Oi Lula! Não deixe o seu indicado se meter a besta

Por Guilherme Lacerda e Ricardo Berzoini

Armínio Fraga foi quem fez esta advertência, em mais uma de suas entrevistas à Folha de São Paulo (02/06/2024), chamando a atenção de Lula para não indicar alguém para o Banco Central (BC) “que se meta a besta”. Com esta mensagem insolente o ex-presidente do BC deixou claro que Lula não pode escolher alguém para o BC que desagrade ao mercado. Em outras palavras, a supremacia da decisão não é do Presidente e sim do seleto grupo de formadores de opinião que define a calibragem da política monetária.

Esta manifestação não é isolada. Ela se junta a várias outras no mesmo sentido. O objetivo é claro: enquadrar o atual governo dentro das “quatro linhas“, as quais, para eles, não podem ser ultrapassadas.

Os princípios são os de manter uma taxa Selic suficientemente elevada em razão das “ameaças no horizonte interno e externo”. Ela precisa ser superior à taxa de juros neutra, esta, por si só, sujeita a uma aferição de suas premissas inseridas numa função de produção teórica, com pressupostos tirados das percepções do próprio mercado financeiro. Também argumentam que a taxa de juros doméstica precisa estar alguns pontos acima do que indica a “regra de Taylor”, uma métrica formada por variáveis apenas supostamente técnicas, desenhada no início dos anos noventa para a economia norteamericana, quando a referência econômica papal era a de seguir o “consenso de Washington”.

O Sr Fraga ressalta que inicialmente o Lula III estava indo bem, mas agora foi para o caminho errado, deixando de fazer o dever de casa. E vai além, diz que o Lula bom foi o do primeiro governo, quando ele rasgou o programa do PT. Realmente os resultados de 2003 em diante foram positivos, revertendo uma situação econômica delicada encontrada em fins de 2002. Ele só esqueceu de dizer que naquele momento em que deixou o Banco Central a inflação estava em 12% e subindo, os juros estavam em 22% e um terço da dívida interna era dolarizada (swap cambial).

Na mesma direção e no mesmo dia colhe-se a manifestação do economista Samuel Pessoa, não tão famoso, mas também valorizado pela mídia corporativa. Ele reconhece que Lula tem o direito de falar sobre o BC, mas não pode falar o que não deve. Ou seja, o Presidente só deveria se pronunciar se falasse o que eles – do grupo de ungidos que dominam a boa técnica econômica – entendem como correta.

É impressionante a desfaçatez deste time. A ousadia não tem limites. Eles chegam ao ponto de culpar a mudança de opiniões do mercado à divergência na última reunião do Copom sobre o quanto a Selic deveria ser reduzida. É curioso pois não foi a primeira vez que houve divergência de tal natureza. Das outras vezes não houve a reação de agora. O auê atual destina-se a criar um clima de consenso para inibir a atuação e a escolha do próximo presidente do BC. Do jeito que vai, daqui a pouco eles propõem um adendo à “Lei de Independência do BC”, ressaltando que o Presidente da República só pode escolher alguém após ser aprovado pelo mercado, no caso, o restrito grupo do mercado financeiro do boletim Focus.

O Brasil continua a ter a maior taxa de juros real do mundo e muito distante dos demais, onde se incluem vários países de renda média. O malefício que tal situação impõe ao País é imenso. Os argumentos tidos como exclusivamente técnicos não resistem a uma avaliação séria, distante de postulados preconcebidos e antiquados. Os antolhos ideológicos que usam não permitem enxergar que juros são parte do custo de produção e tem um impacto direto sobre a produtividade econômica; desconsideram que o custo da rolagem da dívida pública nacional – uma realidade de todos os países contemporâneos – é fortemente impactada por uma taxa real três a quatro pontos acima da taxa de juros neutra.

As frequentes manifestações de gestores de fundos, analistas ventríloquos e editoriais dos grandes jornais vão conformando um consenso preestabelecido para colocar nas cordas qualquer argumento contrário que questione os postulados mágicos da “única técnica” que vale, a deles. É isso; não há como explicar racionalmente como que até três meses atrás havia um entendimento geral de que o Brasil caminhava para uma redução da Selic que mirava em torno de 9% ao final do ano e, de repente, as coisas se alteram fortemente jogando a curva de juros para o alto. Quais foram as variáveis reais que se deterioraram de fevereiro para maio? Não há. Pelo contrário, os índices de inflação ficaram aquém do previsto e há indicações de que eles caminham para fecharem o ano dentro da meta. Não satisfeitos, o pessoal avança bradando que um desemprego de 7,5% no Brasil já é algo próximo do pleno emprego e, assim, lamentam a boa performance do mercado de trabalho.

O time do Focus não inclui uma opinião sequer da economia real, daquela que que gera empregos e produto. A partir do sinal dado pelo atual presidente do BC feito no exterior, realçando que passou a detectar riscos no ambiente externo e interno, os integrantes do Focus apressam-se a refazer seus discursos e sobem o tom em torno da política fiscal. E assim, um lado vai alimentando o outro e as estacas de um novo consenso de mercado estão fincadas.

As atitudes são reveladoras. Batem pesado agora, inibindo as condições para a escolha futura do novo presidente. E fazem isso com desenvoltura, postando-se como brasileiros preocupados com o país e que, se não fizerem como indicam, o Brasil vai pagar caro.

Ao final da longa entrevista o Sr. Fraga lamenta que não surja no País uma terceira via na disputa eleitoral e revela que tem uma certa frustração por não estar atuando no setor público. Seria conveniente se pessoas como ele, com tanto tirocínio e domínio da boa técnica econômica se dispusessem a enfrentar na seara política os desafios colossais que nosso país tão complexo possui. Seria a oportunidade para constatar que o mundo real e as necessidades do povo não se encaixam nos postulados assépticos de modelos focados exclusivamente na acumulação financeira.

*Guilherme Narciso de Lacerda. Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital. É associado da Veredas Inteligência Estratégica

Ricardo Berzoini. Foi ministro da Previdência, das Comunicações e de Relações Institucionais. Ex-deputado federal. Aposentado do Banco do Brasil. É sócio da Veredas Inteligência Estratégica

Fonte: GGN Foto: ABr

 

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