira de Mulheres baiana, “a melhoria de vida das pessoas ainda não nos levou a uma transformação de fato na consciência coletiva” o que mantém “uma fatia de 70% de conservadores no Congresso Nacional”.
Na visão de Tereza, “essa baixa representatividade de mulheres negras nos espaços de poder reflete diretamente nas casas das mães solo e de meninas que crescem enfrentando o racismo estrutural e toda violência disso recorrente”.
A secretária da Mulher da CTB-ES. Gleicy Blank acredita que “a nossa luta por igualdade de gênero e de raça significa a nossa luta por um futuro melhor para toda a nossa juventude, que hoje enfrenta violência, discriminação e falta de perspectivas”.
Ela, que também é dirigente da Federação Interestadual de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, afirma que “a luta pela emancipação das mulheres e contra a discriminação racial e de gênero representa um passo para a conquista de uma sociedade mais justa e igual”.
Isso porque “as mulheres negras enfrentam os dilemas da mentalidade escravocrata que predomina em nossa sociedade patriarcal”, diz Terezinha Fernandes, secretária da Mulher da CTB-AC. Ela se baseia nos dados do mercado informal, levantados pelo projeto Mude com Elas, onde as jovens negras eram 44% de quem trabalha com carteira assinada, porcentagem similar à dos jovens negros (43,3%). Enquanto os jovens brancos, ficaram por volta dos 50%.
Para mudar essa situação, Lucimara reforça a necessidade de unidade entre os movimentos negros e feministas porque “não podemos separar em nossos corpos o fato de sermos mulheres e negras”.
Porém, afirma Lucimara, “a luta contra a desigualdade não pode ser enfrentada somente pelos movimentos negros e feministas”, pois “essa luta é de toda a sociedade e para isso se tornar realidade precisamos da atuação firme e forte do movimento sindical”.
Como afirma Ângela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.