Por Marcela Leiros – Da Cenarium
Silvio Santos, um dos mais icônicos apresentadores da televisão brasileira, manteve uma relação próxima com a Ditadura Militar, regime político que governou o Brasil entre 1964 e 1985, segundo historiadores, para manter-se vivo e continuar nos negócios. Foi durante o período de repressão que o empresário construiu e expandiu seu império midiático, beneficiando-se de concessões de canais de TV concedidas pelo governo.
O apresentador morreu no sábado, 17, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, em decorrência de broncopneumonia após infecção por Influenza (H1N1). A informação foi confirmada pela unidade de saúde.
Segundo registros históricos, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) — emissora fundada pelo empresário — nasceu em 1981, fruto da relação entre Silvio Santos e seu antigo colega da Escola de Paraquedistas, Délio Jardim de Matos, então ministro da Aeronáutica do governo militar de João Figueiredo. “Figueiredo me deu a televisão“, admitiu em entrevista, em 2018, em referência ao último presidente do regime militar.
Silvio Santos também fazia manifestações explícitas de apoio aos presidentes militares e seus ministros. No SBT, criou o programa “Semana do Presidente”, custeado pelo governo e transmitido por mais de 20 anos, que mostrava os eventos aos quais os presidentes compareciam nos dias precedentes. No Regime Militar, o programa foi usado como mais um recurso para estimular o ufanismo e aumentar a popularidade do governo.
“Eu sou concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o País e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”, disse o apresentador em 1988, para o jornal Folha de São Paulo. Em fevereiro de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o empresário decidiu recriar o programa, mas a ideia foi suspensa após críticas por seu caráter “bajulatório”.
Resgate de slogans
Em 2018, ano em que Bolsonaro foi eleito presidente da República, a emissora de Silvio Santos resgatou slogans da Ditadura Militar e passou a exibir uma série de vinhetas de cunho nacionalista e em alusão ao regime para demonstrar apoio ao então candidato. Um deles foi “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A frase era usada pelos militares para justificar a repressão aos movimentos sociais contrários à Ditadura.
Slogan resgatado pelo SBT e transmitido em 2018 (Reprodução/SBT)
Em outras vinhetas, foram inseridas imagens de pontos turísticos do Brasil acompanhados por frases como “Pra frente Brasil” e “Eu te amo, meu Brasil”, também usadas pela propaganda do Regime Militar. A frase “Eu te amo, meu Brasil” faz parte de uma música da dupla Dom & Ravel, que foi utilizada durante muito tempo como peça de propaganda política da Ditadura. A dupla também era presença constante nos palcos do programa de Silvio Santos.
Censura
Em 2020, a emissora de Silvio Santos foi acusada de censura após suspender a exibição de seu principal jornal, o SBT Brasil, para não transmitir a cobertura de uma reunião ministerial de Bolsonaro em que frases comprometedoras, como “passar a boiada” e “botar os vagabundos do STF na cadeia”, foram ditadas pelos ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, então responsável pela pasta da Educação.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) se posicionou sobre o caso no dia seguinte. Segundo a entidade, aquele episódio de censura remete “aos mais sombrios dias da Ditadura Militar instaurada no País com o golpe de 1964”.
“O episódio é mais um de uma série de intervenções no jornalismo do ‘dono’ do SBT, Silvio Santos, que solenemente ignora o fato de que se trata de uma concessão pública, o que, legalmente, o obrigaria a cumprir uma série de requisitos impedindo que a TV fosse usada em benefício de interesses políticos particulares”, conclui a nota do FNDC à época.
Racismo, corrupção e assédio
Silvio Santos foi acusado de racismo, em dezembro de 2019, ao tirar um prêmio musical de uma candidata negra, contrariando a escolha do auditório, durante o quadro “Quem você tira?”. Após o episódio, o deputado estadual Jesus dos Santos, da Bancada Ativista, protocolou representação na Justiça do Estado de São Paulo contra o apresentador. A representação citou ainda três casos anteriores em que houve racismo por parte do dono do SBT.
O nome do apresentador também foi um dos mais comentados das redes sociais assim que veio à tona a delação do operador financeiro Adir Assad, afirmando que “lavou” cerca de R$ 10 milhões para o Grupo Silvio Santos por meio de contratos fraudados de patrocínio esportivo no final dos anos 1990. Em agosto de 2019, o grupo afirmou à imprensa que não se manifestaria sobre o caso por não conhecer o teor da delação.
Declarações machistas e comentários sobre a aparência das mulheres também provocaram revolta. “Estou vendo daqui que você engordou um pouquinho”, disse à assistente de palco Helen Ganzarolli, durante o programa Jogo dos Pontinhos. “Me faça um favor: não engorde, porque você é a única musa que eu tenho.”
Também foram comuns declarações como “depois que o Luciano Huck casou com a Angélica, deu um trato nela e ela ficou linda”, assim como “brincadeiras” sobre a roupa das mulheres no palco. A filha e também apresentadora Patrícia Abravanel chegou a dizer no ar: “Não gosto de ver meu pai fazendo a pegada de velho taradão, falando de sexo. Vem qualquer mulher bonita e ele fica comendo com os olhos, não precisa”, criticou.
Em 2018, durante o programa Teleton, Silvio Santos disse ao vivo que preferia não abraçar a cantora Cláudia Leitte, pois ficaria “excitado”. No Teleton de 2016, o apresentador já havia se recusado a dançar com a cantora Anitta com o mesmo argumento, em tom de piada.
(*) Com informações do Brasil de Fato
Revisado por Gustavo Gilona
Charge: Latuff