Os dados foram extraídos do Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG/Dieese), que reúne informações sobre as mobilizações realizadas pelos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros desde 1978 e conta, atualmente, com mais de 40 mil registros
Foram 42 mil horas paradas. Mais da metade (51%) dessas paralisações – o que correspondeu a 65% das horas paradas – ocorreu no setor público, refletindo o descontentamento do funcionalismo, que amargou um forte arrocho dos salários nos governos Temer e Bolsonaro.
Em 2023, 56% das greves encerraram-se no mesmo dia em que foram deflagradas. Entre as mobilizações que mais se alongaram, 12% duraram mais de 10 dias.
Caráter das greves
A maioria das greves teve caráter defensivo.
Greves que propõem novas conquistas ou ampliação das já asseguradas são consideradas de caráter propositivo.
As greves denominadas defensivas caracterizam-se pela defesa de condições de trabalho, de saúde e de segurança. Também se posicionam contra o descumprimento de direitos estabelecidos em acordo, convenção coletiva ou legislação.
Por fim, aquelas que visam ao atendimento de reivindicações que ultrapassam o âmbito das relações de trabalho são classificadas como greves em protesto. E ações em apoio a greves de trabalhadores de outra categoria, como greves em solidariedade
Itens de caráter defensivo estiveram presentes na pauta de reivindicações de 78% das greves, sendo que mais da metade (52%) referia-se à denúncia de descumprimento de direitos.
Greves contra a degradação de condições vigentes também tiveram participação importante (44%).
Questões salariais como reajuste (40%) e pagamento do piso (27%) foram as pautas mais frequentes. A exigência do pagamento de salários em atraso veio em seguida (22%).
Itens relacionados à melhoria das condições de trabalho estiveram presentes em 21% das greves.
Fator político
Conforme o estudo do Dieese, o protesto político, praticamente ausente na esfera privada, esteve em um importante segundo lugar nas greves dos trabalhadores das empresas estatais (31%) – relacionado principalmente à rejeição de projetos de privatização – e está presente, embora em menor grau, também na pauta do funcionalismo público (13%).
O protesto por melhores condições de trabalho (ou contra sua deterioração) destaca-se na pauta grevista tanto de funcionários públicos (30%) quanto na de trabalhadores em empresas estatais (24%) – ocupando, em ambas as categorias, o terceiro lugar de maior importância.
Terceirização não acaba com greves
Na visão dos técnicos do Dieese, im olhar global nas manifestações realizadas nos últimos anos revela um padrão: grande parte das greves tem o orçamento público como campo de disputa. Mesmo no setor privado.
Se, de um lado, existe uma maioria de greves promovidas pelos trabalhadores do Estado, de outro lado, mais da metade das greves no setor privado – 56% em 2022 e 56%, novamente, em 2023 – envolveu ou trabalhadores terceirizados que atuam no serviço público (enfermagem, porteiros, recepcionistas, trabalhadores da limpeza, das cozinhas, dos serviços gerais) ou trabalhadores que atuam em concessionárias privadas de serviços públicos (transporte coletivo, varrição e coleta de lixo).
Parte significativa dessas greves sequer reivindica reajuste salarial, mas protesta contra atrasos na remuneração (52% em 2022; 59% em 2023), dentre outras irregularidades trabalhistas. É bastante pertinente perguntar-se a respeito da qualidade dos serviços prestados nessas condições de desrespeito e insegurança.
O argumento inicial de que a privatização significaria o fim das greves, portanto, não se sustenta. O conflito apenas muda de lugar, deixando a esfera pública e se estabelecendo na esfera privada. Ademais, o tipo de reivindicação das greves dos trabalhadores que atuam no serviço público através de organizações privadas não deixa dúvida – a promoção de privatizações e de terceirizações de atividades no serviço público resulta na promoção de jornadas excessivas, rebaixamento salarial, descumprimentos trabalhistas e, evidentemente, queda na qualidade do atendimento.