Por: Prof. João Ives Doti
Sociólogo e Cientista Político
A educação é a base para o desenvolvimento de sociedades democráticas, críticas e inovadoras. No Brasil, porém, a construção de um ensino que estimule o pensamento autônomo, a investigação científica e a criatividade esbarra em desafios estruturais profundos. Entre eles, destaca-se a desvalorização histórica dos professores, refletida em baixos salários, condições precárias de trabalho e falta de reconhecimento social — fatores que minam não apenas a motivação docente, mas também a qualidade do aprendizado oferecido às novas gerações.
A Crise Salarial e o desgaste da profissão
A remuneração inadequada é um dos maiores obstáculos para a valorização dos educadores. Segundo dados do Banco Mundial, professores brasileiros da educação básica recebem, em média, menos da metade do salário de profissionais com formação equivalente em outras áreas. Essa disparidade econômica desencoraja jovens talentosos de seguir a carreira docente e empurra muitos profissionais experientes a acumular jornadas exaustivas em múltiplas escolas ou a abandonar a sala de aula em busca de melhores condições de vida. O resultado é um ciclo vicioso: sobrecarregados e desmotivados, os professores têm menos tempo e energia para planejar aulas inovadoras, aprofundar conhecimentos ou acompanhar individualmente os estudantes, elementos essenciais para uma educação crítica e criativa.
Infraestrutura deficiente e falta de apoio
Além dos baixos salários, a precariedade das condições de trabalho agrava o problema. Muitas escolas públicas enfrentam a falta de laboratórios, bibliotecas, materiais didáticos e acesso à tecnologia, limitando a aplicação de metodologias científicas e projetos interdisciplinares. Sem recursos, fica difícil estimular a curiosidade intelectual ou a experimentação prática, pilares de uma formação que vá além da memorização de conteúdos. A isso soma-se a ausência de suporte psicológico e pedagógico para lidar com desafios como a evasão escolar, a diversidade de necessidades dos alunos e a violência em certas comunidades — realidades que recaem sobre os professores, muitas vezes sem treinamento adequado.
O desprestígio social e a política educacional
A desvalorização docente não é apenas financeira, mas também simbólica. A profissão, outrora reconhecida como fundamental, hoje é alvo de discursos que culpabilizam os professores pelos fracassos do sistema educacional, ignorando contextos socioeconômicos e décadas de subinvestimento. Propostas de gestão verticalizadas, aliadas a reformas curriculares que priorizam avaliações padronizadas em detrimento do pensamento crítico, reforçam um modelo de ensino tecnicista e pouco flexível. Enquanto isso, projetos de lei que ameaçam a liberdade pedagógica — como aqueles que censuram debates sobre gênero, raça ou ciência — revelam um cenário de ataques à autonomia docente e à própria função transformadora da escola.
Consequências para o futuro do país
Os efeitos desse cenário são alarmantes. Estudantes formados em um sistema fragilizado tendem a reproduzir desigualdades, sem ferramentas para questionar estruturas de poder ou resolver problemas complexos. A ciência, motor de progresso, perde espaço para o negacionismo, e a arte e a criatividade são tratadas como acessórios, não como dimensões humanas essenciais. Tudo isso compromete a capacidade do Brasil de enfrentar desafios globais, como as mudanças climáticas e as transformações digitais, que demandam cidadãos preparados para pensar de forma original e colaborativa.
Caminhos para a transformação
Reverter essa realidade exige mais do que discursos: é urgente priorizar o ensino público em políticas de Estado. Isso inclui reajustes salariais significativos, plano de carreira atraente, investimento em formação continuada e infraestrutura escolar digna. Igualmente importante é resgatar o diálogo entre sociedade e educadores, reconhecendo seu papel como agentes de mudança. Sem professores valorizados, não há educação crítica, científica ou criativa — e sem essa educação, não há futuro possível para a democracia brasileira.
Enquanto o país tratar a educação como despesa, e não como investimento, continuaremos a desperdiçar o potencial de milhões de estudantes e a perpetuar um sistema que reforça desigualdades em vez de combatê-las. O momento de agir é agora: pela escola pública, pelos professores, por um Brasil que acredite no conhecimento como alicerce da liberdade.