As mentiras foram disseminadas pelos bolsonaristas em 2022
Por Danilo Vital, correspondente da Conjur em Brasília
Sob a gestão do ministro Alexandre de Moraes, o Tribunal Superior Eleitoral distribuiu R$ 940 mil em multas por fake news durante as eleições presidenciais de 2022. As punições foram confirmadas colegiadamente em 26 representações por propaganda irregular.
Essas punições se tornaram possíveis graças a uma nova interpretação de uma regra da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), inaugurada em março de 2023, no julgamento de um caso de desinformação espalhada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) contra o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Por iniciativa de Alexandre, o TSE enquadrou a disseminação de mentiras na regra do artigo 57-D da Lei das Eleições, que veda o uso do anonimato na internet para a livre expressão durante a campanha eleitoral. Ela prevê multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
A inovação serviu para corrigir uma deficiência da legislação sobre o tema, segundo advogados eleitoralistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Todas as multas foram impostas a pedido da Coligação Brasil da Esperança, de Lula, representada pelo escritório Ferraro, Rocha e Novaes Advogados.
Os alvos foram sempre bolsonaristas: além do próprio Jair Bolsonaro e seus filhos, foram multados correligionários, apoiadores e veículos de informação ideologicamente alinhados.
Uma das 26 representações aguarda embargos de declaração para que seja confirmado o valor total da multa — por isso, ela não foi considerada no levantamento.
Há, ainda, outras 27 representações da mesma coligação aguardando julgamento. Ou seja, o balanço financeiro da desinformação na eleição presidencial pode aumentar bastante.
Repertório da desinformação
Os episódios que levaram às punições mostram o repertório de desinformação usado em 2022: passam por satanismo, aborto, narcotráfico, crime organizado, processos da “lava jato”, banheiros unissex, urnas eletrônicas, genocídio, perseguição religiosa e gastos públicos.
Houve também reciclagem de fake news de eleições anteriores, caso do “kit gay” e do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel. Até desinformação contra a mulher de Lula, Rosângela da Silva, a Janja, foi praticada.
A nova leitura do artigo 57-D da Lei das Eleições foi proposta por Alexandre devido ao grave contexto de propagação reiterada de desinformação nas eleições de 2022.
Na visão do então presidente do TSE, essa norma não se restringe à hipótese de anonimato. Em vez disso, tutela outros tipos de abusos no exercício do direito fundamental à livre expressão, que é garantido na Constituição Federal, mas não é absoluto.
A posição é “mais consentânea com a crescente preocupação desta Justiça especializada no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática”, segundo o ministro.
A nova interpretação foi replicada por Tribunais Regionais Eleitorais. A tendência é que isso ocorra novamente nas eleições municipais deste ano, em que a maior preocupação é que as fake news sejam “anabolizadas” pelo uso de inteligência artificial.
Divergências
Das 26 representações analisadas, 21 tiveram o resultado do julgamento por maioria de votos. Inicialmente, o ministro Raul Araújo se opôs à nova interpretação do artigo 57-D da Lei das Eleições. O ministro Kassio Nunes Marques, que não compunha o TSE quando a definição foi feita, depois se uniu à divergência.
Ambos passaram a ressalvar a posição, diante da consolidação da jurisprudência. Na maior parte dos casos, mesmo quando concordaram com a aplicação da multa, divergiram sobre o valor da punição. Depois, a ministra Isabel Gallotti se uniu a eles em alguns casos.
Em apenas três ações a multa ficou no mínimo legal. Em dez, chegou ao máximo de R$ 30 mil. Na maioria delas, oscilou em patamar intermediário. E isso se deve ao contexto em que as fake news estavam sendo disparadas, na eleição mais polarizada da história recente brasileira.
A orientação jurisprudencial para estabelecer o valor da multa é olhar o grave contexto de propagação reiterada de desinformação; o número de seguidores; o alcance da veiculação; e a proximidade do pleito.
Uma das representações resultou em R$ 195 mil em multas. Seis representados levaram punição de R$ 30 mil cada, e outros três, de R$ 5 mil. O caso tratou de conteúdos inverídicos vinculando a imagem de Lula a ideologias satanistas.
Houve também casos em que Raul Araújo, Nunes Marques ou Isabel Gallotti divergiram da própria ocorrência da desinformação, votando pela improcedência das ações.
Araújo, especialmente, vem adotando linha de mínima intervenção no debate político e de mais tolerância até com ataques à Justiça Eleitoral.
Pouca definitividade
Apenas quatro das 26 representações já transitaram em julgado. São ações contra o coach Pablo Marçal, a produtora Brasil Paralelo, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) e o portal Gospelmente. Em duas, houve início do cumprimento da sentença.
Há sete ações em fase de intimação do acórdão publicado e outras seis aguardando julgamento de embargos de declaração. O restante já foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (oito ações) ou está aguardando análise do recurso para a corte (uma ação).
A admissão dos recursos extraordinários é feita pela presidência do TSE, mas Alexandre de Moraes negou seguimento em todas as oportunidades. As partes interpuseram agravo, e é dessa forma que o Supremo terá a oportunidade de decidir se vai analisar a questão.
Não há precedente na corte sobre a aplicação do artigo 57-D da Lei das Eleições. A tendência do STF, historicamente, é referendar as posições do TSE, tribunal que tem três dos seus sete membros oriundos do Supremo.
Processo Fake news e seu valor total
0601787-40.2022.6.00.0000 Lula teria manipulado os números de espectadores do programa para fazer parecer que possuiria uma popularidade superior R$ 25 mil
0601283-34.2022.6.00.0000 Associação de Janja a pessoas que consomem drogas R$ 60 mil
0601798-69.2022.6.00.0000 Associação de Lula ao satanismo R$ 25 mil
0601788-25.2022.6.00.0000 Lula teria abandonado uma tia para “morrer no SUS” R$ 10 mil
0600920-47.2022.6.00.0000 IPEC funcionaria dentro do Instituto Lula R$ 25 mil
0601259-06.2022.6.00.0000 Lula responsável por desvios na Petrobrás, apoiado pelo narcotráfico e líder do Foro de São Paulo R$ 25 mil
0601008-85.2022.6.00.0000 Lula seria favorável ao aborto R$ 25 mil
0601536-22.2022.6.00.0000 Prova de vida do INSS seria concretizada ao votar 22 nas urnas R$ 30 mil
0600851-15.2022.6.00.0000 Kit gay R$ 25 mil
0601492-03.2022.6.00.0000 Kit gay R$ 30 mil
0601556-13.2022.6.00.0000 Vínculo entre PT e organizações criminosas R$ 15 mil
0601752-80.2022.6.00.0000 Inverdades sobre educação sexual, aborto e apoio do narcotráfico R$ 20 mil
0601372-57.2022.6.00.0000 Crises políticas tratadas como se criminosas fossem R$ 15 mil
0601807-31.2022.6.00.0000 Lula teria criticado os microempresários individuais (MEIs) R$ 60 mil
0601373-42.2022.6.00.0000 Kit gay e falsos esquemas de corrupção R$ 60 mil
0601562-20.2022.6.00.0000 Implantação de banheiros unissex nas escolas R$ 35 mil
0601365-65.2022.6.00.0000 Manipulação de urnas eletrônicas R$ 30 mil
0601307-62.2022.6.00.0000 Caso Celso Daniel R$ 60 mil
0601399-40.2022.6.00.0000 Incentivo de Lula ao consumo de drogas, associação ao crime e fechamento de igrejas A confirmar
0601358-73.2022.6.00.0000 Distribuição, pelo PT, de cartilha para ensinar crianças a fazer sexo R$ 5 mil
0601325-83.2022.6.00.0000 Vínculo entre PT e organizações criminosas R$ 5 mil
0601756-20.2022.6.00.0000 Aposentados estariam arcando com custo da corrupção atribuída ao PT R$ 45 mil
0601754-50.2022.6.00.0000 Lula teria desviado dinheiro da saúde, verba que prejudicou combate à epidemia da Covid-19 R$ 30 mil
0601004-48.2022.6.00.0000 Associação de Lula à defesa do aborto R$ 25 mil
0600846-90.2022.6.00.0000 Notícias falsas sobre aplicativo e-Título R$ 60 mil
0601352-66.2022.6.00.0000 Vinculação de Lula a ideologias satânicas R$ 195 mil
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