Empresários repetem velhos erros por medo de mudança na jornada de trabalho

Por Davi Molinari no dmolir

Fim do 6×1. Presenciamos agora a velha tática de propagar o pior dos mundos e o erro repetido dos empresários, com previsões catastróficas, defesa de interesses velados e o medo da mudança

A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) publicou um estudo alarmista sobre os impactos da proposta de redução da jornada de trabalho no Brasil. O relatório prevê um cenário quase apocalíptico: queda de até 16% no PIB, 18 milhões de empregos perdidos e explosão da informalidade. Mas esse tipo de previsão não é novo — ele segue um padrão antigo, repetido sempre que há avanços sociais no país.

Quando o Brasil decidiu acabar com a escravidão, os setores mais ricos afirmaram que a economia não resistiria. Não foi o que aconteceu. Anos depois, com a criação do 13º salário, disseram que as empresas não aguentariam a pressão. O resultado foi um aumento no consumo e no crescimento econômico. O mesmo se deu com a criação do FGTS: previram um caos, mas ele se tornou um dos principais instrumentos de proteção do trabalhador e de investimento em infraestrutura no país. Em todos esses momentos, as elites econômicas erraram feio ao subestimar a capacidade da sociedade de se adaptar e ao ignorar os efeitos positivos de medidas que valorizam o trabalho humano.

O estudo da Fiemg comete o mesmo erro, partindo de uma conta simplista e irreal: se a jornada diminui, a produção cai na mesma proporção. É uma lógica de padaria que desconsidera a complexidade das empresas, o papel da inovação e o próprio funcionamento da economia de mercado. Empresas não operam em linha reta. Quando há redução de jornada, parte da produção pode ser compensada com reorganização interna ou contratação de mais trabalhadores. O aumento de custos, por sua vez, não é automaticamente repassado ao consumidor, já que a concorrência entre empresas impõe limites claros a esse tipo de reajuste.

Outro equívoco é atribuir à redução da jornada um possível aumento da informalidade. A informalidade no Brasil está próxima de 38% e é um problema estrutural, provocado por falta de fiscalização, insegurança jurídica e fragilidade das políticas públicas. Apontar o trabalhador como culpado e transformar a jornada em bode expiatório é desviar o foco dos verdadeiros entraves que impedem a formalização.

Apesar de reconhecer que o Brasil precisa investir em educação, tecnologia e infraestrutura, o estudo da Fiemg não apresenta nenhuma proposta concreta nesse sentido. Limita-se a criticar, sem oferecer soluções viáveis. É mais um discurso conservador do que uma análise econômica séria — uma defesa do modelo atual, baseado em lucros sustentados pelo esgotamento da força de trabalho.

Além disso, o estudo ignora um fator central: a automação é inevitável. Robôs e inteligência artificial já estão transformando o mundo do trabalho, e esse processo tende a se acelerar. Se não houver uma política clara para lidar com isso, o risco é grave: menos empregos, menos salários e, consequentemente, menos consumo. Um colapso social que, ironicamente, pode atingir também os lucros das empresas.

Reduzir a jornada de trabalho é uma das saídas possíveis para redistribuir empregos e garantir que a inovação tecnológica seja compatível com a sustentabilidade social. A transição para o futuro do trabalho precisa preservar a massa salarial e criar novos postos em áreas humanas, criativas e técnicas. Sem isso, o avanço tecnológico vira uma máquina de exclusão.

O discurso da Fiemg repete, em tom mais técnico, o velho medo das elites diante de qualquer mudança que favoreça os trabalhadores. É um tipo de pensamento que lembra o erro de Thomas Malthus, economista inglês que previu o colapso da humanidade por falta de alimentos, sem imaginar que a Revolução Industrial, os avanços agrícolas e o planejamento familiar mudariam completamente as regras do jogo.

Apostar no colapso da economia por causa de uma jornada mais justa é repetir Malthus: ignorar a capacidade de adaptação, inovação e equilíbrio de uma sociedade que quer, e pode, avançar.

Está na hora de abandonar o discurso do medo e reconhecer que o trabalhador é parte central da economia — não um custo a ser contido a qualquer preço. Reduzir a jornada de trabalho pode ser, sim, uma oportunidade de promover inovação, bem-estar e desenvolvimento. O que não dá é para continuar sacrificando o futuro em nome de um modelo ultrapassado.

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