Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) comprou briga com as trabalhadores e os trabalhadores em Enfermagem ao suspender a aplicação do piso salarial da categoria aprovado pelo Congresso Nacional depois de muita luta, aliada ao reconhecimento do Parlamento e à gratidão da sociedade pelo trabalho heroico realizado por esses profissionais durante a pandemia da Covid-19.
Os valores definidos para o piso pela Lei nº 14.434 são modestos e situam-se abaixo do salário mínimo necessário para satisfazer as determinações constitucionais que é calculado mensalmente pelo Dieese e em maio deste ano totalizou R$ 6.912,69:
Enfermeiros: R$ 4.750
Técnicos de enfermagem: R$ 3.325
Auxiliares da enfermagem: R$ 2.375
O piso, aprovado pelo Parlamento, é um passo inicial para valorizar os profissionais da Enfermagem, cuja atividade é essencial para a sociedade, que em sua maioria apoia a lei aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional e é sensível à justa demanda das trabalhadores e trabalhadores.
Mas, o ministro que atualmente preside o STF ignorou os profissionais da saúde e revelou-se sensível aos interesses de uma outra classe social, constituída pelos empresários. Ou seja, os patrões dos profissionais da Enfermagem empregados no setor privado que, em geral, pagam aos seus funcionários (que enganosamente hoje em dia chamam de “colaboradores”) salários inferiores ao piso estipulado pela legislação e não querem abrir mão de uma parte dos seus lucros para reajustá-los e cumprir a lei.
Pediram e conseguiram de Barroso uma liminar suspende a aplicação do modesto piso nacional da categoria. O ministro provavelmente considera-se um ser superior em relação não só aos humildes trabalhadores da Enfermagem e seus representantes como a centenas de parlamentares que aprovaram a Lei nº 14.434.
Mais tarde, o presidente do STF recuou parcialmente da liminar. Permitiu a aplicação do piso, mas ao mesmo condicionou os valores previstos na lei à realização de uma jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanal, rebaixando-os para quem realiza jornadas menores, o que também não agradou a categoria, que demanda a vinculação do piso à jornada de 30 horas semanais, que já é realidade para muitos profissionais.
Valores do piso salarial da enfermagem proporcionais à carga horária do trabalhador da enfermagem:
Enfermeiros
- 8h diárias ou 44h semanais – R$ 4.750,00
- 36h semanais – R$ 3.886,36
- 6h diárias ou 30h semanais – R$ 3.238,64
- 20h semanais – R$ 2.159,09
Técnicos de enfermagem
- 8h diárias ou 44h semanais – R$ 3.325,00
- 36h semanais – R$ 2.720,45
- 6h diárias ou 30h semanais – R$ 2.267,05
- 20h semanais – R$ 1.511,36
Auxiliares de enfermagem e parteiras
- 8h diárias ou 44h semanais – R$ 2.375,00
- 36h semanais – R$ 1.943,18
- 6h diárias ou 30h semanais – R$ 1.619,32
- 20h semanais – R$ 1.079,55
O comportamento do presidente do STF, que provocou indignação e revolta entre os profissionais da Enfermagem e no meio sindical, mostra que o julgamento do ministro, assim como de outros de seus pares, tem um viés de classes contrário aos anseios e demandas trabalhistas e afinados com os interesses patronais, o que também se percebe em decisões de membros da corte suprema sobre as relações de trabalho nas plataformas digitais antagônicas ao entendimento de ministros do TSE.
Reportagem do jornalista Weslley Galzo publicada nesta segunda-feira pelo “Estadão” sobre a agenda de Barroso contribui para a compreensão da sensibilidade enviesada do ministro e as relações privilegiadas dos poderosos (afinal, são os donos dos meios de produção) com o STF sob sua presidência.
Leia abaixo a íntegra da elucidativa reportagem do Estadão
Quem é ouvido pelo STF? Presidente da Corte concentra reuniões com autoridades públicas e empresas
Representantes de empresas são os mais atendidos por Luís Roberto Barroso quando desconsiderados os encontros com membros dos três Poderes;
BRASÍLIA – Desde que as viagens de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao exterior para participar de eventos organizados pela iniciativa privada se tornaram alvo de críticas, a Corte, sob orientação do seu presidente, Luís Roberto Barroso, adotou como resposta oficial aos questionamentos da imprensa que os magistrados “conversam” com “advogados, indígenas, empresários rurais, estudantes, sindicatos, confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade”. Porém, dentre todos esses, quais são os setores e agentes sociais que mais recebem a atenção do chefe do Poder Judiciário?
O Estadão compilou todas as audiências públicas do presidente do STF desde que ele tomou posse, no dia 29 de setembro de 2023, até o dia 4 de julho deste ano. Foram considerados todos os encontros registrados na agenda oficial, inclusive aqueles realizados durante viagens a trabalho. Em nota, a Corte afirmou que a atual gestão tem “priorizado a realização de audiências relacionadas aos projetos desenvolvidos pela gestão e à representação institucional da Corte”. (ver mais abaixo)
A agenda de Barroso foi a única analisada por se tratar do principal representante do Poder Judiciário no País e pelo fato de a maioria dos demais ministros integrantes do tribunal não divulgarem os seus compromissos diários. O levantamento aponta que, apesar da diversidade de segmentos atendidos por Barroso, só alguns são recebidos de maneira recorrente pelo chefe da mais alta Corte do País.
Setores atendidos pelo presidente do STF em audiências diárias
Encontros realizados entre 29 de setembro de 2023 e 4 de julho de 2024
Executivo (federal, estadual e municipal) | 51 | 39 |
---|---|---|
Parlamento (federal e estadual) | 48 | 31 |
Judiciário | 42 | 31 |
Empresarial | 28 | 17 |
Ministério Público (federal, estadual e trabalho) | 25 | 19 |
Associações | 22 | 15 |
Advocacia | 13 | 10 |
Imprensa | 13 | 4 |
Judiciário internacional | 12 | 9 |
Diplomacia | 11 | 11 |
Academia | 8 | 8 |
ONG internacional | 6 | 6 |
ONG/ Sociedade Civil | 5 | 5 |
Sindicatos | 5 | 2 |
Defensoria Pública | 5 | 1 |
Instituições religiosas | 3 | 3 |
Outros (não identificiados) | 3 | 3 |
Tribunais de Contas | 2 | 2 |
Parlamento internacional | 2 | 2 |
Associações internacionais | 2 | 2 |
Os indígenas citados pelo STF em notas à imprensa e em discursos de Barroso só foram recebidos uma vez pelo atual presidente da Corte em audiência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No dia 23 de abril deste ano, o magistrado recebeu os representantes da Articulação dos Povos Indígenas (APIB), da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APOAM) e da Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Barroso disse conversar regularmente com “jornalistas e indígenas”. Na ocasião, também citou que é professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o que o faz ter contato frequente com estudantes cotistas e de classes populares. A APIB informou à reportagem ter solicitado quatro audiências com o presidente do STF, mas apenas uma foi realizada.
O coordenador da APIB, Maurício Terena, argumenta que as menções de Barroso e do STF aos indígenas se tornaram uma “justificativa” do magistrado e da Corte para rebater as críticas recebidas por causa dos encontros de ministros com agentes privados em eventos e viagens, sobretudo no exterior.
“Eu pessoalmente tenho um incômodo quando vejo o ministro-presidente fazendo essa manifestação, essa justificativa, porque existe uma desigualdade política radical entre esses grupos (lideranças indígenas e empresários). Uma desigualdade política e também da forma como esses povos são escutados”, afirmou Terena.
“Eu digo isso porque os indígenas não acessam os ministros fora de uma dinâmica de audiências. O que eu quero dizer com isso? Os indígenas não almoçam, nem jantam e não vão a Portugal. Não tem comparação a forma que os empresário e os segmentos econômicos, que têm poderio econômico, são recebidos”, completou em alusão à participação de ministros do STF no Fórum de Lisboa, também conhecido como ‘Gilmarpalooza’.
Com menos de um ano no cargo, Barroso priorizou os encontros com parlamentares, juízes e representantes de governos federal, estaduais e municipais. O presidente do STF recebeu 51 representantes de entidades governamentais em 29 reuniões, 48 deputados e senadores em 31 encontros e 42 magistrados em 31 agendas. Faz parte das atribuições do presidente do STF manter relacionamento institucional com os membros de outros Poderes. Mas, quando são desconsiderados os encontros com as autoridades estatais, o setor empresarial é o que mais teve representantes atendidos pelo ministro.
Os agentes da iniciativa privada tiveram mais acesso ao gabinete da Presidência do STF do que os membros do Ministério Público. Entre setembro do ano passado e julho deste ano, Barroso atendeu 28 representantes de empresas em 17 reuniões oficiais. No mesmo período, o presidente do STF atendeu 25 procuradores, promotores e subprocuradores em 19 reuniões.
O STF afirmou em nota à reportagem que a atual gestão tem liderado iniciativas que se beneficiam da participação de parceiros privados. “Assim, é natural que haja acréscimo no número de reuniões com representantes do setor empresarial interessados em colaborar com projetos lançados pelo STF e CNJ”, argumentou a Corte.
Ainda de acordo com o STF, o número elevado de reuniões com o poder público e as empresas, por exemplo, é motivado pelo fato de serem alguns dos maiores litigantes do País.
“Ainda assim, a realização de audiências com representantes da iniciativa privada não impediu a Presidência do STF de realizar diversas reuniões com representantes de outros segmentos sociais, como as principais Centrais Sindicais, representantes do movimento negro, representantes de comunidades indígenas, associações profissionais e de servidores públicos, além da realização de missões para a Terra Indígena Apyterewa (com representantes da Presidência)”, argumentou.
Lista de empresas atendidas pelo STF
Alessandra Karine | Microsoft Brasil |
---|---|
Bruno Pavan | Microsoft Brasil |
Elias Abdala | Microsoft Brasil |
Regis de Gasoari | Microsoft Brasil |
Will Cathcart | |
Fernando Justus Fischer | SBT |
Daniel Arbix | |
Taís Tesser | |
Flávia Annenberg | |
João Camargo | Esfera Brasil |
Luís Cláudio Rodrigues Ferreira | Editora Fórum |
Mirelle Saldanha | Editora Fórum |
Eduardo Parente | Yduqs |
Ane Paes Gomes de Oliveira | Yduqs |
Pedro Henricque Motta | Yduqs |
Eduardo Parente | Yduqs |
Cláudia Romano | Yduqs |
Luis Cláudio Ferreira | Editora Fórum |
Neal Mohan | Youtube |
Ilan Goldfajn | BID |
Para o professor de direito constitucional Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo (USP), a frequência das reuniões de Barroso com empresários acende um “alerta” diante da possibilidade deste segmento ter mais acesso à Presidência do STF do que outros.
“É natural que o ministro receba muitos políticos, (mas) que receba empresários é preocupante. Receber empresários num número de encontros tão superior ao restante da sociedade é muito preocupante. Essa disparidade entre encontros com certos grupos sociais em desfavor de outros liga um sinal de alerta”, afirma.
Mendes pondera que é necessário cautela ao analisar as agendas oficiais de Barroso para compreender o contexto específico de cada encontro. Ele afirma ser necessário fazer a distinção entre agendas de caráter institucional e processual. Porém, essa diferenciação é impossível de ser feita ao acompanhar os registros da agenda pública de Barroso. O presidente do STF não detalha o teor de todas as conversas em seu gabinete.
Barroso teve 10 reuniões com 13 advogados. Em apenas dois desses encontros, que contaram com a presença de 3 advogados, foram divulgados os números dos processos discutidos. A omissão da pauta discutida em cada uma das audiências não permite diferir se o ministro e os participantes trataram de temas institucionais ou jurisdicionais. Outros membros da Corte que divulgam as suas diárias, como Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Edson Fachin, costumam sempre citar a pauta ou os números dos processos discutidos em cada audiência.
“A ausência de transparência gera ceticismo e desconfiança”, afirmou André Boselli, coordenador de programas da ONG Artigo 19, que atua em defesa do acesso à informação.
“Na ausência de algumas informações sequer dá para tirar algumas conclusões assertivas, porque a gente não sabe exatamente o que está acontecendo”, prosseguiu. “A sociedade, sem saber o que está acontecendo, não consegue exercer o controle social sobre as instituições”, completou.
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