Em nota oficial divulgada nesta quarta-feira (9), o Ministério das Relações Exteriores da República Árabe Saaraui Democrática expressou forte repúdio à recente postura do governo dos Estados Unidos frente à disputa sobre o Saara Ocidental, território cuja soberania é reivindicada pelo Reino de Marrocos, mas que é considerado pela ONU uma questão de descolonização inacabada.
A declaração foi publicada após manifestações do Secretário de Estado dos EUA, interpretadas pelo governo saarauí e pela Frente Polisário — movimento político e militar que representa o povo saarauí — como um apoio explícito às ambições expansionistas de Marrocos na região, em desacordo com o direito internacional.
Legalidade internacional ignorada
O governo saarauí criticou duramente o que considera ser uma “clara parcialidade” dos EUA e alertou para os riscos dessa postura no processo de paz mediado pela ONU. A posição norte-americana, segundo a nota, contradiz diversas resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de sentenças de tribunais internacionais, africanos e europeus que não reconhecem a soberania marroquina sobre o território.
O comunicado também enfatiza que o Saara Ocidental continua sendo uma questão de descolonização, e que qualquer tentativa de solução fora do princípio da autodeterminação dos povos representa uma violação do direito internacional.
Impactos diplomáticos e regionais
Ao se posicionar de maneira favorável a Marrocos, os Estados Unidos, segundo o texto, estariam comprometendo sua capacidade de atuar como mediadores imparciais no conflito e aumentando o risco de tensões e instabilidade regional. O governo saarauí relembra que, historicamente, administrações norte-americanas buscaram uma abordagem mais equilibrada no tema, respeitando os valores democráticos e os direitos humanos.
A nota termina reafirmando o compromisso da República Saaraui com uma solução pacífica, justa e duradoura, baseada na legalidade internacional e no respeito à vontade do povo saarauí de decidir seu próprio destino.
Confira a nota na íntegra!
República Árabe Saaraui Democrático
Ministério das Relações Exteriores
Declaração
O governo saarauí e a Frente Polisário acompanharam de perto o conteúdo das recentes declarações do Secretário de Estado dos EUA, bem como as circunstâncias que as cercam.
A este respeito, afirmamos o seguinte:
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Manifestar profundo pesar pela clara parcialidade da administração dos EUA em relação aos postulados expansionistas marroquinos contrários à República Saaraui, em flagrante contradição com a legalidade internacional, representada pelas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, do Conselho de Segurança, bem como nas sentenças proferidas por tribunais internacionais, africanos e europeus, que não reconhecem a soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental e confirmam a natureza jurídica da questão do Saara Ocidental como uma questão de descolonização inacabada, consequência da tentativa do Reino de Marrocos de se evadir das suas obrigações assumidas em virtude do Plano de Resolução acordado com a Frente Polisário em 1991, sob a supervisão da Organização da Unidade Africana e das Nações Unidas, e aprovado pelo Conselho de Segurança, para cuja implementação foi criada a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO).
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Em matéria de descolonização, a parte saarauí rejeita qualquer tentativa de vincular a questão do Sahara Ocidental a transações com posições ou alianças relacionadas com outras questões.
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A questão saarauí não pode ser abordada fora do quadro do direito internacional, que se baseia no princípio inalienável do direito do povo saarauí à autodeterminação, à independência e à soberania, bem como no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos que constituem a base de qualquer solução justa e duradoura.
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Ficou claro, ao longo de cinco décadas de agressão marroquina contra o povo saarauí, que as tentativas de impor soluções fora das resoluções internacionalmente legítimas e em desrespeito e contradição com o princípio do direito à autodeterminação — e a obrigação de exercê-lo de forma democrática e transparente — falharam.
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O preconceito declarado e explícito em relação à ocupação ilegal marroquina prejudica o papel da atual administração dos EUA em desempenhar qualquer papel construtivo nos esforços de paz patrocinados pela ONU no Saara Ocidental. O governo americano também está perdendo a oportunidade de ser um facilitador honesto e, ao contrário, está se tornando parte do conflito, o que prenuncia os riscos de uma maior escalada na região e abre caminho para sérias repercussões para a segurança e estabilidade regionais.
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A posição tradicional de governos anteriores dos EUA, tanto republicanos quanto democratas, buscou ser mais equilibrada, refletindo os valores americanos e respeitando os princípios do direito internacional. Portanto, esperava-se que os Estados Unidos pudessem ser vistos como um ator positivo na promoção de uma solução equilibrada e pacífica, abstendo-se de alimentar tensões por meio de seu apoio incondicional ao agressor.
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Esta posição contradiz, por outro lado, a declaração do presidente Trump de que o objetivo de seu governo é alcançar a paz mundial.
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Esta posição não é apenas uma decepção para o lado saarauí, mas também representa uma frustração para a imagem dos Estados Unidos como um Estado que tem o potencial de construir sua influência e liderança nos valores da liberdade, do direito dos povos à autodeterminação e da paz baseada na justiça.
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O lado saarauí renova seu compromisso com uma paz justa, baseada na legalidade internacional e em negociações genuínas, baseadas não apenas na rejeição de tentativas de fato consumado de ocupação ilegal e ditames, mas também no respeito à vontade do povo saarauí e seu direito inalienável à autodeterminação, independência e plena soberania sobre seu território, que ninguém mais tem o direito de exercer.
Bir Lehlu, 9 de abril de 2025.
(SPS)