Ilusões e bizarrices de uma comitiva brasileira nos Estados Unidos

É no campo anti-imperialista que os democratas brasileiros devem estar, não em aliança com o Partido Democrata,

Por José Reinaldo Carvalho*

Parlamentares da extinta CPI do 8 de Janeiro passaram a semana nos EUA, onde se empenharam em divulgar suas ações em defesa da democracia no Brasil e, segundo a ótica pela qual se observe, também no mundo.

Sob alguns aspectos mereceram aplausos. Afinal, denunciaram o bolsonarismo e a intentona golpista de 8 de janeiro do ano passado e retribuíram a solidariedade que o Brasil recebeu de várias lideranças democratas dos EUA. Em outro momento, o próprio chefe da Casa Branca fez sonoras declarações de apoio ao presidente Lula a esse respeito. Tem também significado político a solidariedade renovada dos integrantes da CPI do 8 de janeiro aos seus colegas estadunidenses que investigaram a intentona golpista de 6 de janeiro de 2021 perpetrada pelos seguidores de Trump para impedir a certificação do triunfo eleitoral de Biden.

É digno de nota também a denúncia do comportamento histriônico e ameaçador do bilionário Elon Musk em sua campanha a favor dos bolsonaristas.

Mas a comitiva brasileira também protagonizou bizarrices durante a viagem, manifestadas na crença, compartilhada com o senador Bernie Sanders, de que os EUA e o Brasil podem se unir na defesa da democracia, na proposição de que a OEA adote mecanismos de defesa da democracia nas Américas e ao levantar a bandeira de criar a frente ampla democrática internacional para enfrentar a extrema direita.

Decerto, o senador do Partido Democrata, com atuação por vezes independente, e os integrantes brasileiros da extinta CPI do 8 de janeiro sabem que a defesa conjunta da democracia pelo Brasil e os Estados Unidos nunca sairá do terreno da retórica. No caso dos Estados Unidos, via de regra a bandeira da democracia é içada, em parceria com a OEA, como pretexto para estigmatizar, hostilizar e golpear governos revolucionários, com sanções, ingerência em assuntos internos, financiamento a milícias e lideranças golpistas.

Mais estapafúrdia ainda é a proposta de criar uma frente democrática internacional integrada pela cúpula do Partido Democrata e a Casa Branca, quando este se encontrar à frente do governo. A ideia é lançada como uma pílula dourada, um esforço que pareceria meritório do louvor do senso comum, de promover valores democráticos, combater globalmente a ascensão da extrema direita e afiançar o Estado democrático de direito em toda a parte. Contudo, a proposta está condenada ao fracasso, por ser prejudicial aos anseios dos povos e nações que lutam por sua independência no mundo. A ideia parece mais uma boutade. É no mínimo uma vã ilusão contar com os círculos imperialistas como aliados.

A visão de frente democrática do Partido Democrata é excludente, parte da imposição da hegemonia estadunidense no mundo. Isto significa que países que não se alinham com os interesses dos Estados Unidos são muitas vezes hostilizados e golpeados com os métodos mais antidemocráticos. Essa postura compromete qualquer tentativa de construir uma coalizão verdadeiramente global, inclusiva, abrangente e eficaz para a defesa da democracia no mundo.

O imperialismo estadunidense adota invariavelmente, independentemente de qual partido esteja no poder, políticas intervencionistas, lesivas aos interesses nacionais de nações e povos, muitas vezes por meio de métodos brutais. Os Estados Unidos não têm credenciais que os afiancem como país líder ou integrante de uma frente democrática mundial. Estão aí o apoio incondicional a Israel, portanto a cumplicidade com o genocídio, as intervenções na América Latina, os bloqueios e as sanções generalizadas contra países como Cuba, Venezuela, Rússia, RPD da Coreia, Irã e China, entre outros, como exemplos claros disto.

É importante também destacar que apoiar cegamente as políticas do Partido Democrata durante o período eleitoral nos Estados Unidos retira seriedade a personalidades políticas, que acabam confundindo-se como cabos eleitorais de uma das facções do sistema político e eleitoral norte-americano.

Ao expor a crítica à insólita proposta, não podemos deixar de assinalar a semelhança com a chamada “Cúpula da Democracia”, iniciativa de Joe Biden já em sua terceira edição. O atual chefe da Casa Branca, que pleiteia mais um mandato, não pretende com tal cúpula o reforço das correntes democráticas no mundo, mas recuperar terreno geopolítico e arregimentar forças. A divisão do mundo entre “democracias” de modelo ocidental e “autocracias” ou “regimes totalitários” é falsa. O que está em jogo no mundo contemporâneo é a disjuntiva e o antagonismo entre as forças da multipolaridade, da soberania e da libertação nacional, de um lado, e as intervencionistas e imperialistas, de outro. É no primeiro campo – anti-imperialista – que se alinham as forças da esquerda consequente.

Se não forem suficientes as considerações sobre os aspectos geopolíticos aqui ligeiramente mencionados para avaliar a “democracia” americana, bastará observar o comportamento do Estado norte-americano e suas instituições repressivas no esmagamento brutal da luta estudantil internacionalista e pró-Palestina dos últimos dias.

*Jornalista, editor internacional do Brasil 247 e da página Resistência

Imagem: reprodução

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