Em 2024, se completam 200 anos desde que foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, uma jornada marcada por avanços, desafios e conquistas no âmbito dos direitos sociais e trabalhistas. Para marcar esse bicentenário, o TST promove a exposição “Constitucionalização dos Direitos Trabalhistas – 200 anos de Constituinte”, que fica aberta ao público até esta sexta-feira (21), das 9h às 17h.
“A história e a memória são instrumentos de extrema importância para, ao relembrar o passado, nos dar luzes para o nosso caminhar em direção ao porvir, ao futuro”, afirma o ministro Evandro Valadão Lopes, presidente da Comissão de Documentação do Tribunal Superior do Trabalho e coordenador do Comitê Gestor do Programa Nacional de Resgate da Memória da Justiça do Trabalho.
Para ele, o compromisso com a memória e a história é importante na defesa de um futuro comprometido com as igualdades, a liberdade e a dignidade do ser humano. “Um futuro em que se possa dizer que trabalhamos para uma sociedade mais fraterna e mais solidária”, complementa.
Conheça, a seguir, alguns marcos das transformações legais que buscaram, com o avançar da história, garantir condições de trabalho mais dignas e que são detalhados na exposição do TST.
Constituição de 1824
Foi uma Constituição outorgada no Brasil Império, quando predominava a mão de obra escravizada. Ela não prevê em seu texto direitos trabalhistas e sociais.
“Embora tenha estabelecido bases para organização do estado brasileiro, ela ignorou e silenciou por completo as questões que tratavam da escravidão, uma realidade que marcou profundamente a história do Brasil e deixou até hoje cicatrizes e marcas que reverberam na nossa sociedade”, analisa o ministro.
Apesar disso, o advogado Luiz Gama utilizou a Constituição para ressignificar a luta antiescravista. A partir do artigo 179, que tratava da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos brasileiros, juntamente com a lei de 7 de novembro de 1831, que proibia a importação/tráfico de escravos, ele passou a exigir liberdade para os escravizados através de habeas corpus em casos de violência física.
Seu legado só foi reconhecido postumamente. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil o reconheceu como advogado. Em 2018, ele foi declarado patrono da abolição da escravidão no Brasil e seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.
Constituição de 1891
Resultado de uma mudança conjuntural que incluiu a abolição da escravatura em 1888 e a Proclamação da República em 1889, essa Constituição impactou e condensou mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas no país no final do século XIX.
No âmbito dos direitos sociais e trabalhistas, a Constituição de 1891 garantiu o livre exercício de qualquer profissão. Porém, nada foi feito para garantir reparação e promover a inclusão de homens e mulheres pretos no mercado de trabalho.
Além disso, as vozes das lideranças operárias e parlamentares que propuseram e defenderam projetos de amparo ao trabalhador foram silenciadas, impedindo a efetivação de medidas mais significativas nesse sentido.
Nesse período, porém, destacou-se a atuação de Rui Barbosa para alterar a legislação e proteger direitos sociais.
“Houve uma forte discussão entre os atores políticos na defesa de normas positivadas para a proteção aos direitos sociais e para incluir a proteção dos trabalhadores”, lembra o ministro Evandro Valadão.
Constituição de 1934
A Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho, foi a primeira a conter, em seu texto, a garantia de direitos para trabalhadores, deixando claro o objetivo de promover a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos.
Isso decorreu de um contexto histórico: entre as décadas de 1910 e 1930, impulsionado pela urbanização e pela industrialização, o Brasil viu eclodir greves, protestos e a luta de trabalhadores e das mulheres reivindicando direitos e melhores condições de vida. O debate se tornou ainda mais intenso após a assinatura do Tratado de Versalhes e a entrada do Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas em 1919.
Em 1930, Getúlio Vargas subiu ao poder, o que marcou um ponto crucial na história do país, por consolidar muitos dos avanços trabalhistas que vinham sendo arduamente reivindicados.
A Constituição de 1934 previu:
a proibição da diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
salário mínimo;
jornada diária de oito horas;
proibição do trabalho para menores de 14 anos e do trabalho noturno para menores de 16;
repouso semanal;
férias anuais remuneradas;
indenização em caso de demissão por justa causa.
As mulheres entraram na cena política e foram decisivas. Com isso, a Constituição:
acabou com a restrição ao trabalho para mulheres casadas;
previu descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego;
e garantiu igualdade salarial pelo mesmo trabalho e igualdade de acesso a carreiras públicas por meio de concurso.
Também reconheceu as convenções coletivas e tratou da garantia de assistência médica aos trabalhadores e da criação da previdência – mediante contribuição da União, do empregador e do empregado – para a velhice e para casos de licença-maternidade, acidentes de trabalho, invalidez e morte.
A Constituição de 1934 marca, ainda, a criação da Justiça do Trabalho.
Constituição de 1937
Em 1937, inaugurou-se o período ditatorial chamado de Estado Novo. A Constituição outorgada em 10 de novembro daquele ano proibiu o direito de greve, comprometendo o exercício de direitos trabalhistas.
Entretanto, a ideia de criação de uma Justiça do Trabalho foi mantida, o que acabou acontecendo em maio de 1941.
O texto tratou de direitos trabalhistas. Mas, na prática, eles foram ampliados e assegurados por outro instrumento: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), publicada em 1943.
Por outro lado, a ação dos sindicatos e das representações trabalhistas se mostrou, na prática, bastante enfraquecida, o que impactou a luta por direitos dos trabalhadores.
Para se ter uma ideia, um dos artigos da Carta diz que a greve, assim como o lock-out, “são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
Em 1946, no início de um novo período democrático após a Ditadura Vargas, a Assembleia Nacional Constituinte elaborou uma nova Constituição, promulgada naquele ano.
Ela instituiu:
a Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário brasileiro;
e o Tribunal Superior do Trabalho como instância máxima para julgar matérias relativas ao direito do trabalho no país, um marco para a construção dos direitos sociais e trabalhistas.
Também foram introduzidos novos direitos para os trabalhadores, como:
adicional noturno;
repouso semanal remunerado;
participação nos lucros da empresa;
retomada do direito de greve e liberdade de atuação dos sindicatos.
Constituição de 1967
Com o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, o Brasil mergulhou novamente no autoritarismo. No âmbito trabalhista, foi eliminada a estabilidade após 10 anos de serviço na mesma empresa e restringiu-se o direito de greve. O arrocho salarial foi adotado como política econômica.
Apesar das medidas repressivas, a Constituição de 1967 incluiu alguns artigos importantes, como a valorização do trabalho como condição de dignidade humana, e assegurou direitos aos trabalhadores visando à melhoria social.
Também se reconheceu a atuação da Justiça do Trabalho enquanto uma das poucas saídas – por vezes, a única – para que o trabalhador conseguisse, de alguma forma, assegurar seus direitos.
Constituição de 1988
Passados os anos de repressão, a Constituição de 1988 tornou-se o principal símbolo do processo de redemocratização nacional, fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte e da colaboração de diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Ela deu ênfase inédita aos direitos sociais e trabalhistas, reconhecendo a relevância de garantias fundamentais para o bem-estar coletivo e a equidade, a fim de assegurar condições dignas de vida a todos os cidadãos.
O ministro Evandro Valadão destaca que a Constituição de 1988 traz grandes avanços e profundas inovações na garantia e no resgate dos direitos individuais e das minorias. “Ela foi uma resposta à supressão de garantias individuais durante o regime militar”, assinala. “No artigo 5º, conferiu-se o status de cláusula pétrea aos direitos e deveres individuais e à igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, a livre manifestação do pensamento, a inviolabilidade, a liberdade de consciência e de crenças, sendo assegurado o livre exercício de cultos religiosos e a proteção aos locais de cultos e suas liturgias”.
Já o artigo 6º da Constituição consagrou direitos sociais à educação, à saúde e ao trabalho.
O artigo 7º constitucionalizou o rol de direitos trabalhistas e unificou os direitos de trabalhadores urbanos e rurais;
limitou a jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais;
majorou as horas o valor do adicional das horas extras para 50%, acima da hora normal;
ampliou a licença maternidade para 120 dias.
A Constituição ainda firmou bases para a proteção de populações vulneráveis. “O artigo 3º fala da promoção do bem de todos como um dos objetivos da República, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade. Portanto, a Constituição de 1988 é pródiga em normas, e regramentos que objetivam resguardar e proteger direitos e garantias das minorias”, lembra o ministro.
Outro ponto importante foi estabelecido no artigo 8º, que tratou da liberdade sindical, e no artigo 9º, sobre o direito de greve.
Direitos dos trabalhadores urbanos e rurais assegurados pela Constituição Federal de 1988:
emprego protegido, seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo, piso salarial, irredutibilidade do salário, salário não inferior ao mínimo para remuneração variável, décimo terceiro, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, proteção do salário, participação nos lucros, salário-família, jornada de 8 horas diárias, jornada de 6 horas para trabalho em turno ininterrupto, repouso semanal remunerado, remuneração de hora extra, proibição de discriminação, proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo como aprendiz a partir de 14, férias anuais remuneradas, licença à gestante e paternidade, proteção do mercado de trabalho da mulher, aviso prévio, redução de riscos, adicional para atividades penosas, insalubres ou perigosas, aposentadoria, auxílio creche e pré-escola, reconhecimento de convenções e acordos coletivos, proteção em face da automação, ação com limite de 2 anos após extinção do contrato, seguro contra acidentes de trabalho, igualdade de direitos entre trabalhador permanente e avulso, proibição de distinção entre profissionais e de diferença de salário por sexo, idade, cor ou estado civil
Fonte: Nathalia Valente/CF – Secom TST