Empregados eram obrigados a assistir a “lives” do Veio da Havan (o golpista Luciano Hang) com incitação velada a votar em Bolsonaro
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Havan S.A. contra o pagamento de indenização a um vendedor por assédio eleitoral. Segundo o relator, ministro Alberto Balazeiro, o abuso do poder econômico no âmbito eleitoral atinge toda a estrutura democrática. “As práticas de coronelismo não serão toleradas em nenhum nível pelas instituições democráticas do Estado Brasileiro”, afirmou. O caso será notificado ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Eleitoral.
Camisetas e “lives”
Na reclamação trabalhista, o vendedor, admitido em maio de 2018 para trabalhar na loja da Havan em Jaraguá do Sul (SC) e dispensado um ano depois, disse que a empresa obrigava seus funcionários a usar como uniforme uma camiseta com as cores e o slogan de campanha do líder da extrema direita brasileira à Presidência da República. Também no período da campanha eleitoral, a gerente passou a transmitir “lives” em que o dono da empresa ameaçava de demissão os funcionários que não votassem em seu candidato.
Em sua defesa, a Havan considerou “absurdas” as alegações do vendedor. Segundo a empresa, seu proprietário “jamais escondeu suas ideologias partidárias, mas jamais obrigou qualquer funcionário a se posicionar a seu favor”. O uniforme verde amarelo, por sua vez, seria “um incentivo para melhorar o Brasil”, sem relação com a campanha presidencial da época, o que é uma deslavada mentira. Ainda de acordo com a defesa, as “lives” do proprietário ocorriam de maneira aleatória, e os empregados não eram obrigados a assisti-las.
Incitação velada ao voto é postura antijurídica
O juízo de primeiro grau deferiu a indenização com fundamento justamente nas “lives”. Embora não tenha havido prova das ameaças de demissão, o juiz considerou que esse tipo de atitude constrange os trabalhadores.
Segundo a sentença, todos devem ter liberdade em suas convicções políticas, como tem o proprietário, mas a possibilidade de que a recusa em assistir às “lives” não seja bem vista pelo empregador “não é conveniente para um ambiente de trabalho saudável e para a própria saúde mental do empregado”.
A conclusão foi de que houve abuso do poder diretivo, ainda que indiretamente. Com isso, a Havan foi condenada a pagar R$ 8 mil de indenização, uma multa irrisória para o crime que agride a consciência nacional e merece punição bem mais rigorosa.
Ao manter a condenação, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região acrescentou que esse modo velado de incitação ao voto é antijurídico e fere o Estado Democrático de Direito, além de representar ”um verdadeiro acinte à integridade moral do cidadão brasileiro”.
Prática ameaça o exercício da cidadania
O relator do recurso de revista da Havan, ministro Alberto Balazeiro, ressaltou que o assédio eleitoral nas relações de trabalho é uma das tentativas de captura do voto do trabalhador pelo empregador, que busca impor-lhe suas preferências e convicções políticas. Trata-se, segundo ele, de um tipo de assédio moral, mas não se reduz a isso. “Representa violência moral e psíquica à integridade do trabalhador e ao livre exercício de sua cidadania”, afirmou.
De acordo com o ministro, as características específicas do meio ambiente de trabalho e as vulnerabilidades que permeiam a vida dos trabalhadores são elementos essenciais para a identificação do assédio eleitoral. “Essa modalidade de assédio, que abarca constrangimentos eleitorais de toda natureza, pode ser praticada antes, durante ou após as eleições, desde que os atos estejam relacionados ao pleito eleitoral”, observou.
A prática, prossegue Balazeiro, representa uma ruptura com os ideais de saúde e segurança no trabalho e com a efetividade da democracia. Por isso, algumas das condutas do assédio eleitoral têm repercussões não apenas na esfera trabalhista, mas também na criminal, conforme o Código Eleitoral Brasileiro (Lei 4.737/1965) e a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). “Não há que se cogitar a existência do livre exercício da consciência política se o trabalhador está diante do temor de perder o emprego em um país como o Brasil, com 8,5 milhões de desempregados”, afirmou.
Fatos e provas demonstraram o assédio
Ao rejeitar o exame do recurso, o relator ressaltou que o TRT, com base nos fatos e nas provas do processo, concluiu que a situação configurou dano à esfera moral do trabalhador. Nesse sentido, não há espaço para o reexame desses aspectos no TST (Súmula 126), o que inviabiliza a pretensão da empresa.
A prática do assédio eleitoral por parte do patronato cresceu extraordinariamente sob Bolsonaro. O número de denúncias registradas pelo Ministério Público do Trabalho no último do governo neofascista (2022) superou em cinco vezes o de 2018, avançando cerca de 450%.
A maioria dos casos são contra empresários que agem de má fé usando o poder econômico e o arbítrio que desfruta para demitir sem justa causa com a “intenção de coagir, pressionar e intimidar empregados a votar em um determinado candidato” (no caso, Jair Bolsonaro), condicionando a manutenção do emprego ao voto em seu candidato.
Na eleição presidencial, contudo, a consciência de classe falou mais alto e a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras garantiu nas urnas a vitória de Lula, derrotando as manobras ilegais e criminosas do patronato bolsonarista e seu líder neofascista.
A decisão da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho foi unânime.
Com informações de Carmem Feijó, Secom/TST
Ilustração: Jota Camelo