Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a adesão de Cuba ao BRICS fortalece o país no mundo multipolar que está se redesenhando e cria oportunidades de comercializar de uma maneira mais justa.
O governo de Cuba solicitou formalmente no início de outubro a adesão ao BRICS, grupo que passou por uma expansão recente e que, além de Brasil, Rússia, Índia China e África do Sul, hoje inclui Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita. O convite para a parceria associada foi feito durante a Cúpula do BRICS que ocorreu entre os dias 22 e 24 de outubro, em Kazan, na Rússia.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam o que Cuba pode acrescentar ao BRICS e que oportunidades a adesão ao grupo traz para o país, que há 60 anos sofre com o embargo imposto pelos EUA que afeta sua soberania econômica.
Guilherme Barbosa Pedreschi, advogado, procurador federal e autor do livro “Na estrada com Fidel: o outdoor na Revolução Cubana”, avalia que o principal objetivo de Havana é obter melhores condições de contornar as sanções de Washington, conseguindo “efetivamente fazer trocas mais justas”.
“Entrar no sistema financeiro de uma maneira mais eficiente e comercializar de uma maneira mais justa. Então essa me parece que é a grande esperança, a grande boia de salvação que se sinaliza para Cuba ter acesso a crédito do Novo Banco de Desenvolvimento e assim se fortalecer nesse mundo multipolar que está se desenhando”, explica o especialista.
Ganho diplomático
Pedreschi acrescenta que a entrada de Cuba no grupo é especialmente benéfica para a América Latina, que ele afirma se encontrar sob uma influência “ruim” e “maléfica” dos EUA. Segundo ele, Cuba se tornará um player mais relevante nas economias da região à medida que elas se tornarão mais intercambiáveis.
“Esse ganho diplomático que Cuba vai ter, esse aumento no peso de Cuba na comunidade internacional, tende a florescer nos demais países aqui […]. Eu vejo com muito bons olhos que uma nova roupagem realmente vai se desenhando na América Latina.”
Em contraponto, a adesão ao BRICS pode gerar renda em Cuba através do turismo, que é um dos principais motores da economia do país e, segundo o especialista, é afetado desde a presidência de Donald Trump (2017–2021) nos EUA.
“Cuba já é bastante aberta e muito fácil de conseguir visto de qualquer lugar do mundo […]. Mas com os parceiros do BRICS, tende a ser melhor ainda você fomentar agências de viagem especializadas dentro desses países do BRICS. Então você tem pacotes especiais, você tem uma gama de possibilidades de aumentar o turismo”, afirma.
O papel da consciência política
Questionado sobre como a população de Cuba vem conseguindo resistir a seis décadas de embargo que estrangulam a economia do país, Pedreschi afirma ser por meio de “consciência política, principalmente”.
“O povo cubano é muito consciente; ele sofre duramente, é castigado, mas eles têm cultura política para entender, de um modo geral, que estão sendo sufocados. É um país que não tem soberania econômica, ele é isolado, qualquer empresa do mundo que negociar com Cuba vai sofrer um processo nos EUA. Então, ainda que o povo esteja cansado de tantos anos de sofrimento econômico — não é fácil viver assim, obviamente —, eles têm consciência de quem é o inimigo, quem está fazendo isso com eles.”
Nesse contexto, ele afirma que o povo cubano “não tem outra opção senão resistir”, pois a outra seria “entregar o país para os EUA”, que atuariam para fazer dele “um outro Porto Rico”.
“Então o povo resiste porque tem que resistir e dribla como vem driblando desde 1960, quando começaram as sanções. […] E agora, mais uma vez, com o BRICS é mais uma chance da nação e do povo resistir”, afirma.
Contraponto ao bloco ocidental
José Niemeyer, professor de relações internacionais do Ibmec, afirma que a eventual entrada de Cuba indica que o BRICS está sendo reformulado como um grupo econômico.
“Eu não considero um bloco de integração regional porque muitos países não têm um link geográfico. […] Eu não considero um bloco de integração regional, como é o Mercosul, como é o NAFTA, e como é a União Europeia […]. É um bloco de representação econômica, mas cada vez mais eu tenho visto o BRICS como uma intenção de países do Oriente, principalmente Rússia e China, de criar um contraponto ao bloco ocidental, principalmente aquele bloco ocidental que é formado na perspectiva militar pela OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte].”
Na avaliação de Niemeyer, a adesão de Cuba ao BRICS tem um caráter mais político-ideológico, por ser um país que “sempre desafiou Washington”, e as duas principais potências do grupo, Rússia e China, veem nele um novo centro “para se contrapor ao mundo ocidental”.
Já sobre a possibilidade de o Brasil sofrer algum tipo de sanção por ter apoiado a adesão de Cuba ao BRICS, Niemeyer enfatiza que o Itamaraty e os governos que se sucedem no Brasil terão de saber ficar bem nesse meio-termo, dentro da política internacional, nos dois blocos que se desenham no mundo.
“O Brasil está nesse meio-termo dessa disputa que eu tenho visualizado entre o Ocidente e o Oriente. Não é uma nova Guerra Fria, […] mas você vê hoje decididamente dois blocos de países, países como EUA e União Europeia e países como China e Rússia, e o Brasil tem que saber se equilibrar no meio disso.”
Ele lembra que o Brasil é uma potência verde, um grande produtor de alimentos e energia, que tem “um papel muito relevante neste mundo de conflito”. Por isso é importante para o Brasil ficar entre esses dois polos, preservando os interesses que cultiva com os EUA e também com a China.