Por Marcos Aurélio Ruy
Tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1.904/2024 (apelidado de PL do Estupro), em caráter de urgência, numa manobra espúria do presidente da casa, Arthur Lira. O PL da Bancada do Estupro pretende criminalizar o aborto em qualquer circunstância – até em casos de estupro.
“Num país onde cerca de 60% das vítimas dos milhares de estupros notificados todos os anos são meninas de até 13 anos”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “é um total absurdo o descalabro de uma proposta dessas, sem nenhuma noção da dureza da vida das mulheres num país tão violento como o Brasil”.
Além disso, a maioria dos crimes ocorrem dentro de casa, cometido por “pais, padrastos, tios, avôs”, acentua ela, a Bancada do Estupro, que “seus integrantes se dizem religiosos, deveriam estar preocupados com a vida dessas meninas e com a punição aos estupradores”. Porque “o país precisa de mais proteção às nossas crianças e adolescentes e não leis que beneficiem criminosos”.
Afinal, “em sã consciência quem é a favor de estupradores?”, pergunta Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Para ela, “quem visa proibir o aborto legal de mulheres e meninas estupradas, são estupradores dos direitos humanos, da vida das mulheres e do respeito à dignidade humana”.
Basta ver os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, nos quais foram notificados 74.930 estupros no Brasil em 2022, sendo que 88,7% das vítimas eram do sexo feminino e cerca de 60% tinham no máximo 13 anos de idade.
A estimativa do Ministério da Saúde é de mais de 1 milhão de abortos induzidos todos os anos, que não são notificados, portanto, “uma carga extremamente alta que independe da classe social. O que depende da classe social é a gravidade e a morte. Quem mais morre por aborto no Brasil são mulheres negras, jovens, solteiras e com até o ensino fundamental”, afirma à BBC News Brasil, Maria de Fátima Marinho de Souza, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde.
De acordo com a reportagem da BBC, o Ministério da Saúde aponta que “os procedimentos inseguros de interrupção voluntária da gravidez levam à hospitalização de mais de 250 mil mulheres por ano, cerca de 15 mil complicações e 5 mil internações de muita gravidade. O aborto inseguro causou a morte de 203 mulheres em 2016, o que representa uma morte a cada 2 dias. Nos últimos 10 anos, foram duas mil mortes maternas por esse motivo”.
O que reforça a necessidade de uma discussão séria sobre o tema. “Legal ou ilegal, o aborto ocorre”, afirma Celina. “Mas quem sofre são as mulheres pobres que realizam o procedimento em locais sem nenhuma segurança, enquanto as ricas até saem do país para abortar”.
Com a tramitação do projeto da Bancada do Estupro, que defende estupradores, surge a campanha Criança Não é Mãe para mostrar a maldade que é obrigar meninas de 10, 11, 12 anos a seguirem com uma gravidez fruto de um crime de ódio e violência.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se indigna com tamanha “imoralidade”, verdadeira “inversão dos valores civilizatórios mais básicos”. Para ele, “se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte”.
A legislação brasileira permite o aborto em qualquer período de gestação em casos de estupro, se a gravidez põe a vida da mulher em risco ou se o feto for anencéfalo, ou seja, não tenha cérebro. “O PL do Estupro prevê uma pena para a mulher que interromper a gravidez maior e mais severa que a pena imposta estuprador”, reforça Berenice. “o que é mais do que um absurdo”, diz Celina, porque “esses homens religiosos fundamentalistas estranhamente querem a impunidade para esse tipo de crime e punição para as mulheres”.
A proposta da Bancada do Estupro afirma que “se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade” aos criminosos claro.
“No Brasil, a realidade das mulheres desde o dia em que nascem é de violência. E as meninas que são estupradas, por causa de toda desinformação espalhada no país, não têm acesso ao direito de conseguir interromper a gravidez por estupro. É um desserviço”, o que a Bancada do Estupro “na Câmara faz às mulheres”, disse a secretária de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF), Thaísa Magalhães.
Celina defende a urgente mobilização de “todas as mulheres contra essa proposta criminosa, que impõe a maternidade a crianças e premia o crime do estupro”. Porque “claramente só pode ser a favor da vida, quem defende realmente a vida, não um crime hediondo como o estupro”.
Conheça a Bancada do Estupro. Deputados e deputadas que propuseram pena máxima maior para a mulher estuprada que fizer aborto (20 anos) do que para o estuprador (10 ou 12 anos):
Abilio Brunini – PL/MT
Bia Kicis – PL/DF
Bibo Nunes – PL/RS
Capitão Alden – PL/BA
Carla Zambelli – PL/SP
Cezinha de Madureira – PSD/SP
Cristiane Lopes – UNIÃO/RO
Dayany Bittencourt – UNIÃO/CE
Delegado Palumbo – MDB/SP
Delegado Paulo Bilynskyj – PL/SP
Delegado Ramagem – PL/RJ
Dr. Frederico – PRD/MG
Dr. Luiz Ovando – PP/MS
Eduardo Bolsonaro – PL/SP
Eli Borges – PL/TO
Ely Santos – REPUBLIC/SP
Evair Vieira de Melo – PP/ES
Filipe Martins – PL/TO
Franciane Bayer – REPUBLIC/RS
Fred Linhares – REPUBLIC/DF
Gilvan da Federal – PL/ES
Greyce Elias – AVANTE/MG
Junio Amaral – PL/MG
Julia Zanatta – PL/SC
Lêda Borges – PSDB/GO
Mario Frias – PL/SP
Nikolas Ferreira – PL/MG
Pastor Eurico – PL/PE
Pezenti – MDB/SC
Renilce Nicodemos – MDB/PA
Simone Marquetto – MDB/SP
Sóstenes Cavalcante – PL/RJ ← Autor principal
Marcos Aurélio Ruy é jornalista
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