Nobel de Economia Esther Duflo apresentará no G20 proposta de direcionar recursos a fundo com ‘gatilho climático’ para transferências diretas
Por Anaïs Fernandes — no Valor
A combinação de uma alíquota maior do imposto mínimo sobre multinacionais a um novo imposto internacional sobre bilionários poderia, facilmente, arrecadar o valor para países ricos pagarem a “dívida moral” que têm com os mais pobres, devido ao efeito de suas emissões nas mudanças climáticas e o impacto majorado delas sobre populações vulneráveis.
Essa é a proposta que a economista francesa Esther Duflo, vencedora do Nobel de Economia de 2019, levará a um jantar com ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais do G20 nesta quarta-feira em Washington, nos Estados Unidos, a convite do Brasil, que está na liderança rotativa do grupo.
A partir de dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), do Global Impact Lab e das estimativas feitas pela economista Tamma Carleton (Universidade da Califórnia) e colegas, Duflo calcula que a Europa e os Estados Unidos causam, devido a suas emissões, US$ 518 bilhões de danos todos os anos a países de renda baixa e média apenas de vidas perdidas.
“Quanto mais rica uma pessoa é, mais ela consome, e esse consumo gera emissões, mas não necessariamente no local onde ela mora”, observa Duflo no estudo.
Negociações globais indicam que países mais ricos e influentes não concordarão com contribuições obrigatórias, alocando suas receitas em outras nações, reconhece a economista. Por outro lado, diz, progressos têm sido feitos no sentido de maior colaboração na taxação internacional.
Em 2021, acordo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu em 137 países uma taxação mínima de 15% sobre o lucro das grandes multinacionais – alíquota que Duflo considera baixa.
Além disso, o Brasil introduziu na primeira reunião de ministros das Finanças do G20, em fevereiro de 2024, os debates para uma taxação mínima global das riquezas de pessoas físicas.
Duflo cita o Observatório Fiscal da União Europeia – dirigido pelo economista francês Gabriel Zucman, que também foi convidado a falar ao G20 neste ano -, segundo o qual um imposto de 2% sobre cerca de 3 mil das pessoas mais ricas do mundo arrecadaria mais de US$ 200 bilhões ao ano.
A ideia de Duflo é que essas duas novas taxas, juntas, angariariam anualmente quase todo o valor que os EUA e a Europa “devem” aos cidadãos de nações mais pobres.
Esses recursos seriam usados para financiar um fundo direcionado aos países de baixa e média renda, que Duflo chama de “Fundo de Perdas, Danos e Adaptação” (LDA, da sigla em inglês). A criação de um fundo do tipo foi aceita na Convenção do Clima das Nações Unidas de 2022 (COP27) e ratificada em 2023, mas foi decidido que as contribuições seriam voluntárias. A experiência, diz Duflo, mostra que isso não funciona.
Na COP de 2015, ela lembra no estudo, foi assumido o compromisso de transferir US$ 100 bilhões todos os anos para ajudar a transição de carbono nos países pobres. Não só esse compromisso nunca foi cumprido – o nível anual mais elevado foi de US$ 83 bilhões em 2020 – como 67% do que foi arrecadado foi gasto em mitigação, que beneficia o mundo inteiro, e 72% do total foi de empréstimos, não doações, observa.
Emprestar dinheiro a esses países pode ser uma ideia interessante para acelerar a transição climática, “mas não é assim que os cidadãos ricos do mundo devem compensar os cidadãos pobres pelos danos que lhes estão infligindo”, afirma Duflo no documento.
Como compensar diretamente cada vítima das mudanças climáticas não seria uma tarefa possível, Duflo sugere cinco formas de usar os recursos do fundo para para proteger os mais pobres dos impactos das alterações climáticas: implementação de um sistema de transferências automáticas de dinheiro para os cidadãos, desencadeado por eventos climáticos; erradicação da pobreza extrema com “transferência de ativos” (dinheiro, capacitação, apoio psicológico etc.); resseguro para governos que enfrentam catástrofes relacionadas ao clima; financiamento a esforços locais para programas de adaptação e mitigação; e financiamento para melhoria da saúde da população no formato de campanhas (por exemplo, de vacinação).
Ao Valor Duflo conta que o contato com a representação brasileira no G20 foi intermediado pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva. A proposta de Duflo vincula as duas forças-tarefa criadas pelo Brasil: “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza” e “Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas”.
O objetivo com as sugestões de aplicação dos recursos é alimentar discussões, e não que essa seja uma lista final, diz Duflo no estudo. No documento, ela cita o caso do aumento das temperaturas.
“Quando os países são pegos de surpresa por uma onda de calor pela primeira vez, a mortalidade pode ser alta. Mas, antes que isso aconteça novamente, eles têm a chance de se preparar. No entanto, mesmo em regiões acostumadas a altas temperaturas, o processo de adaptação exige recursos. No Texas, em um dia quente, um trabalhador de escritório vai de sua casa com ar-condicionado para o seu trabalho com ar-condicionado em um carro com ar-condicionado. No Paquistão, um pobre trabalhador da construção civil, após uma noite mal dormida em um quarto quente, terá que trabalhar sob o sol”, compara.
Duflo é professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e uma das fundadoras do Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel (J-Pal), que realiza pesquisas sobre pobreza e desenvolvimento em diversos países, incluindo no Brasil.
Foto: Scott Eisen/Getty Images