A trajetória dos hospitais do RJ e os desafios da saúde pública

Ilustração: Arthur Fernandes.

Por Ligia Bahia e Roberto Monteiro

Uma cidade que sediou os melhores e maiores hospitais do Brasil, tem muito o que contar e ensinar. Porém, quando o passado não se projeta no presente, apelos ao que já fomos tem pouca serventia e se tornam apenas nostalgia. O atual racionamento de acesso, filas e humilhações para obter atendimento nem sempre personalizado e de boa qualidade contrasta com as figuras amareladas de instituições de saúde públicas portentosas e modernas. Voltar no tempo não resolve, talvez ajude a discernir caminhos para que a cidade ocupe novamente um lugar digno no sistema de saúde brasileiro.

A rede hospitalar pública foi configurada por iniciativas do município, do estado e de órgãos federais. Na antiga capital federal, foram construídos e, posteriormente, ampliados os estabelecimentos hospitalares dos institutos de aposentadorias e pensões e aqueles que resultaram de iniciativas de prefeitos como Pereira Passos e governadores como Carlos Lacerda. Na primeira metade do século XX, a prioridade ao atendimento de problemas de saúde de uma população com taxas de crescimento elevadas em contexto de urbanização desordenada, representava uma resposta desenvolvimentista: uma estratégia setorial para quebrar o suposto ciclo vicioso “doença-pobreza”.

O tempo passou, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi inscrito na Constituição de 1988, e a oferta de leitos começou a ser encarada como herança incomoda, uma batata quente, passando de mão em mão. De acordo com as diretrizes do SUS seria previsível que parte dos hospitais passassem a integrar a rede municipal e outra parcela ficaria sob a responsabilidade estadual. Haveria exceções, considerando, por exemplo, a jurisdição nacional do Instituto Nacional do Cancer (Inca). Nem tudo correu como o previsto. Como se sabe o Rio de Janeiro retrocedeu em termos econômicos e sociais. No âmbito nacional, a saúde foi submetida a um regime de subfinanciamento crônico e aos mínimos múltiplos comuns políticos dos alinhamentos entre governantes das três esferas da federação.

Foi essa cidade dotada de uma oferta pública de serviços de saúde diversificada e sintonizada com as inovações tecnológicas, que viabilizou para os mais renomados profissionais o exercício de atividades assistenciais e a criação de novos serviços e métodos de ensino, bem como alternativas cirúrgicas e terapêuticas como: cirurgia cardíaca, residência médica e centros de terapia intensiva. A mesma que depois assistiu o fechamento de leitos e uso de cargos de direção como moeda de troca de negociações escusas. Durante os últimos anos parecia que os esforços para fazer do Rio a capital da saúde tinham se dissipado a ponto de cederem vez a indiferença com a doença, dor e sofrimento.

Sacudido pela pandemia da Covid-19, o tema hospitais no Rio de Janeiro voltou a pauta. As evidências da falta de recursos para cuidar de pacientes graves sinalizaram na direção de recuperar a capacidade instalada e devolver a cidade durante a tragédia sanitária o que tinha potencial de reativação rápida. Infelizmente, os hospitais de campanha, a “solução” adotada pelo município e estado do Rio de Janeiro, logo mostraram que vieram para turbinar os fluxos de recursos públicos para finalidades ilícitas. Mais uma oportunidade perdida. Nas eleições de 2022, com a memória recente do sufoco de um sistema de saúde despreparado, as plataformas eleitorais para presidência, governos estaduais, deputados e senadores incluíram proposições para “ampliar/fortalecer” o SUS.

Promessas de campanha, como se sabe, são cortadas e adaptadas ao sabor de coalizões que incorporam os interesses de grupos de pressão. Todavia, desastrosas gestões que culminaram com sucessivos secretários de saúde presos e julgados por desvios de fundos públicos, ao que tudo indica, foram demasiadamente tóxicas. Depois das catástrofes, a atmosfera no setor é respirável e existem canais de diálogos a serem explorados e ampliados. O Ministério da Saúde, a Secretaria Estadual e a Municipal têm desempenhado adequadamente suas atribuições. Ou seja, o necessário está sendo executado, porém não é o suficiente. Duas centrais de regulação, unidades de saúde inauguradas celeremente em ano eleitoral, com obras lentas, contratação de pessoal sem critérios públicos de seleção e o modus operandi por contratos aditivos são desafios incontornáveis.

O Rio precisa um plano de saúde com objetivos e metas de curto, médio e longo prazo, que confira legitimidade e estabilidade e efetiva natureza cooperativa de cada ente federado. Hospitais da cidade estão avariados, mas o contingente de gente que pensa e sabe fazer gestão da saúde ficou intacto e se renovou. Saúde e democracia significam compreender as necessidades de usuários do SUS e o trabalho cotidiano de milhares de profissionais como um vetor de justiça social e cidadania. O rico legado de alternativas ousadas e duradouras para a saúde é nosso, pertence aos que querem somar esforços para assegurar direitos sociais progressivo e continuamente.

A eleição de 2024 será uma batalha que apontará as condições democráticas para avançarmos ou retrocedermos na luta pelo SUS. De qual lado você estará na trincheira?

 

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