Plano, como já denunciado, é entregar petróleo da Venezuela aos EUA; próximos alvos são Essequibo e Pré-Sal
Tradução: Ana Corbisier
Se Bill Clinton fosse o presidente dos EUA, teria deixado claro que “é o petróleo, estúpido”. Mas os Estados Unidos não vão se contentar em se apropriar apenas dos 300 bilhões de barris de petróleo venezuelano, porque também irão atrás do Pré-Sal brasileiro, com seus quase 14 bilhões de barris. E sem um governo nacionalista na Venezuela, as riquezas petrolíferas do Esequibo e da Guiana também cairão nas mãos das multinacionais americanas, que, em parte, financiam as candidaturas presidenciais de democratas e republicanos.
O que revela essa atitude de não reconhecer o triunfo chavista? Simples: a eficácia do poder de chantagem dos Estados Unidos, que através de uma ofensiva midiática, diplomática e econômica sem precedentes conseguiu instalar no imaginário coletivo a ideia de que a reeleição de Nicolás Maduro foi fraudulenta.
A manipulação midiática tem sido eficaz. Meses antes do processo eleitoral, já se vinha anunciando e denunciando uma fraude em eleições que ainda nem haviam sido realizadas. Nessas guerras de quarta e quinta geração – são os termos usados por analistas e estrategistas americanos para descrever a última fase da confrontação na era tecnológica da informática e das comunicações globalizadas – o conceito é assimilado ao de guerra assimétrica, guerra antiterrorista e terrorismo midiático. As balas (ou mísseis) são substituídas por slogans midiáticos destinados a destruir o pensamento reflexivo.
A mentira (também chamada de “fake” em inglês) não é outra coisa senão mais uma amostra do poder da propaganda elaborada pelas usinas de mentiras que anunciavam irresponsavelmente uma fraude com a mesma irresponsabilidade e impunidade com que antes afirmaram que havia armas de destruição em massa no Iraque. Infelizmente, os governos latino-americanos parecem impotentes para neutralizar a extorsão desenhada em Washington e executada por centenas de meios de comunicação e repetida por milhares de linguarudos que vociferam em coro a mesma melodia: houve fraude, mostrem as atas!
A Venezuela estaria buscando ressuscitar o Petrocaribe.
A Venezuela tem realizado durante duas décadas uma intensa diplomacia petrolífera no Caribe, que beneficiou os povos da bacia. Apesar das diferenças históricas e culturais e da percepção desse país como um “subimperialismo” regional, sua presença aumentou desde a chegada de Hugo Chávez ao governo. Iniciativas como Petrocaribe e acordos especiais com alguns países permitiram a muitas nações sobreviverem e – sim – a Chávez ganhar protagonismo na área. Hoje, esses países parecem estar saindo do grupo.
Fala-se em fraude… mas quando foi demonstrado que a oposição venceu? Há algumas semanas, a direita teve a oportunidade de mostrar as atas que comprovavam sua vitória perante a Sala Eleitoral do Tribunal Superior Constitucional, mas seus delegados se abstiveram de mostrar qualquer prova, após reconhecerem que não possuem atas de apuração dos testemunhos das mesas, nem listas de testemunhas.
E também afirmaram desconhecer quem realizou a carga das informações das supostas atas de apuração na página da organização Súmate, dirigida por María Corina Machado, que concediam a vitória a Edmundo González.
O que significa a reivindicação do exterior de que o governo mostre as atas, além de ingerência nos assuntos internos de outro país? Nem Jair Bolsonaro exigiu que Lula da Silva mostrasse as atas de sua vitória em 2022, nem Joe Biden as exigiu. Bom, teriam passado vergonha porque no sistema eleitoral do Brasil essas atas não existem e só há um comprovante do resultado exibido pelas máquinas de votação, que ninguém duvidou que possam ser hackeadas.
Sebastián Piñera, Iván Duque, Juan Guaidó e Mario Abdo Benítez.
Os “democratas” que hoje exigem do Conselho Eleitoral da Venezuela (CNE) demonstração de atas e votos são os mesmos que reconheceram em 2019 o autoproclamado Juan Guaidó como presidente do país em menos de 24 horas, sem votos, sem atas, sem eleições, mas com o respaldo do governo dos Estados Unidos e a cumplicidade dos europeus. Agora dão crédito à oposição encarnada por María Corina Machado, que afirma que seu candidato, Edmundo González, ganhou por ampla maioria.
A história se repete: antes das eleições, denunciaram que haveria fraude – evidência de que sabiam que iam perder –, desconheceram o resultado, geraram atos de violência, em nome de qual democracia.
Não se trata de comparar Nicolás Maduro e seus bigodudos com a figura de Hugo Chávez. Os memoriosos lembram a formação, em 2002, após o frustrado golpe de Estado, de um grupo parlamentar venezuelano-estadunidense, chamado Grupo de Boston, liderado pelo democrata John Kerry (secretário de Estado até 2017) e pelo chavista Nicolás Maduro, então presidente da Assembleia Nacional. Metade dos membros venezuelanos eram deputados opositores. O grupo foi financiado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). O Grupo de Boston se desfez com a retirada dos deputados da oposição das eleições parlamentares de 2005.
Maduro levanta a poeira do Grupo de Boston para romper o cerco de Trump.
Às vezes, surpreende-se, mas reclamam por escrito às Forças Armadas Venezuelanas que façam um golpe de Estado contra o governo constitucional. Além de cometer um crime, fazem papel de ridículo: ignoram a solidez do modelo de união cívico-militar na Venezuela, cujos comandos militares são leais seguidores do lema de Bolívar “Maldito o soldado que levanta uma arma contra seu povo”.
Sem a crise civilizatória, os valores e princípios foram virados do avesso: o mundo assiste inerte a um genocídio filmado em tempo real, e ao desaparecimento da face da terra do Direito Internacional, e seria impossível entender por que quase todo o Ocidente está exigindo em diferentes tons de um governo soberano que demonstre com documentos que ganhou as eleições, afirma Alicia Castro, ex-embaixadora argentina na Venezuela.
Não me lembro de algum país da América Latina ter pretendido estabelecer condições para regular em detalhes as eleições no parlamento alemão ou para escolher o governo da Espanha, mas – entre outros – esses países se arrogam a autoridade de ingerência direta para tutelar as questões internas da política venezuelana.
María Corina informa seu plano ao subcomitê para o Hemisfério Ocidental da Câmara dos Representantes dos EUA.
Obviamente, trata-se de petróleo. A oposição de direita, de mãos dadas com os EUA, quer que a balança se inverta e retornar à velha república. Querem mudar o governo eleito por voto popular, estão dispostos a intervir militarmente e, realmente, o petróleo venezuelano está mais à mão do que o do Oriente Médio e tentam se apropriar dele (via María Corina Machado e Edmundo González) sem necessidade de um genocídio como em Gaza.
São eles que representam a oposição, com um plano de governo projetado para entregar as riquezas do país às grandes multinacionais americanas (e algumas europeias, para não irritar), muito semelhante ao de outro ultradireitista, como Javier Milei.
As intervenções militares dos Estados Unidos são precedidas por uma série de ações. Neste caso, o linchamento midiático, bloqueios e 900 sanções para criar desabastecimento que fomentem um descontentamento social; sequestro de divisas, atos de violência organizada; instalação de um governo paralelo. Em meio ao caos provocado, justificam a intervenção militar: se possível, com militares venezuelanos.
María Corina pediu a Netanyahu uma intervenção militar na Venezuela.
Neste cenário de grande fragilidade, contribuir para erodir a Venezuela é irresponsável. É o passo que favorece um golpe. María Corina Machado dirigiu uma carta a Benjamin Netanyahu pedindo sua intervenção na Venezuela, baseada na “responsabilidade de proteger” os Direitos Humanos. Este é o argumento introduzido pelos EUA para justificar a invasão à Líbia. De Ripley: embora você não acredite…
A Venezuela está, novamente, sob cerco. E não é a primeira vez. Desde o golpe de Estado perpetrado contra Hugo Chávez em 2002, há mais de 22 anos, não cessaram as tentativas de golpe, tentativa (felizmente frustrada) de magnicídio, sabotagem, desabastecimento, atos de violência organizada, guarimbas, criação do Grupo de Lima, o assédio do secretário-geral da OEA.