É possível apontar inúmeros motivos para a derrota da democrata Kamala Harris e a vitória, contundente. de Donald Trump nas eleições realizadas terça-feira (5) nos Estados Unidos.
Cumpre destacar a cumplicidade imperialista com o genocídio em curso na Faixa de Gaza e o envolvimento na guerra por procuração da Ucrânia com o objetivo de derrotar a Rússia, ampliando os riscos de uma Terceira Guerra Mundial.
Neste aspecto, é preciso concordar com o controvertido empresário Kim Schmitz quando diz que os democratas mereceram a derrota porque “mataram 1 milhão de pessoas na Ucrânia”, explodiram o “Nord Stream 2” (gasoduto russo) e são cúmplices do “genocídio na Faixa de Gaza“.
Genocídio em Gaza
Em recente entrevista à CNN, uma moradora da Filadélfia, Reem Abuelhaj, explicou a razão pela qual não votaria na candidata do Partido Democrata: “sou uma eleitora consciente, e uma candidata que está promovendo firmemente uma política de armar e financiar Israel incondicionalmente para continuar seu genocídio em Gaza, a escalada na Cisjordânia e a guerra no Líbano é um sinal de alerta para mim”, disse ela.
Outra eleitora, moradora da cidade de Chapel Hill, na Carolina do Norte, Meghan Watts, argumentou: “Não deveria ser uma escolha em que temos que aceitar genocídio em troca de mantimentos mais baratos ou em troca de aluguel mais baixo”.
Este pode não ter sido o fator principal, mas pesou na imagem de Harris, teoricamente identificada com a esquerda e as causas progressistas, o que não combina com o genocídio de palestinos.
Ucrânia
Na guerra por procuração que travam na Ucrânia, instrumentalizando a Otan e a Europa, os EUA já já empenharam algo em torno de US$ 100 bilhões (em reais, mais de 600 bilhões ao câmbio atual).
Além de elevar o déficit e a colossal dívida pública do império, esses recursos acabam pesando no bolso dos contribuintes, ao mesmo tempo em que promovem os lucros e a expansão do complexo militar, alimentando a indústria da morte.
O povo estadunidense não extrai nenhuma vantagem das aventuras imperialistas pelo mundo nem tem participação nos lucros auferidos pelos magnatas do complexo industrial militar, mas é quem paga a conta.
Durante a campanha, Trump prometeu acabar com os conflitos na Ucrânia e em Gaza.
Resta saber se ele vai cumprir a promessa, o que no leste europeu representaria um revés para a OTAN e a ambição imperialista do chamado Ocidente de sufocar e derrotar a Rússia, além de contrariar seu aliado de extrema direita, o genocida Benjamin Netanyahu, em Israel.
Neoliberalismo só na periferia
A vitória de Trump pode também ser interpretada como mais uma pá de cal na hegemonia do neoliberalismo como política econômica nos Estados Unidos e em outras potências capitalistas.
Já em seu primeiro governo (janeiro de 2017 a janeiro de 2021), Trump desprezou as pregações neoliberais e adotou políticas que configuram antíteses da ideologia neoliberal, além de tentar reverter a chamada globalização.
Substituiu o livre comércio pelo protecionismo e deflagrou uma guerra comercial contra a China, que foi amplificada pelo governo do democrata Joe Biden.
Agora ele promete redobrar a aposta, ameaçando elevar a 60% as tarifas contra produtos chineses.
O neoliberalismo virou receita exclusiva para os países capitalistas retardatários, situados na periferia do império, onde é bandeira da extrema direita, como ilustram os casos, bizarros, de Jair Bolsonaro no Brasil e Javier Milei na Argentina.
Ascensão da extrema direita
A vitória de Trump reflete e ao mesmo tempo reforça a ascensão da extrema direita no Ocidente, bem como a crescente polarização econômica e política e a gradual metamorfose da desacreditada democracia burguesia em neofascismo.
O neofascismo está em festa, nos EUA, no Brasil, na Argentina e na Europa.
Aqui convém a observação de que a extrema direita avança pelo mundo no vácuo criado com o desaparecimento do espírito revolucionário nas organizações da esquerda, que em geral se transformaram em “partidos da ordem”, identificados com a defesa do status quo e de um sistema econômico e político que as massas populares já não suportam.
Nessas condições, quem aparece como antissistema e efetivamente está capitalizando a frustração, a indignação do povo com as misérias cotidianas do capitalismo, agravadas pela crise, é a extrema direita, é ela que explora e deforma o anseio de mudança .
A decadência dos EUA é irreversível
O retorno da extrema direita ao governo dos EUA é também reflexo e sintoma do processo histórico de decadência da economia e da hegemonia geopolítica de Washington sobre o globo.
Trump promete reverter o destino e tornar a América grande de novo, acenando com a recomposição da hegemonia em declínio.
É um objetivo impossível, pois o processo de decadência dos EUA, que se arrasta há décadas e tem por raiz o vício do parasitismo, já não pode ser revertido por meios normais.
Anos de guerra econômica contra a China e sanções inéditas contra a Rússia não contiveram a ascensão dessas duas potências rivais, a consolidação e ampliação do Brics e da Nova Rota da Seda, passos decisivos no caminho de uma nova ordem mundial que certamente não será liderada pelos Estados Unidos.
Umberto Martins