O erro sistemático do “mercado”: previsões enviesadas são desmentidas pela realidade

O erro constante nas previsões econômicas levanta questões sobre os interesses que orientam essas projeções e a insistência em modelos que ignoram os efeitos da demanda e do investimento estatal no crescimento

Ao longo dos anos, os porta-vozes do mercado financeiro têm se notabilizado por errar de forma sistemática nas previsões econômicas, especialmente durante governos petistas. O caso mais recente ocorreu no primeiro ano do terceiro governo Lula, quando a estimativa divulgada pelo Boletim Focus previa um crescimento do PIB de apenas 0,78%.

A realidade, no entanto, mostrou um resultado quase quatro vezes maior: 2,9%. No governo anterior, sob Jair Bolsonaro (PL), a situação foi oposta. O mercado previa um crescimento de 2,54%, mas o PIB fechou com apenas 1,2%, menos da metade do esperado.

Para os economistas ouvidos pela revista Focus Brasil, esse erro sistemático está longe de ser apenas um problema técnico. “O Boletim Focus é um mecanismo muito enviesado”, afirma Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. A distorção nas previsões, segundo ele, reflete não apenas uma deficiência metodológica, mas também uma orientação política implícita nos modelos utilizados.

A visão estratégica por trás das previsões erradas

Procurado pela revista, o economista Eduardo Marques, da Unicamp, destaca que os erros do mercado não são meras falhas de cálculo, mas parte de uma estratégia deliberada. “Quando a gente analisa essa discussão sobre as apostas do mercado erradas, tem que olhar com um pouco mais de cuidado, porque eu não chamaria de apostas erradas. Na verdade, o mercado tem uma estratégia. Todas essas apostas erradas, na verdade, têm como objetivo fundamental manter o governo pressionado para subir juros, juros básicos. A chamada taxa Selic, que é a taxa que remunera os títulos públicos”, explica.

Segundo Marques, essa pressão contínua sobre o governo tem um motivo central: garantir que os juros reais permaneçam elevados. “Para o mercado, interessa juros altos, muito acima da inflação. E é o que a gente tem no Brasil. Sempre que o governo tenta reduzir esses juros, há pressões. A história é sempre a mesma: ‘as contas vão estourar’, ‘o governo gasta muito’, ‘o governo sobe muito imposto e, na verdade, tem que cortar despesa’. Por que essa discussão existe? Porque eles querem que o governo faça o que chamamos de superávit primário para pagar juros e o principal da dívida pública. Quem ganha com isso? Bancos, fundos de investimento e grandes investidores.”

Essa estratégia de previsões alarmistas foi aplicada recentemente no debate sobre o déficit fiscal. “A última aposta errada deles foi que o governo não ia produzir déficit zero. E o governo produziu déficit zero. Mas eles ficaram pressionando, dizendo que não, que não ia acontecer. Isso acontece há décadas, sempre com o mesmo objetivo: cortar gastos sociais para direcionar recursos ao pagamento da dívida pública.”

Erros recorrentes: câmbio, juros e empresas

Os equívocos também aparecem em outras projeções, como na taxa de câmbio e nos juros. No início de 2023, por exemplo, analistas previam que a taxa Selic se manteria elevada por um longo período, ignorando sinais de desaceleração da inflação.

Além disso, houve insistência em prognósticos de que a inflação seguiria descontrolada, mesmo diante de dados que mostravam uma trajetória descendente sustentada por políticas fiscais e monetárias mais equilibradas.

Outro exemplo clássico de erro foi a previsão de desvalorização do real frente ao dólar. No início de 2023, analistas previam que a moeda americana chegaria a R$ 6,50, com base na desconfiança sobre a política econômica do novo governo.

No entanto, a realidade foi outra: a moeda americana entrou em uma sequência de nove pregões consecutivos de queda, atingindo R$ 5,85. Analistas do mercado atribuíram esse movimento à atuação do Banco Central, mas o próprio presidente Lula teve papel importante ao transmitir confiança em relação à gestão da política monetária.

Além disso, o mercado errou feio ao projetar o desempenho de empresas estatais e privadas. No caso da Petrobras, previu-se uma derrocada das ações diante da mudança de governo e das novas diretrizes da companhia. Contudo, os papéis da estatal valorizaram-se  significativamente, impulsionados pela política de reinvestimento dos lucros em projetos estratégicos. Outro exemplo foi o pessimismo sobre o desempenho da Vale. Depois de uma reunião entre Lula e a diretoria da mineradora, os papéis da empresa subiram 4,6%, contrariando as previsões negativas.

Mesmo com todos esses desencontros entre previsões e realidade, o mercado financeiro segue apostando em cenários alarmistas. No entanto, os dados econômicos mostram que o Brasil está em uma trajetória de crescimento sustentável, com inflação sob controle e investimentos em alta.

O viés nas projeções futuras

Essa resistência ideológica se reflete nas previsões futuras. Apesar de a inflação de 2024 ter ficado dentro dos parâmetros aceitáveis, o mercado projeta um IPCA acima do teto da meta para 2025 e 2026. Atualmente, a projeção para este ano é de 5,51%, marcando a 16ª alta consecutiva das estimativas.

Não é a primeira vez que os analistas falham na interpretação dos fatores que impulsionam o crescimento. A tese predominante entre esses economistas é que apenas reformas estruturais do lado da oferta podem sustentar o crescimento de longo prazo. Mas a realidade é diferente.

O impacto no futuro e a necessidade de mudança

Mesmo com as sucessivas falhas nas previsões, o mercado financeiro segue apostando em cenários alarmistas.

Para Marques, é essencial que se faça uma leitura mais crítica das previsões do mercado. “Essas previsões erradas são, na verdade, estratégias para pressionar políticas que beneficiam um setor específico da economia. Enquanto isso, o crescimento sustentado e a estabilidade econômica continuam sendo desprezados pelo discurso dominante”, conclui.

Fonte: Focus Brasil

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